Capítulo 36 - Vivian

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Vivian

Eu era realmente uma mentirosa. Suja, hipócrita e mentirosa! Eu disse que ia parar com aquilo, mas quando eu tinha o dinheiro na mão, mesmo me sentindo daquela forma, me convencia de que era o preço a ser pago.

Porém, não era só pelo dinheiro, aquilo havia sido o motivo que eu acreditava que era o principal, mas na verdade, eu acreditava que merecia aquilo, toda aquela dor, aquela tristeza e desprezo, eu merecia porque me convencia todos os dias que eu era uma pessoa ruim, que chegaria um dia em que terminaria como a minha mãe, ou pior, com um final horrível.

E naquele dia, o meu final horrível, chegaria.

Depois de certos encontros com alguns rapazes, não tinha um final de semana que eu ficava em casa à noite, até durante a semana tinha alguém querendo a minha companhia, eu poderia escolher a dedo com quem eu queria passar, talvez para as pessoas lá fora eu parecia ser uma pessoa poderosa, mas dentro de mim, me sentia fraca e frágil, logo eu ia acabar quebrando e me cortando sem querer.

Eu limpava o balcão do bar, e o tal obreiro da igreja que minha irmã havia voltado a ir estava sentado tomando o café, enquanto lia um livro que eu não conseguia ver o título. Estava com os óculos e seu rosto parecia mais sério do que o normal, vez ou outra eu lançava lhe um olhar, talvez ele sentisse que eu o estava encarando, mas não retribuía, apenas quando pediu a conta, que se obrigou a me encarar.

Fiz as contas e informei o valor, enquanto ele abria a carteira para tirar o dinheiro, ele soltou:

-Fico feliz que sua irmã esteja se envolvendo com as coisas de Deus, novamente.

-Eu também.

Ficamos em silencio, eu queria conversar mais com ele, mas não sabia como iniciar uma conversa, ele parecia ser uma pessoa tão correta, um homem de caráter e feliz de verdade, nem como amiga ele deveria ter alguém como eu.

Ele me entregou o dinheiro e se despediu de mim, enquanto eu me dirigia a caixa registradora, desdobrei a nota de cinco reais e um papel pequeno retangular caiu, certamente havia vindo junto com a nota sem querer, me agachei para pegar e li o que estava escrito:

"Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são". 1 Coríntios 1:27,28.

Continuei agachada ali olhando para aquelas palavras... Imediatamente senti meus olhos se encherem de água, como Deus poderia me escolher, quando eu mesma se tivesse a opção, não me escolheria?

Meu celular vibrou em cima do balcão e eu me levantei. Na mensagem, um dos rapazes dizia ter um amigo que estava muito interessado em me conhecer. Sequei as lágrimas e guardei aquele pequeno papel dentro da capinha do meu celular, enquanto respondia que aceitava o encontro.

***

Me arrumei e fui para o local determinado. O nome do rapaz era Leonardo e o hotel que nos encontraríamos era do outro lado da ponte, no centro da cidade. Era um hotel chique e quando cheguei e falei meu nome na recepção fui informada de que ele já estava no quarto a minha espera.

Entrei no elevador apreensiva, não sabia o porque de estar tão nervosa naquela noite, tinha a sensação de que havia alguma coisa errada, um frio percorria a minha espinha, e meu celular brilhou notificando uma nova mensagem.

"Quando você chegar, pode entrar no quarto, estou no banheiro". Era de Leonardo. Respirei fundo e fui até o apartamento vinte e abri a porta. Entrei, mas não tranquei a porta, caso acontecesse alguma coisa que fugisse do meu controle.

Coloquei a bolsa em cima da bancada, ajeitei o vestido em meu corpo e tentei esboçar o meu melhor sorriso, fui andando lentamente até o quarto.

-Leo? -O chamei. -Acabei de chegar, falei me dirigindo a cama, enquanto observava as decorações que havia no quarto.

Eu olhava atentamente um quadro que estava pendurado na cabeceira da cama quando sua voz chegou atrás de mim:

-Eu realmente esperava que não estivesse certo nas minhas suspeitas. -Meu coração disparou e a minha garganta secou ao ouvir a voz de Wesley. -Mas o que mais eu poderia esperar de uma mulher como você?

