Capítulo 74 - Vitória

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Vitória

A minha vida estava uma bagunça e e eu precisava dar um jeito. Depois que eu havia conversado com o obreiro, finalmente era como se uma venda tivesse sido arrancada dos meus olhos.
Eu conseguia ver que a dificuldade da minha vida era eu mesma quem criava, o problema era que eu não sabia muito o que fazer para mudar o problema que era eu.
O obreiro Henrique já havia deixado claro que se eu precisasse de alguma coisa a partir daquele momento, eu deveria pedir ajuda da nova obreira.
Ela parecia ser legal, e já havia tentado falar comigo, mas o olhar que Vivian nos dava fazia com que eu recuasse.
Estava deitada na minha cama quando Erick me mandou mensagem e como não respondi de imediato ele me ligou.
Revirei os olhos, já tinha bloqueado diversas vezes, mas ele sempre conseguia alguma forma de contato comigo:
-Fala. -Atendi sem nenhum ânimo.
-Você continua me ignorando.
-Você não entende, não é? Eu não quero nada com você! Foi só uma noite, por favor! Supera, cara! Segue sua vida que eu sigo a minha! -Falei perdendo a paciência.
-Vitoria, você é quem não entende. Eu te amo, e você vai ficar comigo de qualquer forma.
-Você está me ameaçando?
-Você já abriu as mensagens que te enviei?
Sem muito ânimo, ainda em ligação, abri meu whatsapp e meu coração afundou.
-O-o que é isso? -Gaguejei ao olhar cada uma das fotos. -Como você conseguiu isso? -Minha voz sumiu, toda a pose que eu estava sustentando até ali sumiu.
Eram fotos minhas sem roupas. Ainda que estivessem com a qualidade baixa por terem sido tiradas a noite, era eu.
-No dia que saímos você acabou dormindo depois da nossa noite, mas aquilo havia sido tão especial para mim que eu quis registrar. -Sua voz se deliciava, certamente sabia que tinha todo o poder sobre mim. -Seu corpo é tão maravilhoso, Vitória. Ainda que você tenha saído com muitos rapazes, imagine essas fotos caírem em rede social, quantos compartilhamentos, curtidas será que iremos ganhar?
-Seu sujo! -Gritei e lágrimas brotaram em meus olhos. -Como você pode fazer isso? -Eu tremia.
-A pergunta não é essa, meu anjo. A pergunta é, esse corpo vai ser só meu ou do bairro inteiro? -E me xingou.
Naquela ligação, Erick me humilhou de tal forma que eu não lembro metade das palavras que ele usou naquele dia.
Joguei meu celular para longe de mim, sem coragem de olhar para aquelas fotos. O viva voz fazia a voz dele ecoar pelo quarto.
Chorei, gritei e minha cabeça era um turbilhão de pensamentos.
-Daqui dois dias eu te ligo para saber sua resposta, te amo, meu amor. -E desligou.
Não consegui, vomitei.
-Vitoria! -Minha irmã apareceu no quarto e quando me viu no chão, vomitando, entrou em desespero. -O que aconteceu?
Comecei a chorar ainda mais. Ela me abraçou e nós duas ficamos até que eu conseguisse me acalmar.
-Meu Deus, Tori! -Ela passou as mãos pelos cabelos, enquanto olhava as fotos. -Meu Deus...
-O que eu vou fazer? -Repeti, enquanto soluçava.
-Pior que eu não sei, mas...
-Vou pedir ajuda da obreira Jacqueline. -Falei e me coloquei de pé.
-Oi? -Vivian olhou para mim brava.
-Isso mesmo que você ouviu! Certamente ela vai me ajudar!
-Por que não o obreiro Henrique?
-Porque certamente ele nunca teve as fotos íntimas dele publicadas por aí!
-Mas ela também não teve!
-Eu não me importo! -Nós duas gritavamos uma para a outra. -Não me importo! O obreiro disse para eu procurar por ela quando quisesse ajuda, e eu só não quero, como eu preciso!
-Mas Vitória a gente vai dar um jeito!
-Nao são só as fotos, Vivian! VOCÊ NÃO ENTENDE? -Eu estava vermelha. -Se eu não buscar ajuda, eu VOU MORRER! EU PRECISO MUDAR AQUI DENTRO DE MIM! -Peguei meu celular de suas mãos. -E eu tô pouco me importando se você gosta dela ou não! NAO ME IMPORTO COM O SEU ORGULHO! SE VOCÊ REALMENTE QUER ME AJUDAR, ENTÃO PARA DE SER INFANTIL!
Quando terminei de falar, um silêncio reinou sobre o lugar.
-Você me acha infantil? -Minha irmã perguntou, era nítido que controlava a raiva.
-Por favor, Vivi... -Falei, mas ela não abriu margem para discussões.
-INFANTIL? Você não sabe metade do que eu já passei! Você é a única pessoa que me conhece e mesmo assim, me chama de infantil?
-EU NAO VOU DISCUTIR COM VOCÊ! -Peguei a chave e sai de casa, determinada a mudar a minha vida.
Quando cheguei na igreja, eu já sabia que a obreira estaria lá, quando me viu, já veio correndo até mim.
-Obreira... -Sussurrei.
Jacqueline me abraçou. Seu perfume fraco encheu meu nariz e suas mãos deslizou pelos meus cabelos.
Uma fraca lembrança de quando eu era criança e minha mãe me abraçava daquela forma. Eram raras às vezes que aquilo havia acontecido, e depois que minha mãe havia sumido, todo aquele afeto havia desaparecido.
Ainda que eu tivesse Vivian, aquele abraço, aquele carinho maternal, eu não sabia o quanto estava sedenta por aquilo.
Um amor de verdade, que não queria nada em troca, que continuaria ali por mim.
Eu buscava tanto aquilo, e a obreira estava me oferecendo sem intenção alguma.
Ela era apenas alguns anos mais velha que eu, mas envolvi meus braços ao seu redor, como se eu só tivesse sete anos e precisava que ela cuidasse de mim.
