Henrique
Acordei pela manhã tentando continuar com o meu bom humor o máximo possível, minha irmã ainda estava em nossa casa e eu fazia o possível e o impossível para evita-la e não ter motivos para discutirmos. Por isso, além do trabalho, eu passava horas fora de casa por conta da igreja, saía pela manhã um pouco depois da minha mãe e quando chegava ambas já estavam dormindo.
Eu esquentava o leite para misturar no café quando a minha mãe apareceu na cozinha.
-Bom dia, Rick! -Ela pegou um pão e começou a corta-lo rapidamente.
-Mãe? Achei que a senhora já tinha ido trabalhar.
-Acordei atrasada hoje, mas tudo bem... -Assim que ela terminou de falar, minha mãe começou a tossir. No começo, acreditei que era uma tosse normal, mas ela não parava, pelo contrário, a tosse da minha parecia piorar. Ela ficou pálida e o ar pareceu fugir de seus pulmões, me aproximei rapidamente:
-Mãe! -Aos poucos ela foi se acalmando e eu a ajudei a se sentar, Helena apareceu na cozinha, certamente havia sido acordada pela crise de tosse que a minha mãe havia tido, ela pegou um copo com água e ajudou a nossa mãe a beber.
-Mãe, a senhora está bem? -Perguntei, mas era obvio que ela não estava.
-Estou sim, filho. Foi só uma tosse, nada demais. -Ela pegou a bolsa que estava em cima da mesa e se colocou de pé, ainda com dificuldade.
-A senhora não vai tomar café-da-manhã? -Helena perguntou.
-Estou sem fome e estou atrasada para o trabalho, lá na casa da dona Élea eu tomo um cafezinho.
-Mãe, não era melhor ficar em casa e descansar?
-Filho, você sabe que não dá. Temos contas para pagar, precisamos ajudar sua irmã, e principalmente juntar dinheiro para pagar a fiança do Heitor. -Ela sorriu tentando parecer bem, beijou o topo da minha cabeça e a de Helena, e saiu.
Me levantei e fui colocar o leite na xicara quando a voz de Helena veio até mim:
-Você sabe que a nossa mão não está bem, não sabe? -Me virei para olhar em seus olhos. -Já faz uns dias que ela está assim...
-Uns dias? -Perguntei preocupado.
-Bem, desde quando eu cheguei aqui ela tem essas crises de tosse e falta de ar, acho que ela tinha isso antes mesmo de eu chegar aqui... -Observando a minha cara de surpreso, Helena franziu as sobrancelhas louras. -Você nunca percebeu nada?
-Eu não...
-Henrique! Você mora com ela! -Ela não gritava, mas a urgência em sua voz era notável. -Como você pode viver com a nossa mãe e não cuidar dela?
-Mas eu cuido, ao contrário de vocês! -Eu sabia que estava sendo ruim, mas era verdade!
-O que você tá falando? Acha que eu não gostaria de cuidar da mulher que deu a vida para mim? -Ela parecia magoada. -Eu faria isso com o maior prazer, mas você sabe que não basta ter apenas a intenção, eu preciso mudar de vida primeiro! -Fiquei em silêncio. -Ela ainda é a minha mãe, Rick. Ela ainda é a mãe do Heitor, você pode não aceitar isso porque nós dois não somos perfeitos, mas você também pelo visto não é.
-Helena, desculpa, eu não...
-Tudo bem, quem sou eu para julgar você? -Ela respirou fundo e amarrou os cabelos em um coque frouxo. -Você vai levar a mãe no hospital quando? Amanhã?
-Amanhã eu vou ter uma evangelização com os jovens, não vai dar.
-Quarta-feira?
-Eu fico o dia inteiro na igreja...
-Deixa quieto, nem vou perguntar na quinta-feira, certamente você tem alguma coisa para fazer na igreja.
-Helena...
-Henrique! Você tem tanto tempo para esses jovens que você mal conhece, e não tem tempo para a sua mãe! Ela pode estar morrendo dentro da sua casa e você nem ia perceber! -Ela bateu a porta com força e voltou para o seu quarto.
Aquelas palavras da minha irmã não me deixaram em paz em nenhum momento, porque ela tinha razão.
Esperei minha mãe chegar do trabalho, e pedi para que ela se sentasse na mesa junto comigo. Enquanto eu aguardava ela jantar, comecei a perceber coisas que eu não notava. O quanto seu apetite havia diminuído, ela parecia mais cansada do que o normal, e suas falas eram mais curtas, como se tivesse pouco ar em seus pulmões.
-Mãe, como a senhora está?
-Eu estou bem, Rick.
-Não, mãe. Seja sincera. E aquelas tosses?
-Já faz um tempinho que está assim, principalmente de manhã acaba sendo mais difícil.
-Nós vamos no médico, mãe. Isso não é normal.
-Nossa, meu filho cuidando de mim, que bonitinho! -Ela sorriu, mas aquilo me machucou. Ela não conseguia ver o meu cuidado para com ela, porque eu não tinha nenhum.
Respirei fundo e a abracei, uma sensação ruim queria tomar conta de mim, mas eu afastei aqueles pensamentos.
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O CAMINHO
SpiritualA vida de Henrique virou de cabeça para baixo, quando sua mãe contraiu diversas dívidas para tentar tirar seu irmão, Heitor do mundo do crime e das drogas. Agora ele se depara em morar em uma comunidade do outro lado da Ponte do Silêncio em um barra...