Saulo
Finalmente deixaram a minha mãe entrar na salinha. Me levantei rapidamente e a abracei. Ela estava gelada, parecia mais magra do que o costume e pálida.
-Oh, meu filho. Me desculpa a demora...
-Mãe, não há nada para a senhora pedir desculpas.
-Mas é que eu só consegui vim agora.
-Não tem problema, eu que devo desculpas por estar nessa situação! -Nós nos sentamos. -Eu só dou trabalho para a senhora, a nossa vida já é tão difícil! E ainda faço essas besteiras!
-Não se culpe tanto, eu sei que você não voltará a fazer isso novamente.
-Não mesmo. Eu não prometo para a senhora, mas prometo para mim mesmo.
Minha mãe fechou os olhos e uma linha de dor passou entre suas sobrancelhas.
-Mãe está tudo bem?
-Só foi um mal-estar, logo passa.
-A senhora ainda está ruim, não está?
-Estou, vou ser sincera com você meu filho, eu não consegui vim antes porque tive que ficar de repouso. Estou fazendo um acompanhamento médico, ainda não descobriram o que eu tenho, mas está me debilitando muito. -Ela olhou nos meus olhos. -Não fique tão preocupado, é o mesmo problema de sempre.
-Que nunca se resolve, só piora. -Eu balancei a cabeça.
-Mas esse não é a nossa principal preocupação nesse momento e sim tirar você daqui. -Ela tentou se animar.
Lembrei do envelope que o obreiro Henrique havia me dado. O fato de sair dali não era a minha maior preocupação, e sim mudar de vida, tomar uma atitude, porque se eu não fizesse aquilo, eu poderia até sair dali, mas continuaria da mesma forma.
-Mãe, eu preciso que a senhora faça um favor para mim. Escute bem. -Olhei sério para ela e segurei suas mãos. -Preciso que a senhora leve esse envelope consigo. Quando chegar em casa, pegue tudo de valor que tem no meu quarto. Não é muito, mas pegue meus dois tênis que estão novos, minhas camisetas do time, meu boné... -Respirei fundo. -Em uma das gavetas, tem aquele colar que meu pai deixou para mim, o fecho dele está quebrado, mas como ele é de ouro, vão aceitar que a senhora vende. -Era o que eu tinha de mais valor, mas tinha algo que eu realmente gostava, que era o meu apoio. -E tem também a minha chuteira. Quero que a venda também.
-Sua chuteira? Mas meu filho, é seu sonho!
Concordei. Era meu sonho, pela vida que Deus prometia me dar.
-Vende tudo, mãe.
-Acha que esse valor vai ser o suficiente para te tirar daqui?
-Eu não quero que você pague a minha fiança. -Respondi. Minha mãe me olhou surpresa. -Quero que leve o dinheiro nesse envelope na igreja.
-Saulo...
-Por favor, mãe. Prometa para mim que vai fazer isso!
Ela hesitou, mas ao ver a minha firmeza em querer fazer aquilo, minha mãe acabou concordando por fim.
-Se você tem tanta certeza...
-Nunca tive tanta certeza de algo.
***
A cada dia a minha saúde parecia piorar, mas fiz aquilo que meu filho havia me orientado. Acabei conseguindo vender tudo que ele havia pedido, com muita dor no coração, porque sabia o quanto Saulo gostava daquelas coisas e o quanto ele havia lutado para comprar. Quando consegui o dinheiro, antes de colocar no envelope eu hesitei mais uma vez, aquele dinheiro não pagaria a fiança para a liberdade do meu filho, mas já ajudaria muito.
Por que Saulo queria fazer aquilo? Por que queria entregar aquilo na igreja?
Mesmo com tantas dúvidas, eu resolvi escutar a voz do meu filho. Coloquei dentro do envelope e sai de casa. O ar abafado do dia me causou uma leve tontura.
Me arrastando, caminhei até a pequena igreja, antes de entrar olhei para o céu que se estendia a cima de mim, respirando fundo fechei os olhos e sussurrei:
-Meu Deus, isso é loucura. Como isso vai fazer o meu filho sair da prisão?
Não veio nenhuma resposta do céu. Nada de diferente aconteceu.
Entrei na igreja e caminhei timidamente até o altar. Estava tudo silencioso. Em cima dele havia uma imagem de um vale escrito "de Jacó a Israel".
Não fazia ideia do que aquilo significava, eu já havia ido algumas vezes a igreja, mas eram tão poucas que eu quase não me lembrava das coisas que ali eram ensinadas.
-Olá, boa tarde! -Um senhor, talvez tivesse a mesma idade que eu apareceu por uma das portas acompanhado de um rapaz. -Eu sou o pastor Samuel, em que posso ajudar a senhora?
-Olá, boa tarde. Eu me chamo Marta. Eu vim entregar o envelope do meu filho, Saulo.
