Capítulo 79 - Vivian

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Vivian

Cada dia que se passava eu odiava mais a obreira e não sabia exatamente o porquê. Até que chegou o momento em que ela não insistiu mais.
E eu via que todas as outras meninas tinham suas respectivas melhoras, e eu estava no mesmo lugar.
No mesmo lugar não, eu estava retrocedendo.
A reunião havia terminado e cada um ia para casa, acreditam que a casa da obreira era próxima da casa do obreiro Henrique? Então obviamente ele se colocava a disposição para acompanhá-la em casa todas às vezes que achava necessário.
Ninguém me levaria para casa, porque todo mundo achava que eu sabia cuidar muito bem de mim, o que era totalmente ao contrário.
Eu precisava que alguém me ajudasse, eu precisava me permitir ser cuidada.
Era por isso que Deus não conseguia me mudar, porque para Ele salvar alguém essa pessoa precisa se colocar na situação de perdida.
Eu que desde adolescente tive que me virar, nunca havia aprendido a me cuidar.
Fui para casa, Vitória havia ido para o restaurante ajudar no turno da noite.
Quando abri a porta, uma carta caiu. Era do Tribunal, Wesley havia cumprido o que havia dito, ele não iria medir esforços para me tirar a única chance de ver meu filho.
Chorei tanto, mas chegou um momento que não tinha mais o que chorar.
Deitei no sofá com a roupa que havia ido para reunião, não tinha mais forças, estava me sentindo a pior pessoa.
Eu estava colhendo apenas tudo aquilo que eu havia plantado durante todos aqueles anos.
Eu não era digna do perdão de Deus.
Eu havia sido a pior filha.
Eu era a pior irmã.
Eu havia sido a pior esposa.
Eu era a pior mãe.
Eu havia sido a pior mulher.
E agora eu era a pior pessoa.
Não sei quanto tempo fiquei ali. Eu não sentia fome, não sentia vontade de tomar banho, não sentia vontade de falar.
Vitória havia tentado diversas vezes, mas eu não conseguia mexer meu corpo.
Para que eu iria levantar dali? Para continuar fazendo besteira?
Era melhor ficar ali.
-Vivi? Tá acordada? -Vitoria me chamou.
-Estou, mas não quero comer, me deixa em paz. -A minha voz rasgava a minha garganta seca.
-Esta vendo, obreira? Desde quarta-feira ela não se mexe, eu chamo para comer, para tomar banho, mas ela só fica assim.
-Vivian? -A voz da obreira Jacqueline chegou aos meus ouvidos e um ódio surgiu dentro do meu coração como um fogo ardente.
-Vai embora! Eu te odeio! Ela é minha!
-Você sabe que ela não está sozinha, e eu não vou sair daqui até ela ficar bem!
Depois disso eu não escutei mais o que a obreira disse. Lembro de ficar em pé, mas não tinha forças, quando pude mexer o corpo novamente e abrir os olhos, eu estava no meio da sala, no chão com a obreira ao meu lado.
-Vivian, olha para mim! Como você está? -Sua testa estava suada.
-Estou bem... -Respondi confusa, eu já havia participado de outras orações de libertação na igreja, mas nada havia sido como aquela. Olhei para a obreira que sorriu para mim e foi inevitável eu não sorrir de volta.
Procurei dentro de mim, não havia nenhum ódio.
Todo aquele sentimento ruim havia saído. Porque a verdade era que eu não estava com ódio da obreira, era ódio de mim.
Todos aqueles anos, desde quando a minha mãe havia nos abandonado, eu me sentia culpada.
Comecei a chorar e a obreira me abraçou.
Eu deixei que ela me abraçasse, eu nunca havia tido um abraço de mãe que eu me lembrasse, mas deveria ser como aquele.
Abracei de volta e sussurrei:
-Me perdoa.
