Capítulo 45 - Vitor

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Vitor

Depois de algumas semanas, era seguro voltar até a minha casa, eu não riria morar mais ali, certamente, havia conseguido um quarto melhor perto da igreja, mas a maioria das minhas coisas ainda estavam na casa, fora isso, até aquele momento eu não havia me preparado de fato para ir até lá, eu tentava ignorar de todas as formas as lembranças sobre Liliane que viam até mim.

Quando falei que iria até lá, o obreiro Henrique logo se propôs para ir comigo. No começo neguei, dizendo que não precisava que ele me acompanhasse, mas ele continuou insistindo e eu concordei. No fundo eu preferia mesmo que ele fosse comigo, eu me sentia seguro ao lado dele, como se nada de ruim pudesse atingir o meu interior a menos que eu permitisse.

Era um pensamento ridículo me sentir seguro ao lado de Henrique, não precisava de muito esforço para perceber a diferença física entre nós, e mesmo que o obreiro tivesse um corpo saudável, se nos acontecesse alguma coisa, ele não me protegeria fisicamente.

Porém, se comparássemos a força no interior, o obreiro exalava essa força. Eu poderia ser temido fisicamente, mas eu era tão pequeno e falho no meu interior, qualquer coisa que acontecia a minha volta era capaz de me atingir e me derrubar mais rápido do que um soco.

Eu precisava alcançar aquela força o mais rápido possível.

Descemos alguns degraus e entramos em um corredor curto, alguns jovens me cumprimentavam, outros me olhavam surpresos, certamente a notícia de que eu ainda estava vivo não havia chegado para todos, alguns ainda tinham medo de mim, e não me olhavam nos olhos, pensei em tudo aquilo e como em uma semana atrás eu achava um máximo todo aquele medo, achava que estava por cima de todos, mas aos poucos começava a reconhecer o quão pobre, perdido e um nada que eu era.

Mais do que o medo das pessoas, eu não tinha ninguém que me amasse.

Seguimos na rua da minha casa, meu coração batia acelerado quando de longe eu já podia vê-la, mas antes que a gente chegasse lá, Pâmela apareceu na minha frente e me abraçou, quase caímos no chão pela surpresa.

-Vitor! -Ela me encarou e segurou meu rosto em suas mãos. Observou cada detalhe de mim, como se certificasse de que não faltava nenhuma parte de mim. -Você está bem! E vivo! -Seus olhos se encheram de lagrimas e ela bateu no meu braço.

-Ai!

-Por que você não me avisou? Fiquei tão preocupada com você! Achei de verdade que você havia morrido!

-Eu não podia te avisar, Pâm. Precisava ficar escondido por algum tempo. E também com tudo que aconteceu, eu não sei se ia conseguir encarar tudo de frente... -Não precisei falar mais nada, Pamela sabia exatamente do que eu estava falando.

-Eu sinto muito, pela Lili. -Ela me abraçou, respirei fundo e fiz de tudo para não chorar.

-Obrigado.

-Você vai voltar para cá?

-Não, Pâm. Vou morar perto, mas lá na Avenida que passa os ônibus.

-Por quê? Ainda precisa ficar longe?

-Na verdade, eu preciso ficar perto.

-Do quê?

-De Jesus.

Pamela me olhou confusa.

-Não estou te entendendo...

-O quarto onde eu estou morando é perto da igreja, vou ficar por lá. Não quero mais nada dessa vida. Sei que você não está entendendo nada, mas Pâm, você precisa conhecer o que eles falam lá, sabe? Muda sua visão todinha!

-Pelo visto está te fazendo bem...

-E vai te fazer bem também, vamos comigo?

-Vou sim. -Ela sorriu e eu segurei sua mão e levei até os lábios depositando um beijo. -Preciso ir, Vitor.

-Eu também, fica com Deus.

-Você também fique com Ele.

Pamela se despediu de mim e saiu andando pela viela, não sem antes olhar mais uma vez para mim e se certificar de que eu estava ali, vivo.

