Capítulo 85 - Renato

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Renato

Foi tudo muito rápido e ainda assim pareceu uma eternidade, mas depois que eu havia aceitado que queria fazer a vontade de Deus como Pastor, a minha vida tinha andado totalmente.
Primeiro, eu tive que esperar cumprir a pena total juntamente com o trabalho voluntário por conta de Kátia.
E fiz, todos os dias quando acordava eu tentava não pensar no que havia feito, mas sim no que precisava ser feito. Foi mais de um ano e meio junto com a fiança, mas não faltei nenhum dia, até que chegou o último.
Depois daquele dia eu poderia ir para as entrevistas para ser obreiro e depois para ser pastor. Obviamente não era algo simples, eles iriam ser cautelosos e eu entendia que era tudo pela segurança e bem do povo, e por mais que alguns não aprovassem a ideia, continuei firme, esperando que se fosse a vontade de Deus mesmo, eu teria uma chance.
Vesti o uniforme do trabalho voluntariado, era em uma casa de repouso e eu ajudava na limpeza.
-Oi, Renatinho! -O senhor Cláudio me cumprimentou.
-Olá, senhor Cláudio. Vejo que está bem!
-Renato? -Katia apareceu. -Eu não acredito! Eu tento tanto te evitar e mesmo assim você continua no meu caminho! -Ela estava tão magoada quanto há um ano atrás. -Eu sabia que só deveria vim amanhã conforme mandaram, mas não, eu tinha que vim antes para conhecer o local.
-Talvez seja Deus dando uma chance para conversarmos. -Falei esperançoso.
-Deus... -Ela riu e fez uma cara incrédula. -Eu não consigo entender, eu juro. Logo você, que sempre odiou a igreja, odiou a Deus... Estão até te chamando de pastorzinho!
-Katia, as pessoas mudam.
-Como alguém que me deu uma facada muda, Renato? Me diz?
-Já faz mais de um ano, Kátia.
-E eu não consigo te perdoar! -Os olhos dela brilharam por causa das lágrimas. -Tenho medo de você, tenho medo de outras pessoas. Você acabou com a minha vida! Quando eu durmo, eu só consigo lembrar, tenho tomado anti depressivos, tenho tentado viver, mas eu morri, naquele dia que você me deu a facada, eu morri!
-Eu também morri. -Tentei não chorar, mas foi inevitável. -Naquele acidente de carro, o Renato que você conhecia, Katia, morreu ali.
-Eu queria tanto acreditar...
-Me perdoe, por favor.
-Não dá, você foi o namorado que me ensinou a odiar. Odiar outros rapazes, odiar minha família, odiar a mim mesma, odiar a Deus.
Sequei as lágrimas, tirei um convite da mochila e anotei meu telefone:
-Quando você conseguir... -Dei um passo a frente e no mesmo instante, Kátia recuou. -Desculpe, quando você conseguir, vai até lá, eles me ajudaram, e eu não merecia ajuda, você pode encontrar essa ajuda também.
Deslizei o convite pela mesa e com inquietação Kátia pegou.
-E mais uma vez me perdoe, eu não pude te amar, não pude te proteger, não pude te ensinar, não pude acreditar na pessoa maravilhosa que você é, porque primeiro eu não acreditava em Deus. Estarei orando todos os dias por você.
Ela não respondeu, virou as costas e saiu.
Respirei fundo e terminei meu último dia de trabalho.
A partir dali comecei a correr com as papeladas, praticamente eu ia para a catedral toda a semana e sempre alguma coisa dava errada.
Era o documento que não estava certo.
Era pendência que eu precisava resolver.
Era o exame que não tinha saído o resultado.
Eram tatuagens.
Era o fato de ter sido preso.
-... Não vou levantar você a pastor, garoto! -O pastor falou. -Imagine se você der a facada em alguém! Eu seria irresponsável com as pessoas.
Naquele dia eu voltei e pela primeira vez eu estava super chateado. Acho que realmente eu não serviria para ser pastor. Ele estava certo, eu tinha a certeza da minha salvação hoje, mas e se amanhã eu voltasse a fazer o que era errado?
Fui até a igreja e me ajoelhei em frente ao Altar:
-Eu só queria te servir... -Chorei. -Eu sei que influenciei muitas pessoas contra o Senhor... E não aceito mais isso, independente se eu for pastor ou não, eu farei o dobro do que fiz, só que dessa vez para ajudar as pessoas, não condena-las.
Me levantei e o obreiro Henrique estava de pé olhando para mim:
-Esta tudo bem?
Olhei para o meu pulso cheio de tatuagem, eu poderia desanimar com aquela palavra, ou poderia continuar insistindo.
-Nao, mas vou ficar.
Meu celular tocou, não tinha o número salvo, então eu atendi:
-Alô?
-Renato?
-Sim, sou eu mesmo.
-Sou o novo pastor da catedral, pastor Leonardo. Tá na fé ainda?
-Sim, senhor.
-Quero que venha aqui para a catedral.
-Sim, senhor. Que dia e que horas? Precisa levar algum documento?
-Já tenho todos os seus documentos e conversei com o bispo. A única coisa que você vai ter que trazer é uma mala.
-Uma mala? -Meu coração bateu acelerado. -É sério?
-A menos que você tenha desistido.
-Nao, senhor!
-Entao você vai ficar morando aqui na catedral, para que eu possa te conhecer e aí sim, veremos o que será feito com você. Até amanhã, Renato!
-Ate amanhã.
Desliguei.
-E aí? -O obreiro perguntou impaciente quando eu fiquei em silêncio.
-Amanha eu vou para a catedral, vou ficar lá agora! -Falei e ele me abraçou comemorando.
Vitor que estava próximo conseguiu ouvir tudo e se aproximou também.
-Cara, não acredito! Meu amigo vai ser pastor!
-Tudo para a glória de Deus. -O obreiro levantou as mãos.
-Achei que eu não servia.
-Deus não escolhe os capacitados, mas capacita quem escolhe. Não temos condições nenhuma, ninguém lá fora nos escolheria, por isso, Ele nos escolhe.
-Eita, que animação é essa? -Vitoria chegou sorrindo e colocando a bolsa em um dos bancos.
-Advinha! O Renato vai ser levantado!
-Serio? Que ótimo! -Ela bateu palmas sorrindo.
-Sim, e aí ele vai ter que ficar na Catedral.
-Na catedral? -O sorriso de Vitória foi se desmanchando. -Como assim?
-É, essa é a parte chata, não iremos vê-lo, porque agora ele vai ter que ser obreiro de lá.
-Ah... Então hoje é seu último dia aqui?
-Sim... -Respondi e ficamos em silêncio. Um silêncio que eu queria ter falado alguma coisa, mas falar o que?
Não adiantava falar que gostava da Vitória naquela altura do campeonato. Eu estava indo embora, não sabia para onde iriam me mandar depois da catedral, e se me mandassem para uma igreja longe?
Não seria justo.
Ela abriu a boca e fechou. Pareceu pensar melhor no que ia dizer e respirou fundo:
-Entao isso é um adeus, né? -Concordei. -Que Deus te abençoe, líder. -Ela sorriu.
-Amem, auxiliar. -Respondi e Vitória deu meia volta e foi para onde Laura estava.
Balancei a cabeça, eu sabia que o foco naquele momento era por algo bem maior.
Almas que ainda não tinham encontrado o Caminho.

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