Capítulo 7 - Daniel

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Daniel

A reunião havia terminado e eu estava indo embora quando o pastor Samuel me chamou. Pensei em fingir que eu não havia escutado, mas não tive muita opção, ele me chamou novamente, ainda mais alto e dona Matilde me cutucou:

-O pastor tá te chamando, rapaz.

Sem opções me virei e olhei para o pastor Samuel que acenava freneticamente ao lado do novo obreiro para que eu fosse me juntar a eles. Tentei me lembrar do nome do novo obreiro, o pastor havia até mesmo o apresentado na reunião, mas com a cabeça tão cheia de pensamentos eu não conseguia me lembrar.

Na verdade, eu não conseguia me lembrar de quase nada do que o pastor havia falado durante toda a reunião.

-Daniel! -O pastor sorriu e eu sorri. Estava acostumado a dar aquele meu sorriso.

-Sim, senhor.

-Quero que conheça o obreiro Henrique! -Ele me estendeu a mão em um cumprimento. -Adivinha só, Deus escutou minhas orações! Ele vai me ajudar, é o novo líder do grupo jovem da nossa igreja.

-Sério? -Tentei parecer feliz, mas falhei. Forcei novamente. -Que legal!

-Eu tenho plena certeza que vocês vão arrebentar! -O pastor falava animado, seus olhos brilhavam de felicidade. -Sabe, obreiro, o senhor tem um rapaz ótimo nas mãos do senhor, o Daniel me ajuda em tudo, sempre disposto a fazer e ajudar! Vai ser como o braço direito do senhor!

-Que ótimo saber disso, vamos arrebentar! -Ele sorriu para mim. -Amanhã poderíamos ir evangelizar.

-Amanhã? -Perguntei arqueando as sobrancelhas.

-Precisamos trabalhar o quanto antes. Sábado agora eu já planejo fazer o primeiro Encontro Jovem aqui na nossa igreja. O diabo não perde tempo, então não podemos perder.

-Mas... Amanhã tem limpeza da igreja... -Tentei disfarçar.

-Não tem problema, Daniel! -O pastor Samuel sorriu. -Eu posso limpar tudo sozinho, vão! Encham essa igreja de jovens.

-Sim, senhor. -Concordei ser ter muito o que fazer.

***

Já andávamos durante duas horas sem parar embaixo de um sol que parecia torrar a minha cabeça.

Minhas pernas reclamavam de cansaço e meu rosto estava suado me obrigando a todo momento ajeitar meu óculos que escorregava pelo meu nariz.

-Graças a Deus que a pbreira da sede nos deu essas cartas. -O obreiro falou enquanto nós dois segurávamos alguns envelopes amarelos. -Tenho certeza que a gente espalhando essas cartas pela vila, jovens vão abrir e ver que existem pessoas que acreditam nele!

Fiquei em silêncio, mas nos meus pensamentos eu achava aquilo meio inútil. Quem que estava a ponto de se matar iria pegar uma carta na rua e isso o impediria?

Claro, eu achava a carta muito bonita. O envelope amarelo se destacava onde quer que a gente colocasse, dentro uma pequena frase motivacional, o número de telefone do obreiro caso alguém quisesse conversar e o endereço da igreja.

Mas ainda assim, eu sabia que aquilo não funcionaria. Eu tinha cinco anos de igreja, eu me lembrava como era o grupo jovem antigamente daquela vila, cinco jovens, e de todos eles o único que ficou foi eu.

Depois a igreja havia sido tirada e agora o pastor Samuel tentava novamente levanta-la.

Respirei fundo quando finalmente o obreiro parou em frente a Ponte do Silêncio, nunca estive tão feliz em andar e chegar até ali, isso mostrava que havíamos percorrido boa parte da Vila.

-A ponte que liga a cidade e aqui. -O obreiro sorriu.

-A Ponte do Silêncio. -Falei.

-Essa é a Ponte? -Ele olhou para mim.

-Sim... O senhor conhece?

-Já ouvi falar sobre ela, que pessoas se suicidam aqui.

-Não só se suicidam, são mortas aqui também. -Falei me aproximando do obreiro que se apoiava na grade de proteção e observava as águas turvas do rio abaixo.

-Parece ser fundo.

-E é.

Ele se agachou e começou a prender uma das cartas no ferro.

-O que o senhor está fazendo?

-Aqui é o último lugar que essas pessoas vem, nada mais justo que mostrar pra elas que ainda existe solução, nem que seja apenas uma carta, para quem está pensando em se matar, uma palavra faz toda a diferença. -Ele se ajoelhou e colocou as mãos no chão fechando os olhos. -Senhor, esse é o melhor lugar para se manifestar. Assim como o profeta estava diante do vale de ossos secos, aqui temos um vale de almas secas, venha saciar a sede dessas pessoas, nos use, Senhor. Amém!

-Amém. -Falei concordando, mesmo sabendo que no fundo eu acreditava que aquilo não iria dar em nada.

Voltamos para casa, o obreiro super animado com o Encontro de sábado, e eu na minha, não tendo certeza se realmente daria certo aquele novo caminho que estava sendo colocado diante de mim.

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