Capítulo 90 - Vitória

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Vitória

O evento estava sendo maravilhoso! A catedral de Vicente era enorme, e havíamos conseguido levar muitos jovens, mais do que estávamos esperando, tanto que não coube no ônibus que havíamos alugado e alguns tiveram que ir de ônibus normal.
Eu estava feliz, pensei que se talvez, da outra vez que eu estava ali no meio deles, eu tivesse entregado a minha vida de verdade, eu não teria sofrido tanto.
Deus tentava nos poupar de sofrimento, mas éramos tão cabeças duras.
Me senti tão grata por Deus me dar uma nova chance, eu havia me metido em cada buraco, em cada confusão, como não havia sofrido consequências maiores?
Aquilo tudo tinha só uma explicação, Deus estava guardando.
Eu estava do lado de Laura, enquanto ela parecia meio chateada.
-Ei, um evento desses e parece que você está triste, o que aconteceu?
-Nao estou triste, Tóri.
-Entao por que você tá com essa cara de borocoxo?
Laura olhou para Saulo que estava na nossa frente, batendo palmas e suspirou.
-Tu tá sofrendo por homem?
-Na verdade, acho que ele gosta de mim.
-Ue, menina! Então não entendi o problema, você também sempre pareceu amarradona nele! -Dei uma cotovelada, Laura me fuzilou com o olhar. -Desculpa, estou tentando mudar. Ela riu e eu também. -Mas é sério, Laurinha. Não entendi o problema.
-Tori, ele nunca vai ir falar com o meu pai. Ele acabou de sair da cadeia, acha que meu pai vai deixar quando souber? Na verdade, tenho certeza que ele nem vai pedir.
Respirei fundo.
-Laurinha, entenda que seu pai agora que está vindo na igreja o olhar dele para as pessoas vai ser diferente, porque o olhar do Senhor Jesus foi diferente para ele. Não é questão de preconceito, mas provavelmente seu pai vai esperar o Saulo se ajeitar na vida, os dois precisam ter a mesma visão, se ele não tiver coragem de ir conversar com o seu pai por medo de levar um não, então minha amiga, ele não te merece! -Falei.
Laura concordou.
-Estamos tendo a oportunidade de aprender o amor inteligente, então devemos praticar também. Eu já fui tão burra na vida sentimental, rapazes que pareciam fortes, que todos tinham receio, mas que ao lado deles nunca me senti segura, pelo contrário, falavam que iam matar e morrer por mim. Que tipo de homem é esse? Mas eu não queria enxergar.
-É verdade, Tóri. Vou confiar, no meu pai físico e principalmente, no meu Pai celestial. Se estou tendo a oportunidade, porque não esperar pelo melhor?
-Verdade.
Me sentei ao seu lado e o pastor começou a reunião. Ele falou sobre a entrega dos discípulos, e que muitos eram chamados e poucos eram escolhidos.
Ele mostrou o testemunho de um casal, que haviam vindo para a igreja, se convertido e Deus os havia abençoado muito financeiramente.
Eles tinham casas, empregados, a empresa, mas houve um dia que nasceu o desejo dentro dos dois de servirem como pastor.
E a gente sabe, que o pastor para se dedicar realmente ao ganho de almas, muitas das vezes ele não vai ter nada.
Eles não seriam mais empresários. Sua casa seria incerta, o endereço poderia ser no melhor ou pior lugar. E não teriam empregados, eles seriam servos, servos de pessoas que eles não conheciam, mas que ainda assim eles se colocavam de forma voluntária para ajudar.
E os dois haviam sido enviados para uma comunidade na África, onde a igreja parecia com a minha de tão pequena que era. Lá, mostrou as dificuldades econômicas que os dois passavam. Não porque a igreja não os ajudava, mas porque o local realmente era difícil.
Comida, roupas, moradia, até mesmo água, a esposa do pastor tinha que se levantar cedo e ir até um poço que ficava quase quinze minutos de distância a pé para poder pegar e trazer para a casa para poder realizar os afazeres domésticos.
Mas durante o vídeo, não havia nenhuma reclamação, nenhum arrependimento de ter aberto não de todas aquelas conquistas. Às vezes poderíamos pensar que é apenas porque estavam sendo gravados, mas o prazer com que falavam sobre seu trabalho não tinha como ser fingido.
Eles estavam felizes, para a sociedade pareciam que tinham perdido, mas era como se eles tivessem ganhado o maior prêmio que poderiam ter.