-Ela me parece ser uma boa pessoa. -O obreiro Henrique colocou uma das mãos em meu ombro.

-E ela é, tão boa que sempre acho que nunca vou merece-la.

-Nós nunca vamos merecer nada, olha para o amor de Deus, o que fizemos para merece-lo?

-Melhor falarmos sobre o que fazemos que mostra que não merecemos.

-E mesmo assim, Ele nos dá. Nós merecemos ser felizes, Vitor. Vamos?

Concordei sem muito ânimo, fui na frente até a entrada da casa que já não tinha mais porta por terem arrombado o lugar. As coisas estavam reviradas e certamente não havia mais nada de valor ali, nem armas e nem drogas escondidas, tudo havia sido levado.

Eu não esperava ter aquelas coisas novamente, eu queria de verdade não depender mais daquilo, caminhei até a mesa e me agachei para pegar a boneca que estava jogada no chão. Para as outras pessoas, aquilo era só um brinquedo, mas não era, era a boneca preferida de Liliane.

-Vitor, sabe essa boneca? -Ela disse sorrindo enquanto penteava os longos cabelos pretos dela. -Não parece a mamãe?

Olhei com a testa franzida para a minha irmã, fazia tanto tempo que a nossa mãe havia falecido, Liliane ainda era muito jovem para lembrar, inclinei meu rosto para observar a boneca melhor e meu coração se apertou.

Os cabelos escuros e a pele negra com os olhos castanhos, vestia um vestido vermelho que facilmente eu poderia imaginar minha mãe vestida nele. Respirei fundo, parecia a nossa mãe, mas naquele momento, parecia incrivelmente com Liliane.

Minha visão embaçou e eu abracei a boneca.

-Canela? -Miúdo entrou na casa e sorriu para mim. -Quem te viu quem te vê, vaso ruim não quebra mesmo em, quando me disseram não acreditei e precisei urgente vim conferir essa parada. Tu tá vivão! -Ele me abraçou e cumprimentou o obreiro apenas de longe. -Certo, como é que nós vai quebrar aqueles comédia? Tenho o plano perfeito pra dar cabo na vida de cada otário.

-Ei, calma aí! Se tá chapando o côco? -Ele me olhou sem entender. -Eu não quero fazer nada, pelo contrário, quero me afastar de toda essa bagaceira.

-Eu não tô chapado, mas acho que cê tá! Como tu pode pensar em se afastar quando eles mataram tua irmã, cara? Isso não pode ficar assim! Tu é o Canela, não pode abaixar a cabeça!

Meu coração se encheu de ódio, toda aquela tristeza que eu estava ignorando até ali foi transformada em raiva, eu queria e como queria estourar cada miolo daqueles caras. Senti minhas mãos tremendo e antes que eu pudesse falar qualquer coisa, o obreiro caminhou até mim e parou na minha frente:

-Por mais que você queira se vingar, sabe que isso não cabe a você. Mata-los não vai trazer sua irmã de volta, muito menos vai aliviar essa raiva que você tem aí.

Olhei para ele, eu queria gritar, dizer que aquilo não era justo.

-Pense no que a sua irmã iria querer que você fizesse. -Ele completou e me senti ainda pior, Liliane era tão inocente, sabia que jamais ela concordaria com algo daquilo. -Acho melhor irmos embora, Vitor. -Ele falou e eu concordei.

-Miúdo, eu vou indo, cara. A gente se tromba qualquer dia desses! -Me virei para seguir o obreiro que já estava na porta, mas meu amigo segurou a minha mão.

-Aqui tá o meu cartão da empresa que tô trabalhando, tem meu número de telefone. Sabe que eu tô fechado contigo, se tu quiser ir em frente, eu vou, mas se não quiser, tranquilo, mas pensa direito nisso, falou?

Concordei e sai. Pensei em jogar fora aquele papel, mas ao olhar mais uma vez a boneca que estava em minha mão, foi mais forte do que eu, e o coloquei no meu bolso.

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