Com o resto de coragem que eu ainda possuía, me virei e encarei meu ex-marido.

-De verdade, Vivi. Quando me falaram eu custei a acreditar, até te defendi, sei que você não é a melhor pessoa da face da terra, mas acreditava fielmente que você nunca se rebaixaria a tal ponto, vender o próprio corpo em troca de dinheiro. -Ele deu alguns passos se aproximando de mim e eu recuei, batendo as costas contra o pequeno freezer que tinha no quarto. -O que aconteceu com a Vivian que eu conheci? Que tivemos um filho juntos? Como ela se perdeu?

-O que você vai fazer comigo? -Senti meus olhos se encherem de água, como eu pude ser tão idiota a ponto de ser enganada daquela forma? Como pude ser tão idiota de achar que o Wesley não descobriria? Ele sempre sabia. Cada passo meu, mesmo que não estivesse mais juntos, ele sabia.

Ele ficou na minha frente e levou sua mão até o meu rosto, tirando uma mecha de cabelo que caia em meus olhos e começou a acariciar a minha bochecha. Para quem visse de fora, parecia até que ele estava demonstrando algum tipo de carinho, mas eu sabia, eu o conhecia, tantos anos de maus tratos, sabia que aquilo era só uma forma de recompensar a dor que ele me faria sentir a seguir. Fechei os olhos e esperei, o tapa, o soco, o chute ou sei lá o quê. Meu corpo começou a tremer, eu tinha medo dele, tinha medo que chegasse o ponto em que ele me mataria.

Mas nunca, ele sabia até que ponto poderia chegar e por mais que eu desejasse a morte para sair daquele inferno de vida, ela não vinha.

-Oh, meu amor. Não precisa ter medo. -Ele me envolveu com os seus braços e eu comecei a soluçar indefesa, eu não tinha mais forças, cada soluço era implorando que ele acabasse com tudo e que eu não sentisse mais nenhuma dor. -Eu não vou te machucar. -Wesley beijou o topo da minha cabeça e começou a cariciar meus cabelos. -Isso seria pouco, machucar você fisicamente? Entendo que eu estaria te fazendo um favor, porque nessa vida que você está levando, eu sei, Vivian que você quer ser punida, você acredita que merece o tapa na cara que eu quero te dar, que merece o meu desprezo, mas você merece coisa muito pior.

Levantei o rosto para poder encara-lo, minha maquiagem já deveria estar totalmente borrada por conta das lágrimas.

-Obrigado por se auto destruir. -Ele sorriu. -Finalmente tenho motivos suficientes para fazer com que você perca a guarda do seu filho.

Meu estômago se revirou e um grito morreu na minha garganta.

-Não... -Minha voz saiu rouca. -Wesley, faça qualquer coisa, mas, por favor, não me impeça de ver meu filho! -Gritei desesperada.

-Deveria ter pensado nisso antes de se enfiar nesse caminho! -Ele tentou se soltar, mas minhas unhas estavam fincadas em seu braço.

-Wesley, você não entende! -Eu balbuciava as palavras. -O Ricardo é a única coisa que ainda me faz continuar! -Ele conseguiu se soltar de mim, mas eu não desisti, em prantos, acabei indo até o chão e ficando de joelhos na sua frente. -Por favor... -Eu implorava.

-Desculpa, Vivian. -Ele falou, mas não tinha nenhum remorso na sua voz, pelo contrário, parecia até estar sentindo prazer ao me ver naquele estado, ali aos seus pés, implorando por uma segunda chance, pois tudo que eu tinha estava em suas mãos.

Comecei a chorar e gritar, mas Wesley acabou me deixando ali no quarto sozinha, sentia como se a única parte viva de mim, morresse naquele instante. Depois de quase vinte minutos ali jogada, me levantei e fui até o banheiro onde tinha algumas lâminas de barbear para o uso de higiene do cliente. Peguei e sem pensar duas vezes cortei o meu pulso.

Não lembro o que aconteceu em seguida, apenas senti o chão gelado contra o meu rosto do banheiro.

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