Conversa à meia noite ( parte 1 )

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Meia noite...
- Você pretende ir?
Me sentei em sobressalto na cama. Sef estava de pé, perto o suficiente para que eu discernisse seu rosto na lua crescente e longe o bastante para que eu visse ele de corpo inteiro. Ainda não era meia noite, faltavam umas duas horas e eu estava rolando naquela cama sem me decidir sobre o que eu faria.
- Não sei...
Eu já imaginava que Sef teria escutado, esperava que ele me dissesse algo, desse alguma ideia, mas ele estava imóvel naquilo, muito estático. Decidi apelar um pouco.
- O que eu faço?
Me arrastei na cama para ficar mais perto dele, como as crianças fazem quando os pais vão sair do quarto as deixando sós para dormir. Sef respirou, expirou e finalmente sentou. Ele tinha estado distante demais desde que saímos daquele prédio pensionato e eu me senti só. Só ao ponto de me permitir emocionar com olhos familiares.
- Talvez devesse ir.
- Eu poderia mentir. Dizer que dormi.
Mentir era algo que eu tinha aprendido naquele plano. Mentir, fingir, atuar, lutar, sangrar e ferir.
- Eu posso ir também.
- Sim! Ele não me disse para ir só.
Segurei a mão que Sef usava para se apoiar na cama.
- Não quero ir só.
Eu queria dizer que não queria ficar só, mas me contive, me deixar ainda mais vulnerável...
- Tudo bem. Qualquer ameaça e você pode usar o favor que Titania está te devendo.
A aposta!
- Mas... Não ia querer usar para...
Ele não fechou os olhos como eu esperava que o fizesse, não suspirou e não se afastou.
- Se for preciso não hesite. Eu estarei do seu lado.
Apoio maior que aquele era impossível. Ao menos era o que eu achava. Acenei e senti o aperto suave em minhas mãos. Naquele instante poderiam vir feras, errantes e wendigos, eu não teria medo. O que veio foi outra coisa.

Meia noite e estávamos em baixo, as flores das árvores pareciam brilhar. Sef estava bem do meu lado, sentia o calor de seu braço passar para o meu. Braço que tinha começado a doer, principalmente o ombro, de um jeito estranho. Eu passava o peso do corpo de um pé para o outro durante a espera. Paciência era uma virtude que não pertencia a mim.
Eu estava ao ponto de desistir e chamar Sef para subir, mas ele segurou meus ombros, como se soubesse exatamente o que eu pensava, e me manteve no lugar de um jeito calmo.
Adrian apareceu três segundos e fechou uma porta distante, o barulho ecoou pela sala ampla como a voz de Sef tinha o feito naquela festa de lua de sangue. Os passos dele foram silenciosos e vagarosos. Percebi que ele tinha trocado de novo, não era o gentil. O assustador vinha até nós com olhar pesado, ombros relaxados e seriedade no rosto. Engoli em seco. Queria que ele tivesse me chamado para dizer que queria falar sobre sermos mestiços ou que era uma pena eu estar com Sef. Que tola eu era.
As roupas dele tinham mudado, reparei quando ele estava mais perto, os tecidos finos e as cores suaves tinham sido substituídas por um verde escuro e claramente grosso. Os olhos já não lembravam estrelas, não tinha mais nenhuma lembrança de Ryan ali. Não sabia se ficava feliz ou triste por isso. Ele parou a pouco mais de um metro e olhou para Sef mais atrás de mim.
- Trouxe o companheiro, então?
A voz era fria. Não sabia como lidar com tanto dualismo em uma única pessoa, a presença de Sef se tornou mais confortadora que eu esperava.
- Por que me chamou?
Tomei voz antes que ela se tornasse inalcançável, Adrian-frio olhou para mim como se eu fosse um gato passando por seus pés e ele odiasse isso.
- Tenho perguntas a fazer. Não esperava que eu recebesse completos estranhos em minha casa sem ter satisfações.
Ele contraiu a boca em um sorriso sinistro.
- Então, talvez devêssemos nos retirar. Não vou responder perguntas invasivas a um estranho.
Perguntas era do que eu menos precisava, já tinha muitas a serem respondidas. Olhei para Sef em busca de apoio, quando olhei para o lado vi uma figura vermelha descer as escadas.
- Parece que eu terei mesmo que participar disso. Teria sido melhor para vocês se tivessem escolhido o jeito mais fácil.
Titania desfilava em um vestido de seda vermelho que flutuava ao redor de seu corpo. Fiquei vermelha só de olhar para ela. Senti uma mão em meu ombro e me aliviei ao ver que era Sef.
- Vamos embora, Titania. Não queremos problemas.
Ela parou.
- Não vão.
Em um segundo eu tinha sido levada para longe, não sentia o chão e minha garganta estava sendo apertada por Adrian. Tudo ficou embaçado, mas enxerguei Sef se transformar no grande lobo preto.

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