Cadáver de Sangue I

Capítulo LIV - A Lagoa das Mágoas/ Parte 1

" Luciana: E o mundo caiu e como se fosse uma bola de papel amassado, pegando fogo, se tornou cinzas..."

Fomos praticamente cuspidas no chão, lançadas através daquele buraco para outro tempo do mundo, sinistro. Eu me sentia atônita, ouvia-se muitos gritos ao meu redor, a mão da Jennifer ainda estava segurando a minha, foi a única sensação tranquilizante que eu tinha naquele momento de desespero.
Levantei a cabeça e olhei o que estava acontecendo em volta, tinham lévoas e multidões de pessoas gritando e correndo. Uns homens com barras de ferro e armas gritando palavras de ordem e atirando em pessoas, outros pondo fogo em casas e o que pareciam ser lojas. Estava de noite e chuviscando, eu não fazia ideia do que estava acontecendo, parecia até uma guerra de militares esquisitos contra rebeldes mais esquisitos ainda. Jennifer começou a se levantar do chão, eu levantei também, e foi só nesse momento que eu percebi que estava usando um vestido gótico e velho, que parecia ser daqueles tempos de princesa, barão e baronesa, sei lá. Era tudo muito estranho, o vestido era todo preto e com espartilho apertado demais, aquilo me sufocava. Jennifer não estava muito diferente de mim. Estava trajando um vestido também gótico, porém com alguns adereços diversificados. O vestido dela parecia ser vermelho com um sobretudo preto por cima, estava muito escuro o lugar onde nós estávamos não dava para ver direito.
Jennifer me puxou pra fora daquele lugar, pra rua, foi então que percebi que antes estávamos dentro de um beco, e que tudo indicava que não estávamos no nosso tempo. Não havia prédios, se isso onde estávamos era uma cidade era bem antiga. As casas pareciam de construções muito antigas e as pessoas... Com aquelas roupas estranhas cheias de espartilhos botas e sei lá mais o que.
- O que é isso a ditadura militar do Brasil? - Perguntei me referindo à guerra dos rebeldes contra os militares e Jennifer negou com a cabeça parando de correr para olhar em volta, tinham diversas mulheres com vestidos tão antigos quanto os que eu e Jennifer estávamos usando, correndo desesperadas pelas ruas, com bebês no colo e segurando mãozinhas pequenas de crianças que provavelmente eram seus filhos. Elas estavam fugindo da confusão que havia lá atrás, diversos tiroteios e fogo pra todo lado, casas em chamas, sangue e corpos espalhados no chão, só dava pra ouvir gritos pra todo lado, policiais e militares sobre cavalos e com armas, Jennifer não soltava a minha mão, e eu estava morrendo de medo que solta-se.
- Acho que não, o brasileiros são pessoas pacíficas, não saem criando guerras, e aliás o que o Vlad estaria fazendo no Brasil? Ele nunca saiu da América. - Respondeu ela, então essas memórias são do Vlad? Caramba, quantos anos ele tem? Me perguntei abismada, mas não tive muito tempo pra pensar sobre o assunto, Jennifer apertou forte a minha mão quando um grupo de militares passou por nós correndo desenfreados, quase nos derrubaram e nem sequer pararam, estavam indo para o outro lado da rua de paralelepípedos para atirar em outra lévoa de rebeldes. - Acho que estamos no século dezenove. - Gritou Jennifer pra mim tentando falar mais alto que o barulho dos tiros e das gritarias das pessoas.
- Precisamos sair daqui! - Gritei de volta pra Jennifer e pensei que ela não tinha ouvido, ela estava olhando em volta atentamente, mas então ela olhou pra mim e assentiu apontando para um pier velho pouco a frente de nós.

Lá havia um barco, não era muito pequeno, mas também não era muito grande, e parecia bem velho também, não se parecia nada com os barcos do século XXI, desatamos a correr até o pier e quase caimos no chão ao tomar um susto, alguém tinha explodido um armazém a cinco metros de distância de nós, cacos de vidro voaram e mais gritos foram auditiveis, Jennifer me puxou pelo braço para ficarmos mais próximas e fomos para o barco que, pelo que aparentava, estava vazio. Com pressa entramos e soltamos a corda, as velas, tudo que sabíamos que precisava ser feito fizemos e então conseguimos nos afastar da confusão. O barco foi puxado pelo vento por causa das velas e em questão de meia hora já estávamos a quilômetros de distância daquela loucura.

A calmaria de estar naquele barco vazio, no meio do mar, dava a impressão de que nunca estivemos naquela rua de paralelepípedos, no meio de tudo aquilo que estava acontecendo. Agora eu estava apoiada na beira do barco, sentada no chão de madeira do convés sujo, olhando para o mar, para a água, com medo de que algum tubarão aparecesse. É, agora eu tinha esse receio. Jennifer estava do meu lado, fitando o movimento das ondas. Nenhuma de nós duas abrimos a boca para falar nada em nenhum momento desde que subimos no barco, pelo menos até agora.
- Jennifer, quantos anos o Vlad tem? - Perguntei curiosa quebrando o silêncio, eu havia parado de olhar o mar, o receio de que um possível tubarão se materializasse ali no meio da água era aterrador.
- Quantos anos você acha que ele tem? - Perguntou ela segurando a risada, e eu encolhi os ombros, eu não estava com frio, mas mesmo assim estremeci com a brisa da noite, que aliás estava livre de chuva, os chuviscos cessaram.
- Eu pensava que ele tinha 26. - Respondi e ela deu risada.
- Ele tinha 26 quando foi transformado em vampiro. - Disse ela parando de olhar pro mar e se voltando pra mim - Nos dias de hoje ele está com 237. - Assim que ela disse a quantidade eu arregalei os olhos perplexa, o Vlad é um velho! Dei risada com o pensamento.
- E você? - Perguntei a ela me referindo a idade e ela abriu um sorriso.
- Eu tenho apenas 25, fui mordida com dezesseis anos pelo meu irmão mais velho. - Afirmou e então passou os dedos sobre o crusifixo que estava no colar que ela estava usando. Ela não estava com esse colar quando estávamos lá na praia, ele deve ter surgido quando viemos pra essa época. Pensando bem, eu também estava com um colar, mas era de pedrinhas da cor salmão. - E você?
- Eu tinha 19 quando fui transformada em vampira e atualmente estou com 22 anos. - Falei e eu ia perguntar sobre quem era o irmão da Jennifer na alcatéia, mas não tive tempo. Um barulho de vidro quebrando foi auditível vindo do casco, da parte de baixo do barco, onde ficava algumas máquinas e comida. O pior é que tínhamos conferido se não havia ninguém dentro do barco, então... Quem pode ter feito esse barulho?

Vestido da Jennifer

Vestido da Lucy