-Vitoria, calma, não sei o que aconteceu, mas vou te ajudar.
-Obrigada.
Expliquei toda a situação para a obreira, que me ouviu calmamente. Pegou um copo de água para mim, enquanto telefonava para um primo e para a polícia.
-Vitória, você tem as mensagens?
-Sim, senhora.
-Meu primo é advogado, ele também é obreiro da igreja, disse que vai nos ajudar.
-Obreira, eu não tenho como pagar um advogado. -Falei preocupada.
-Fique tranquila, essa é a oferta dele para Deus. -Ela sorriu.
-Obreira, tem mais um problema.
-Pode falar.
-Quero mudar. -Falei sem rodeios. -Quero ser diferente, não quero que essas ameaças me atinjam dessa forma, quando eu vi aquelas mensagens, eu só pensei em morrer, de verdade, tudo que acontece na minha vida vai de um extremo para outro, não consigo ser equilibrada, sempre caio para algum lado e sempre acabo me machucando. Estou cansada. -Falei e respirei fundo. -Todo mundo me acha linda, mas eu me acho tão feia, tão suja. -Nao conseguia nem levantar os olhos para encarar a obreira. -Eu fico até com ódio de mim, porque parece que a minha mãe teve razão em sumir, ela não gostava da gente. Se a mãe não gosta, por que os outros vão gostar? A maioria das pessoas só vêem o meu corpo, mas eu olho no espelho e não gosto do que vejo, sempre tem alguma coisa que eu gostaria de mudar.
Pensei cada vez que eu havia mudado a cor do meu cabelo, o estilo de roupa, às vezes em que eu aceitei certas coisas só para tentar ser diferente.
-Por mais que eu me esforce em ser diferente, essa minha busca de ser aceitável pelas pessoas só me torna igual a elas.
-Vitoria, você não se ama porque você não conhece o Amor que é Deus. Enquanto você não conhece-Lo, você não vai se amar e muito menos amar as pessoas que estão a sua volta. Você sempre vai aceitar qualquer coisa porque você não aceitou o sacrifício maior que o Senhor Jesus fez por você. -Ela segurou as minhas mãos. -O amor de Deus não é como o amor desse mundo. Esse mundo só quer sentir, viver o momento e fim. O amor de Deus é profundo, é significativo, é restaurador.
-Mas como Ele vai me amar? Eu não mereço nem o amor das pessoas, quem dirá o dEle que é tão... Sublime?
-A gente não merece nada, Tori, mas mesmo assim, Ele se dispõe a nos dar tudo! Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Único Filho para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha vida eterna.
-Eu quero crer. Quero aceitar esse sacrifício do Senhor Jesus. -Falei, e eu não sabia o quanto precisava daquela decisão. -Quero tomar um caminho diferente da minha vida.
Parecia fácil até ali, mas não foi. Uma coisa era falar, outra era de fato tomar aquela decisão.
A obreira todos os dias me mandava mensagem e comecei a andar com ela para cima e para baixo, tudo que ela falava eu levava a sério, eu queria aprender, queria mudar, queria aceitar aquela nova vida.
Erick acabou sendo processado e seu celular confiscado, minha sorte era que ele não havia mandado ou salvado aquelas fotos para ninguém.
Ele não havia sido preso, então eu precisava tomar algumas medidas de segurança, não ficava até tarde fora de casa e se fosse preciso, sempre alguns dos meninos me acompanhavam na volta.
Vivian por incrível que parecesse não havia voltado a falar comigo, cada dia que se passava, eu me sentia melhor comigo mesma, e isso parecia causar ainda mais raiva nela.
Nós duas estávamos juntas sempre, até mesmo nas dificuldades, e agora que eu saia daquele buraco, ao invés de Vivian me acompanhar em direção a luz, ela ficava no mesmo lugar por conta do seu orgulho.
Isso me deixava muito triste, mas a paz que eu sentia no meio daquela bagunça toda compensava.
Eu não tinha muito dinheiro, fiz a limpa no meu guarda-roupa e joguei todas as roupas que chamavam a atenção para o meu corpo, fora.
Eu não queria mais aquele amor, eu queria o amor de Deus, o amor que ia além da minha aparência física, o amor que mesmo conhecendo o meu interior, aceitava ficar comigo.
E a obreira me ajudou muito, ela tinha várias amigas que aceitaram doar algumas roupas para mim.
Quando me arrumei para ir domingo de manhã para a igreja e me olhei no espelho, foi difícil não me emocionar. Eu não havia mudado a cor do cabelo, eram roupas normais, mas algo no meu rosto, algo na minha postura parecia ser diferente.
Sorri para a moça que me encarava do reflexo e foi um sorriso verdadeiro. Peguei meu celular para tirar uma foto e postar nas redes sociais, mas antes que eu publicasse olhei mais uma vez.
Para que eu ia fazer aquilo? Eu queria mostrar a minha mudança? Mas para que?
E foi quando percebi que eu ainda queria a aprovação de outras pessoas. Eu queria que curtissem a minha foto, queria que comentassem, queria ter a atenção de alguém.
Não postei. E exclui todas as redes sociais que eu tinha.
-Senhor, isso era muito importante para mim. -Sussurrei ao ver a conta com milhares de seguidores sendo desfeita. -Mas já não é mais a atenção que eu busco para mim.
Fui para a igreja e prestei a atenção em cada palavra que o pastor falava, durante a busca pelo Espírito Santo uma música tocou e me marcou muito:

