Capítulo 64 - Renato

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Renato

Quando finamente eu fui liberado do hospital, fui a igreja. Eu tinha muitas papeladas na polícia para serem preenchidas. Pude pagar a fiança, mas iria ter que fazer trabalhos voluntários e começar a fazer um acompanhamento no psiquiatra. Também não podia nem sonhar em chegar perto novamente da minha ex namorada, eu tinha uma ordem judicial que tinha que respeitar a distância entre nós dois.
Minhas redes sociais se tornaram um poço de ódio. Todas as pessoas conhecidas e outras que só tinham tido conhecimento do ocorrido vinham até o meu perfil e deixavam textos enormes cheio de ódio em relação a mim. Umas diziam que eu deveria ter morrido no acidente, que eu não merecia uma segunda chance.
Era perigoso até mesmo sair na rua sozinho. Eu recebia ligações com ameaças de morte.
Exclui todas as redes sociais, troquei de número de telefone e os únicos lugares que eu ia era a igreja e para o trabalho voluntário.
Fui decidido a fazer tudo que era ensinado ali, eu precisava ser salvo, já não era uma questão de escolha, mas sim de necessidade, talvez a experiência que eu havia tido não fosse real, mas eu não poderia aceitar, de alguma forma eu sabia que estar ali era uma segunda chance que Deus estava me dando, não tinha o porquê, eu não merecia, mas eu me agarraria aquela chance com rosas as minhas forças.
Quando comecei a ir, iniciou-se a fé do sacrifício.
E era o meu tudo ou nada. Eu já havia dado tanto no mundo e cada vez mais o meu vazio só aumentava, eu não mediria esforços para dar o meu tudo para Deus.
O sacrifício financeiro? Foi a parte mais fácil. Se fosse só ela, seria ótimo, mas a parte que doía era saber que eu tinha que entregar.
Toda a culpa de ter feito o que havia feito. Toda a mágoa que tinha do meu pai e da minha mãe. Toda a raiva que tinha de Deus. Todo o preconceito que tinha contra a igreja que era a única que estava me ajudando naquele momento. Todos os meus ideais que até aquele momento caíram por terra. Tudo o que eu achava e acreditava ser o certo, estava errado e por isso, a minha vida era o que era. Abri mão de todas as minhas amizades e contatos com as outras pessoas, conversava com elas apenas quando estás vinham me procurar. Deixei de frequentar os bares e festas noturnas que eu vivia indo. Tirei todos os piercings que eu tinha pelo corpo, ninguém havia mandado eu fazer aquilo, mas eu entendi que quando havia posto cada um deles não era pela vontade de se ter um piercing apenas, mas era a vontade de me machucar, de me punir.
Voltei a cor original do meu cabelo e aos poucos fui mudando o meu guarda-roupa para roupas mais comuns. Joguei fora todas as lentes de contato que eu tinha e aceitei a minha aparência como era.
Eu sabia que o fato de mudar a cor do meu cabelo e dos meus olhos era uma tentativa inútil de não se parecer com o meu pai, tamanha a raiva que eu tinha dele, mas não fazia sentido agir daquela maneira. Meu pai estava muito melhor do que eu, eu precisava buscar no mínimo me parecer com ele.
As roupas eu sabia que era para chamar a atenção e isso era uma das coisas que eu mais senti falta na minha conversão. Eu não sabia até aquele momento o quanto eu era dependente das atenções das outras pessoas, eu queria que elas me respeitassem, queria que elas tivessem medo de mim, que me amassem e admirassem.
Isso era o que aumentava o meu ego, mas depois de toda aquela bagunça que havia tido na minha vida eu pude ver que a verdade era que eu não era nada. As pessoas que antes diziam me admirar só estavam esperando uma oportunidade para me empurrar ainda mais para o buraco.
Eu era uma pessoa comum, não tinha nada de extraordinário em mim.
Em uma reunião não consegui me controlar, acabei chorando. Eu não era nada, quem era alguma coisa era Deus.
O que era a vida humana? Algo tão frágil, passageiro e pequeno. Apenas um pedaço de barro, como falaria para o oleiro o que queria ser?
Então o pastor começou a orar e colocou uma música que me marcou muito, eu não conhecia a letra, mas pensei em cada palavra:
Quem sou eu?
Pra que o Deus de toda Terra
Se preocupe com meu nome
Se preocupe com minha dor
...
Quem sou eu?
Pra que a Estrela da manhã
Ilumine o caminho
Deste duro coração
...
Não apenas por quem sou
Mas porque Tu és fiel
Nem por tudo o que eu faça
Mas por tudo o que Tu és
...
Eu sou como um vento passageiro
Que aparece e vai embora
Como onda no oceano
Assim como o vapor
...
E ainda escutas quando eu chamo
Me sustentas quando eu clamo
Me dizendo quem eu sou
...
Eu sou Teu
...
Quem sou eu?
Pra ser visto com amor
Mesmo em meio ao pecado
Tu me fazes levantar
...
Quem sou eu?
Pra que a voz que acalma o mar
E acaba com a tormenta
Que se faz dentro de mim

E mesmo eu não sendo nada, Jesus me aceitava como eu era. O verdadeiro Renato, o antigo quando estava cheio de si não tinha como Deus o aceitar, porque aquilo era algo fingido, por mais que eu precisasse, se eu não reconhecesse, não tinha como Ele me ajudar.
-Senhor, esse sou eu. Uma pessoa machucada, magoada, orgulhosa, vazia e falsa. -Vesti o roupão de batismo. -E não seria justo depois de tanto tempo negando o Senhor, vim até aqui pedir a Sua ajuda, mas é que o Senhor foi o Único que não foi embora, mesmo conhecendo quem sou eu de verdade. -Entrei na piscina junto com o pastor. Ele me explicou sobre o batismo nas águas e perguntou se eu estava consciente da minha decisão.
Concordei com a cabeça.
-Então, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, amém! -E desci as águas.
Quando eu subi, foi impossível não rir. Deus iria me ajudar.
Na hora da oração eu tive a confirmação. Deus conhecia o pior de mim, e me oferecia o melhor dEle.
Entreguei meu envelope no Altar e meu ser se encheu de paz quando desci de lá. Eu não poderia explicar, nem com todo o conhecimento do mundo, como Alguém tão grande se sujeitaria a morar em alguém tão pequeno?
Mas eu tinha a certeza da presença de Deus na minha vida.

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