Capítulo 61 - Heitor

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Heitor

O dia estava abafado e dentro da cela era pior com todos aqueles rapazes. Achei que com o tempo me acostumaria, mas cada dia que se arrastava era pior.
A única coisa que ainda me animava eram os dias de vista, em que a minha mãe vinha me visitar.
Foi quando passou um, dois, três dias de visitas e ninguém veio.
Eu já estava aceitando a ideia de todo mundo desistir de mim, mas ter a minha mãe ainda me visitando me ajudava a não enlouquecer. E mesmo que eu não demonstrasse, cada dia que eu via o seu sorriso, por mais que eu me fizesse de duro, eu agradecida por ela não ter desistido de mim.
Até mesmo a minha ex mulher, que morava comigo e estava grávida havia parado de me visitar.
Quando os presos começaram a ser animar com o dia da visita, eu simplesmente me sentei no canto da cela e fiquei de olhos fechados tentando não chorar.
Ninguém mais me queria por perto, nem eu mesmo estava me suportando. Se a minha mãe havia desistido de mim, quem iria querer me ajudar?
A cela aos poucos foi esvaziando até que só restou eu e mais dois presos que nunca recebiam visitas. Foi quando um dos policiais apareceu e bateu na grade:
-Bora 764, você tem visita.
-Eu? -O olhei surpreso.
-Pois é.
Me levantei em um pulo e foi impossível não sorrir. Talvez minha mãe não tivesse desistido de mim e aqueles dias que ela não havia ido tinha alguma explicação, talvez muito trabalho, ou algo do tipo.
Atravessei a porta da sala de visita quase saltando, mas franzi as sobrancelhas quando percebi que quem havia ido me visitar não era a minha mãe.
-Henrique? -Minha voz soou incrédula.
Meu irmão se virou para mim e se colocou de pé. Henrique era mais alto que eu, mesmo sendo o irmão mais novo. Fazia muito tempo que eu não o via, desde quando havia sido preso, meu irmão se recusava a ir me visitar. Ele se aproximou de mim e pude ver bolsas de cansaço embaixo de seus olhos. Henrique sempre havia transmitido uma paz, e ali ele parecia tão estranho e diferente.
Meu coração se apertou, eu sabia que tinha alguma coisa errada.
-O que aconteceu? Cadê a mamãe? -Perguntei ansioso.
-Heitor, quanto tempo... -Ele me analisou de cima a baixo. -Está mais magro.
-É, não posso dizer que levo uma vida de príncipe aqui dentro. -Ele abriu a boca para falar, mas levantei a mão o impedindo. -E por favor, não fala que eu tô colhendo aquilo que eu plantei, não preciso do filho perfeito apontar todos os erros em mim. Se veio para me humilhar, de verdade, poderia só ter ligado, minha vida já é ruim o bastante por si só.
Seus olhos claros vacilaram por um momento. Certeza que aquelas palavras machucavam meu irmão, mas eu estava magoado demais, machucado demais e cansado demais.
-Diga logo o que você veio fazer aqui.
-É melhor você se sentar. -Eu relutei para se sentar, mas meu irmão não me deu opção, ele se sentou e passou as mãos pelos cabelos.
-Aconteceu alguma coisa, não foi? -Henrique não me encarava. -Rick, pelo amor de Deus! -Senti a garganta se fechar, aquele sentimento ruim aumentava cada vez mais.
Henrique se inclinou, colocou uma das mãos sobre meu ombro e me encarou, seus olhos estavam escuros:
-A mãe faleceu, meu irmão.
Nós ficamos se encarando. Um silêncio surgiu entre nós e eu franzi as sobrancelhas:
-Como é?
Henrique repetiu mais uma vez e dessa vez explicou o que havia acontecido, mas suas palavras não faziam sentido algum.
-Você só pode estar brincando... -Falei baixinho.
-Mais do que todo mundo eu queria que fosse brincadeira. -Ele fez um gesto para me abraçar, mas eu o afastei. -Heitor, pelo amor de Deus...
-Pelo amor de Deus nada! -Gritei alterado, chutei a cadeira que eu estava sentado fazendo maior barulho no lugar. -A única pessoa que acreditava em mim morreu! -Cada vez mais minha voz de elevava, parecia rasgar a minha garganta.
-Eu sei que é difícil, mas você precisa se acalmar, Deus sabe de todas as coisas!
-Não! -Fui até ele e peguei pela gola de sua camiseta o jogando contra a parece e o levantando do chão. -Deus não sabe de nada! -Minha visão estava embaçada. -Se Ele soubesse, então não teria levado ela! Era mais fácil ter me levado!
O policial entrou na sala assustado com os gritos e barulhos, mas quando se aproximou para nos separar, Henrique levantou uma das mãos:
-Pode deixar, está tudo bem. -Ele colocou as mãos sobre as minhas, abriu a boca para falar, mas eu o cortei.
-Nem você parece acreditar que foi a vontade de Deus.
O rosto do meu irmão endureceu e a força que sempre havia existido nele pareceu se acender novamente.
-Nunca mais repita isso, eu creio que tudo que acontecesse é com a permissão de Deus, nenhuma folha cai sem a permissão dele. Eu posso não entender, mas eu acredito nisso.
-Ela era a única pessoa que acreditava em mim... -Sussurrei soltando sua gola.
-Não, eu ainda acredito. -Ele apertou a minha mão e me puxou para um abraço. -E mesmo se um dia eu deixar de acreditar, você não está sozinho. Deus acredita em você, mesmo que você não acredite nEle.
Nós dois nos abraçamos e choramos. Ninguém precisou pedir desculpas para ninguém, uma coisa improvável de se acontecer ali estava.
-Você sabe que o que mais a nossa mãe queria era que a gente voltasse a ser falar? Ela precisou morrer, Rick! Como somos cabeças duras!
-Deus sabe de todas as coisas.

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