-Vivi, você não precisa pedir desculpas. Nunca fez nada de ruim para mim. -Ela acariciou meus cabelos.
Jacqueline tinha a mesma idade que eu, como poderia ter todo aquele amor?
-Eu te odiei todos esses dias, porque eu nunca me amei. Não sei como amar os outros. E agora vou perder a chance de visitar meu filho.
Acho que Jacqueline também não sabia que eu tinha um filho, mas não houve espaço nenhum para julgamento, ela continuou me abraçando até que eu me acalmasse.
-Você quer água, irmã? -Vitória perguntou.
-Eu quero comer, estou com tanta fome.
Ela sorriu.
Enquanto eu comia comecei a conversar com a obreira:
-Obreira, desde quando conheci a senhora eu comecei a ter pensamentos muito ruins. Eu gosto do obreiro Henrique. -Admiti e mais uma vez ela não pareceu surpresa. -Mas eu, com todo o meu histórico, com um filho, ele nunca iria gostar de mim, se eu fosse como a senhora, obreira e tal, tenho certeza que ele iria gostar, por isso, não via a senhora como uma ajuda, mas sim como uma inimiga.
-Você não pode querer ser obreira só para namorar com outro obreiro. É um objetivo certo com a intenção totalmente errada.
-Eu sei. Agora vejo o quanto estava errada, e não quero mais voltar me sentir assim. Eu me sinto tão confusa, tem o meu filho...
-Sabe por que você está confusa? Porque você não tem o Guia, o Consolador que o Senhor Jesus deixou para nós como promessa. O Espírito Santo.
-Me sinto tão longe de poder recebê-Lo.
-Essa distância é superada apenas por uma atitude que tem que partir de você. Precisa, mesmo com todos esses problemas, colocar nas mãos de Deus e se entregar a Ele.
Concordei. Terminei de comer e comecei a me preparar.
No domingo, acordei antes de Vitória. A obreira Jacqueline havia me dado um vestido que serviu direitinho em mim.
Era um vestido preto com alguns riscos brancos. Não havia nenhum decote, e os ombros eram cobertos. O vestido ia até abaixo do joelho e olhei para o espelho.
Roupa não queria dizer nada, mas senti como se Deus se agradasse daquilo que eu estava fazendo.
Prendi os cabelos, passei o melhor perfume e apenas um batom.
-Vivi... -Vitória olhou para mim acordando. -Você está tão bonita! Vai encontrar com quem?
Sorri:
-Vou encontrar com o Senhor Jesus. Já me encontrei com tantas pessoas que fizeram mal a mim, preciso encontrar com a única que promete me fazer bem de verdade.
Caminhei até a igreja e respirei fundo. Quando era mais nova eu havia imaginado muitas vezes como seria o meu casamento após assistir aqueles filmes românticos, mas depois de um tempo, aquilo foi morrendo. Meu casamento com o Wesley havia sido apenas no papel, nunca havíamos tido condições de fazer na igreja e uma festa.
Olhei para a porta e imaginei como seria se o meu Noivo estivesse ali, no Altar me esperando.
Eu não estava de branco, mas por dentro eu estava limpa.
Dei um passo dentro da igreja, aquele seria o meu grande dia.
Ainda que eu não me casasse com ninguém, eu conheceria o Autor do Amor.
Na porta, o obreiro Henrique estava para colocar a gota da água consagrada em nossas garrafinhas.
Meu coração acelerou ao olhar aqueles olhos azuis. Era inevitável, eu realmente estava apaixonada por ele.
-Bom dia, Vivian. -Ele pigarreou e desviou o olhar.
Balancei a cabeça, eu já havia tido o amor de outros homens, nenhum havia mudado a minha vida.
Henrique poderia ser a melhor pessoa, mas esse poder, a única pessoa que tinha era Deus.
-Bom dia, obreiro. -Fechei a garrafa e fui para a primeira cadeira.
Abri a Bíblia.