Nunca vi, nem haverá um amor igual ao teu
Nunca vi, nem haverá um amor como amor do nosso Deus
Incomparável é, inexplicável é o seu amor
Nunca vi nem haverá um amor igual ao teu, amor de Deus
...
Que amor é esse?
Que amor é esse?
Há tantos defeitos em mim, mas me ama mesmo assim
Amor incondicional, amor de Deus
Que amor é esse?
Que amor é esse?
Sabes tudo de mim, mas me ama mesmo assim
Amor incondicional, amor de Deus
...
Amor que não guarda rancor,
Que perdoa pecador, só amor de Deus
Amor que eu desconheço
Que pagou um alto preço por nos amar

Ali, eu conheci o Amor que o mundo tanto havia me impedido de conhecer.
Comecei a rir! Eu não tinha palavras para dizer, eu só sabia agradecer.
Quando a reunião terminou e todos os jovens se reuniram enquanto esperávamos o obreiro Henrique para os recados daquele dia, me aproximei e fiquei ao lado de Renato.
Ele olhou para mim e franziu as sobrancelhas.
-Você está... -Ele se calou.
-Estou? -Arquiei uma das sobrancelhas.
-Nada. -Sua cara fechou e ele foi para o outro lado da roda.
Era sempre assim, Renato não suportava ficar próximo de mim. Claro quer u não havia sido uma pessoa fácil no começo, havia dado em cima de todos os meninos daquele grupo, era nítido o receio que cada um tinha de mim.
A vergonha no mesmo instante quis me atingir, mas repreendi em meu interior. Nada do que acontecesse faria com que eu tivesse vergonha de quem eu era há algum tempo atrás, porque mesmo que ninguém via, eu acreditava que já não era a mesma pessoa de antes.
Eu estava seguindo um novo caminho, porque eu havia aceitado o Amor, havia aceitado o seu sacrifício!

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