Capítulo 14 - Saulo

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Saulo

Acordei cedo naquela quarta-feira e fui andando em direção a quadra, fazia alguns dias que eu não ia jogar, não me sentia pronto a encarar a realidade de não ter sido escolhido para o time, mas enchi o peito de coragem e fui, afinal, jogar era o que eu mais gostava de fazer.

Me aproximei da grade de proteção e observei os meninos jogarem, então de longe, Lucas percebeu a minha presença e veio correndo até mim:

-Cara! Onde tu tava? -Ele perguntou. -Eu fui esses dias na tua casa, tua mãe disse que tu tinha saído.

-Eu estava espairecendo a cabeça com meu primo. -Tentei mostrar que aquele assunto não tinha tanta importância, eu era péssimo em mentir e logo Lucas desconfiaria que eu estava roubando por aí.

-Hum, bora bater uma bola?

-Não sei, não. -Abaixei a cabeça.

-Pô, meu. Olha pra mim! -Levantei o olhar para Lucas através da grade. -Tu não pode desistir das coisas assim porque deu errado uma vez! Tanta gente antes de fazer as coisas teve que dar errado antes. Acha que carinha do Facebook acordou um dia, mexeu nos bagulho é pá, fez o face? É óbvio que não, ele deve ter errado um monte de vez! Então pensa comigo, tu pode não ter ido, mas dá próxima quem sabe? Você pode ir, mas pra isso, tu não pode desistir agora! Ti entendeu?

-Quando tu ficou tão inteligente assim? -Perguntei rindo.

Lucas bateu na grade fazendo barulho:

-É sério, bagaça! Bora, põem a chuteira e vem chutar os traseiros desses caras!

Sorri para ele e entrei em campo, jogamos bastante até que finalmente concordamos em dar um tempo.

Eu e Lucas nos sentamos juntos na arquibancada enquanto bebiamos água.

Foi quando um rapaz que passava na rua ao lado do campo junto com outro olharam para nós, ambos trocaram algumas palavras e o mais alto começou a andar decidido em nossa direção e mesmo que o outro não parecesse gostar muito da ideia de vim até nós, correu para acompanha-lo.

-Quem são eles? -Eu perguntei apontando com o queixo.

-Não faço ideia, mas pelo jeito vamos descobrir. -Lucas enfiou um dos comprimidos na boca e tomou o último gole de água.

-E aí! -O mais alto nos cumprimentou. -Tudo bom? -Ele estendeu a mão.

-Tudo bem. -Respondi.

-Meu nome é Henrique e esse aqui é o Daniel. -O rapaz ao lado abriu um sorriso tímido ajeitando os óculos. -Eu estava vendo que vocês jogam...

-Uhum...

-Meu, eu amo assistir futebol. Só que infelizmente eu sou um perna de pau, chuto mais o chão e as canelas dos outros do que a bola!

Nós três começamos a rir e Lucas falou:

-Obrigado, já ia te chamar pra bater uma bolinha com a gente! Tu parece ser gente fina.

-Pô, eu ia chamar pra vocês participarem de um campeonato.

-Campeonato?

-Então eu faço parte de um grupo chamado FJU e eu estou montando um campeonato, vai ser bem daora e vai ter a premiação de primeiro, segundo e terceiro lugar. O time que ganhar vai representar a nossa igreja no campeonato regional.

-Hum, e quantos times já estão nessa? -Perguntei arqueando uma das sobrancelhas.

Henrique hesitou antes de responder:

-Olha, eu ainda não tenho nenhum...

-Ata. -Falei olhando para aquele rapaz, certamente ele queria nos enrolar com alguma conversa fiada.

-Não, cara. -Henrique se sentou ao meu lado. -Deixa eu falar.

-Tá, tô ouvindo.

-Tu pode arranjar quantos times em mãos?

-Quatro. -Respondi.

-Arrebentou! -Henrique comemorou. Meu, quem usava aquela gíria? -Até sábado eu consigo mais três. Topa?

-E se tu não conseguir?

-O que eu acho difícil, mas fico devendo uma pizza. -Henrique sorriu.

-Só uma? -Lucas o olhou como se já fossem velhos amigos.

-Pra cada? -Henrique disse tentando se concertar.

-Fechou. -Estendi a mão. -Um campeonato ou uma pizza, não perco em nada!

-Anota meu número aí!

Anotei o número dos dois e Henrique continuou ali com nós, conversamos muito sobre diversas coisas e não entendia como, mas eu acabava de fazer uma amizade sem interesse algum.

-Bem, já deu o nosso horário. Já está ficando tarde é melhor eu e o Daniel irmos.

Olhei para o rosto de Daniel que parecia aliviado em ir embora. Mas não me importei muito com sua expressão, talvez fosse apenas coisa da minha cabeça, nem todo mundo conseguia ser espontâneo.

-Vai dar seis horas, ainda tá cedo! -Falei.

-Mas eu e o Daniel ainda vamos participar da reunião na igreja hoje, temos que ir se arrumar para não se atrasar.

Arqueei minhas sobrancelhas, nunca que eu diria que os dois eram da igreja. Todas as pessoas que eu conhecia que se diziam de Deus eram meio chatos e viviam dizendo que tudo era pecado e que eu iria pro inferno. Mas em nenhum momento eu havia visto um olhar de julgamento em Henrique pelas tatuagens que eu tinha no braço, ou por Lucas acender um cigarro ali. Ele era uma pessoa normal.

-Perai, esse endereço do campeonato é na igreja? -Olhei pro endereço lembrando da rua e que havia uma igreja pequena próximo a ela.

-Isso! A gente vai colar lá e depois ir pra quadra. -Ele abriu um sorriso. -Vocês querem ir com a gente hoje?

-Ah, não! -Lucas respondeu de prontidão. -Vocês seguem o teu caminho, que nós seguimos o nosso.

Fiquei em silêncio e só concordei com a cabeça, mas confesso que estava curioso para ver aquela igreja que eles iam, que não me olhavam torto e que queriam de alguma forma ser meu amigos.

Bom, pelo visto eu ia descobrir sábado.

Nos despedimos e eu me levantei para esticar as pernas.

-Olha teu primo lá. -Lucas apontou com o queixo para o outro lado onde Yago estava de pé e sorria para mim.

"Bora dar um rolê?" -Ele gesticulou as palavras sem som e eu respirei fundo.

Era o caminho do dinheiro mais fácil o qual eu estava pertencendo.

***

Perdão pelo atraso, amo vocês!

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