Capítulo 4 - Saulo

298 39 3
                                    

Saulo

Meu estômago doeu e eu sabia que era de fome, mas como das outras milhares de vezes, eu o ignorei.

Eu estava ficando bom naquilo. Tentei fechar os olhos para dormir novamente, pelo menos enquando estava dormindo eu não sentia tanta fome, mas naquele momento não consegui. Me levantei e vi que já era a hora de ir para o treino, pelo menos, alguma coisa eu poderia fazer para fugir daquilo tudo.

-Filho! -Minha mãe sorriu para mim. -Bom dia, fiz mingau para tomar. -Ela colocou a tigela na minha frente, minha barriga se agitou sinalizando que não via a hora em que eu colocasse aquilo para dentro.

Olhei para a senhora que estava a minha frente. A mulher que estava aguentando tudo sem reclamar parecia cansada e seu físico magro.

-Sabe, mãe. Acordei enjoado hoje. -Empurrei a tigela para longe de mim.

-Então eu vou guardar para mais tarde...

-Não, mãe. Coma, eu vou dar um jeito.

Minha mãe fechou os olhos querendo chorar:

-Como eu queria poder trabalhar para te dar as coisas... Mas esse meu corpo inútil e podre... Só sirvo para dar trabalho e morrer!

-Não fala isso! -A olhei horrorizado, eu não poderia sequer pensar em perde-la. -Eu vou dar um jeito, a senhora vai ver. -Sorri confiante e ela começou a tossir, quando parecia que não tinha mais ar em seus pulmões, ela olhou para mim.

Quem olhasse para minha mãe, jamais diria que ela tinha apenas trinta e oito anos, ali magra, pálida e com os olhos fundos, parecia ter envelhecido cinco anos.

Dei um beijo em sua testa fria, peguei minha mochila e caminhei até o campo aonde seria o treino, meus pensamentos voavam, me lembrava do dia em que o médico havia dado o diagnóstico daquela doença... Eu precisava de dinheiro, precisava dar um jeito em nossas vidas.

-E aí, campeão! -Lucas me abraçou. -Trouxe café da manhã para nós. -Sentamos no vestiário e começamos a comer. Lucas não tinha como saber que eu não me alimentava por algum tempo, ele como meu amigo, sabia que a situação em casa não era fácil, mas nada tão angustiante que eu contasse.

-Tá sabendo da novidade? -Ele falou enquanto eu bebia o café e meu estômago finalmente se acalmava. -Teremos um jogo em que virão olheiros, certamente irão escolher alguns de nós para começar a investir.

Olhei para ele desacreditado.

-Investir para um time de verdade?

Meu coração se agitou já imaginando como seria quando eu fosse um jogador profissional. Todos me amariam, eu teria dinheiro e pessoas, minha mãe ficaria bem.

-Isso! Então hoje nós temos que dar o nosso sangue nesse treino. -Ele limpou a boca com as costas da mão. -Não serão todos do time que vai jogar amanhã, apenas os que mandarem pra valer hoje.

-Pra você não vai ser difícil... -Joguei os papéis e os copos usados no lixo. -Você deu um banho nos cara semana passada!

Lucas olhou para os lados se certificando que não havia mais ninguém ali e me levou até o banheiro:

-Preciso te mostrar uma coisa, mas não pode contar para ninguém. -Ele sussurrou, muito próximo de mim.

-Tá me estranhando, é menor? -Olhei desconfiado para ele e Lucas me deu um soco de leve no ombro. -Aí!

-Você é lindão, mas não é pra tanto. -Ele brincou e tirou do bolso alguns comprimidos.

-Mas que bagulho é esse?

O CAMINHOOnde histórias criam vida. Descubra agora