CAP 23 - Mais perdida do que os pares de meias

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CAP 23 – Mais perdida do que os pares de meias

*CAIO*

Estou pensando seriamente em tacar uma tinta escura nos meus cabelos coloridos, arrancar o alargador da minha orelha, e adotar o visual sem graça da maioria dos meus futuros colegas de profissão. Eu não estou querendo ceder por não aguentar os olhares desconfiados, e narizes torcidos que recebo toda vez que conto que sou estudante de medicina. Na verdade, me amarro em nadar contra a maré, e ser o ponto colorido no mar de jalecos brancos. Meu motivo é por outra coisa.

O meu desejo de arregar, e me tornar só mais um na multidão é porque no último ano, minha vida se tornou um inferno.Tá legal! Talvez seja um exagero o que eu disse, confesso. Mas o problema é que ultimamente o meu 'destaque' não tem sido por causa do meu estilo único e interessante, e sim porque me pareço com certo cara que está andando por ai. E isso eu não posso aceitar: viver as sombras de alguém.

Em outras circunstâncias, eu acharia legal ter um sósia. Quem sabe, eu até poderia contratar o cara para me substituir nos lugares onde não estava a fim de ir, limpar a casa quando minha mãe obriga, ou até mesmo fazer uma prova no meu lugar. (A última parte foi caô, tá legal? Eu não quero ser um açougueiro disfarçado de médico. Então preciso estudar, querendo ou não.) Mas enfim... O que eu quero dizer, é que fica difícil aproveitar o lado bom da coisa de clone, quando a sua cópia faz parte da banda febre do momento.

Meu irmãozinho querido, precisou montar o visual do baterista da CÓDIGO 5 , e seguir a proposta da banda de sigilo de imagem. Só que o idiota, ao invés se inspirar em qualquer outra pessoa do mundo, fez a idiotice de escolher logo a mim.

Sei que alguém agora deve estar me crucificando, por eu não ficar feliz com a suposta homenagem. Só que o gênio esqueceu que com isso, a identidade dele está mais em risco do que nunca. Uma hora alguém vai ligar os pontos no mapa.

Mesmo com somente dois anos de diferença, nós somos a imagem 'cuspida e escarrada' um do outro. E os nossos estilos eram praticamente as únicas coisas que nos diferenciavam, além das personalidades, é claro. Mas a partir do momento em que Harley passou a existir, Fernando não pensou no problema que isso me traria.

Já é rotina quando vou a algum lugar diferente, o burburinho a minha volta, até alguém vir me perguntar se eu sou o baterista da CÓDIGO 5. Mesmo eu dizendo que meu cabelo é roxo e não azul, e que ao contrário do cara, eu uso alargador, não adianta. O caos reina, e eu sempre me ferro de algum jeito.

Já me meti em várias encrencas por causa dessa nossa semelhança idiota. Já fui agarrado, bolinado, mordido, arranhado, perseguido... Até tufos do meu cabelo foram arrancados por um fã maluco. Então depois de viver no meio dessa loucura no último ano, é claro que a minha paciência já não é mais a mesma. Sendo assim, agora você entende por que não fiquei tão feliz com a homenagem?

Eu mal termino de estacionar o carro, e meu celular toca pela décima vez na última hora.

___Você é chato pra caraca, hein? Eu já estou na entrada do shopping. --- Digo de cara, assim que atendo o telefone, depois de ver o nome do meu irmão estampado na tela. --- O quê? Você me enviou umas 30 mensagens me apressando, e agora está me dizendo que terei que te esperar? --- Eu guardo a mochila na mala e tranco o carro, sem deixar de ouvir a explicação esfarrapada do outro lado da linha.

Nem ando uns 10 metros e já vejo alguns dedos apontados na minha direção, e o mesmo nome da moto da minha mãe ecoar pelo estacionamento. Um gritinho histérico, que parece ter sido abafado provavelmente por alguma mão piedosa, me faz acelerar os passos em direção à entrada do shopping. Depois do episódio dos tufos de cabelo no mês passado, estou fugindo de qualquer sinal de empolgação elevada demais.

Amor à última vista Onde histórias criam vida. Descubra agora