Os olhos azuis do rapaz que estava ao lado do pastor se alarmaram e ele sorriu para mim:
-Dona Marta! Eu sou o obreiro Henrique! Sou amigo do seu filho! -Ele estendeu a mão para mim e eu o cumprimentei.
Dei uma cambaleada para o lado, eu não estava bem.
-Dona Marta? -Henrique me olhou preocupado.
-Voce pode pegar um copo de água para mim? Por favor?
-É claro!
-Enquanto o obreiro pega o copo de água, a senhora pode colocar o sacrifício do seu filho no Altar que eu farei uma oração pela senhora e pelo Saulo.
Concordei e me virei para o Altar. Coloquei o envelope ali e o pastor colocou uma de suas mãos na minha cabeça.
-Senhor, eu sei que mesmo se eu não clamasse, o sacrifício do Saulo clamaria por ele, porque o senhor não deixa nada em branco do que se faz aqui no Altar. -Ele continuou orando e a única coisa que eu disse foi:
-Que dê certo, porque só o Senhor pode nos ajudar.
-Amem! -O pastor Samuel terminou a oração e sorriu para mim.
-Aqui está o seu copo com água, Dona Marta. -Henrique me entregou e eu bebi.
Me despedi dos dois, e comecei a andar em direção a porta, mas antes que eu chegasse lá fora, acabei desmaiando.
***
Comecei a frequentar as reuniões no presídio que tinha da igreja, não eram todos os dias, mas eu aguardava cada uma delas, mesmo que fosse apenas a visita do pastor com um grande anseio. Eram eles que traziam palavras de paz e de confiança, eu não sabia quase nada do que estava acontecendo do lado de fora, e por mais que isso quisesse me deixar apreensivo, quando aqueles homens vinham até ali, eu entendia que tudo ia ficar bem, porque Deus estava comigo.
Eles me presentearam com uma bíblia e com um livro. Na cela onde ficavamos tinha um rádio pequeno, e sempre que surgia uma oportunidade eu colocava na programação da igreja, alguns presos no começo não gostavam, mas aos poucos, começaram a aceitar.
Na segunda reunião que participei, assim que o obreiro falou sobre o batismo nas águas, eu fui como quem corre para a única chance da vida.
Eu queria, queria uma mudança. Não queria mais ser o velho Saulo, eu queria ser uma nova criatura!
Eu até ria quando lia sobre o apóstolo Paulo na bíblia que antes do seu encontro com o Senhor Jesus, se chamava Saulo também.
Deus não queria só mudar o meu nome, mas a mesma mudança no interior do apóstolo, Ele queria fazer em mim.
No dia da visita, o obreiro Henrique veio até mim e eu o abracei. Ele estava diferente, parecia mais cansado e preocupado do que o normal.
-O senhor está bem?
-Sim. -Ele desviou o foco do assunto. -E você? Vejo que está muito bem!
-E como estou, obreiro! -Comecei a sorrir. -Me sinto tão bem como nunca estive antes, é como se só agora, eu estivesse descobrindo o sabor da vida! Minha mãe veio com o senhor? Eu gostaria muito de conversar com ela!
-Então, eu vim pra te ver e falar sobre isso. -O olhei preocupado. -Sua mãe ela foi até a igreja entregar o seu sacrifício, e acabou passando mal. Foi levada às pressas para o hospital e agora ela está internada.
-Meu Deus...
-Fique calmo, eu tenho certeza que logo ela vai ficar bem!
Respirei fundo:
-Tava tudo dando muito certo, eu deveria ter desconfiado... -Olhei para o obreiro. -Obreiro, preciso de um favor do senhor.
-O que estiver ao meu alcance.
-O senhor pode orar pela minha mãe? Eu tenho certeza que Deus escolheu o senhor e tem me ajudado muito e sei que pode ajudar minha mãe. Através do senhor, Deus pode curar a minha mãe! -Eu sorri. -Por favor, obreiro!
O obreiro concordou em silêncio e forçou um sorriso, eu o abracei e conversamos sobre outras coisas, mas não pude deixar de notar que alguma coisa havia acontecido com ele.
Depois que o obreiro foi embora, quando eu cheguei na cela, sozinho me ajoelhei e comecei a orar:
-Deus, eu não tenho a fé como a do obreiro, mas eu acho que tá acontecendo alguma coisa. Eu espero que não seja nada demais, mas por favor, cuida dele. Ele tem cuidado tanto de mim! Tem dado tanto pelas nossas vidas, por favor, Deus! Ele precisa de ajuda, às vezes a gente acha que os obreiros são super heróis, mas ele deve passar por tantos problemas! Assim como eu... Eu entrego a vida dele nas suas mãos.
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O CAMINHO
SpiritualA vida de Henrique virou de cabeça para baixo, quando sua mãe contraiu diversas dívidas para tentar tirar seu irmão, Heitor do mundo do crime e das drogas. Agora ele se depara em morar em uma comunidade do outro lado da Ponte do Silêncio em um barra...