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; 28 E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; I Coríntios 1:27-28
Deus havia me escolhido e eu precisava me escolher. O pastor começou a reunião, pregou sobre o perdão, perdão para os outros, mas principalmente para nós.
Quando ele perguntou quem gostaria de ir até o Altar, eu fui a primeira.
Como em um casamento.
-Senhor, eu deixo aqui no Altar, minha mãe. Deixo aqui no Altar toda a prostituição. Deixo aqui no Altar todo o vício. Deixo aqui no Altar o meu filho, não me importo mais se eu vou ver ele ou não. Nada importa se eu não ter Você. -Coloquei as mãos no Altar. -Eu te recebo, como o Pai que eu nunca tive. Como o Marido que nunca possui. Como o Meu tudo, eu que nunca tive nada.
E eu recebi, pela primeira vez eu fui amada e Ele não me pedia para fazer nada sujo, não esperava nada imundo de mim. Ele me amou e me amava por simplesmente eu ser e estar entregando tudo aquilo.
Doía pensar que eu poderia não ver mais meu filho.
Doía pensar que eu poderia nunca realmente encontrar alguém para me amar na forma carnal.
Mas ao mesmo tempo que doía, eu era consolada pelo Espírito Santo.
Quando acabou, eu não queria que acabasse.
Corri até a obreira Jacqueline e a abracei, pegando ela de surpresa.
-Eita, Vivi! -Ela sorriu e me abraçou de volta.
-Obrigada por não ter me deixado de lado, eu precisava da sua ajuda para acertar o Caminho.
Os olhos da obreira se encheram de água e ela me abraçou mais uma vez.
-O vestido ficou lindo em você!
Nós rimos, o obreiro nos chamou e nos reuniu.
-Vivian, anota aí para mim quem veio. Preciso de ajuda para anotar os pontos dessas duas tribos, está acirrada a disputa! Vamos ver quem vai ganhar.
Olhei para ele surpresa, mas peguei o celular e anotei.
Ao final de tudo me aproximei do obreiro, e dessa vez ele não se afastou.
-Obreiro, quero pedir perdão.
Ele arqueou uma das sobrancelhas loiras:
-Pelo quê?
-Por faltar com respeito ao senhor, eu não deveria ter dito que gosto do senhor, o senhor está aqui como meu líder espiritual e não como alguém para suprir minha carência. Eu o estava colocando no lugar errado.
-E agora?
-E agora eu entendi as posições. O reino de Deus em primeiro lugar e as demais coisas que eu preciso serão acrescentadas. -Ele sorriu. -Eu ainda gosto do senhor. -Falei e rapidamente as bochechas do obreiro ficaram vermelhas. -E falo isso não com vontade que o senhor retribua, não quero nada mais que seja da minha vontade.
-Certo... Eu preciso de ajuda para que você seja a secretária do grupo por enquanto.
-Sim, senhor. E não quero que o senhor fique muito próximo de mim, eu preciso focar no que é importante.
Ele ficou surpreso, mas foi inevitável Deus lábios surgirem um sorriso tímido. Ele concordou.
-Só mais uma coisa, essa semana eu terei uma audiência. Eu nunca contei para o senhor, mas tenho um filho.
A boca do obreiro Henrique abriu e fechou.
-O senhor não o conhece porque eu nunca o trouxe, ele mora com o pai e eu tinha vergonha de admitir, afinal, nenhuma das outras jovens tem filhos. Não queria que o senhor achasse que eu sou delinquente, mas eu era. E não adianta esconder isso, posso perder a condição de visitar meu filho, mas já coloquei nas mãos de Deus, então que seja feita a vontade dEle.
-E vai ser. Qual o nome dele para que eu esteja orando por vocês?
-Ricardo... Meu Rick. -Sorri.
O obreiro riu baixinho.
-O que foi?
-Um dia eu te conto, vai lá e arrebenta!
-Sim, senhor.

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