Pensei na minha vida. Eu não tinha muito, não como eles, e sempre havia acreditado que se tivesse muito eu poderia dar a Deus, mas Ele não precisava de ouro, não precisava de prata, Deus já era dono de tudo que víamos e possuíamos.
Mas a minha vida, eu era dona. E era a coisa mais valiosa que eu tinha.
A minha juventude, os meus melhores anos.
Anos que eu poderia me formar, ganhar dinheiro, fazer alguma coisa que para a sociedade era de útil.
Mas para o Reino de Deus, tudo aquilo não acrescentava em nada, a única coisa que importava eram almas.
-Você, jovem que Deus está te incomodando, e você vê que servir a Deus é o que você gostaria de fazer, que está disposto a deixar tudo, para servir a Deus no Altar, seus sonhos, sua vida, seu conforto, pela obra que Deus quer fazer. Venha aqui na frente, eu irei orar por você!
Respirei fundo, eu queria fazer aquilo. Eu entendia que não seria fácil, que seria uma vida de incertezas físicas, mas com certezas de propósitos espirituais. E independente da dificuldade, eu não iria olhar para trás. Eu iria até o fim, custe o que custar.
Sai do meu lugar e fui diante do Altar junto com dezenas de jovens e fechei os olhos.
-Entao se você tem essa fé de se dispôr, você é quem vai fazer essa oração para Deus. Porque é muito fácil eu orar por você, já que um dia eu já fiz essa oração por mim, mas tomar essa atitude, é só você quem pode tomar. A vida é sua, e por maior que seja a minha vontade de que você seja um pastor, uma esposa de pastor, o chamado de Deus é algo individual, algo que é entre Ele e você. -O pastor terminou de orar e deixou apenas o fundo de oração.
Mesmo que eu estivesse ao lado de outros jovens, era como se eu estivesse sozinha diante de Deus.
-Olha, Deus... -Comecei. -O Senhor sabe bem quem sou, sabe bem tudo que já passei, sabe bem que não sou uma pessoa perfeita, mas não estou aqui para me colocar para baixo, isso não seria inteligente, já que luto contra isso todos os dias, porém tenho que dizer, se eu estivesse no seu lugar, eu não me escolheria, eu acredito que no mundo existam muitas pessoas bem mais capazes do que eu. Afinal, é fácil falar que vou suportar qualquer desafio, outra coisa é realmente passar e suportar, mas Deus, mesmo não tendo capacidade nenhuma, assim como seus discípulos, eu me coloco a disposição. Estou disposta a entregar tudo, para poder ajudar outras pessoas.
Nada aconteceu, mas era uma ação que eu tomava, para ter uma reação de Deus.
-Amem! -O pastor terminou a oração e eu abri os olhos. De canto de olho, eu pude vê-lo ao meu lado.
Renato.
Virei o meu rosto e ele também olhou para mim, seu meio sorriso foi capaz de desbancar todo o coração.
Ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas antes que pudesse o pastor o chamou:
-Enquanto vocês vão para os lugares, para finalizarmos o nosso encontro de hoje, eu gostaria de chamar aqui o Renato, para ele contar um pouco, de forma breve o testemunho dele.
Fui para o meu lugar e Renato começou a falar:
-Bem, pastor. Sempre cresci sem ter muito contato com o meu pai, ele trabalhava muito e quase não tinha tempo para a minha mãe. Ele também tinha muitos problemas com álcool e diversas vezes traiu a minha mãe, isso fez com que ela se tornasse uma mulher muito ansiosa e triste, e vivia tomando remédios. Cresci com muita raiva dele, mas para mim, a pior coisa foi quando ele resolveu sair de casa. E o motivo não foram as bebidas ou outros relacionamentos. Foi porque ele havia começado a ir a igreja e a minha mãe não queria ir, então, soube apenas anos depois que ela pediu para ele sair de casa.
-Sua mãe ao invés de ficar feliz porque ele havia deixado de beber e de trair, mandou ele embora porque ele estava indo para a igreja?
-Sim, ela pensava que ele tinha outra esposa na igreja, e por isso, estava indo, já que sempre, meu pai nunca havia sequer mostrado nenhum interesse em ir a igreja. Depois disso, minha mãe entrou em uma depressão profunda, não saia de casa, foram meses muito difíceis. Eu já estava envolvido com o mundo gótico, então eu também me afundei, fiz várias tatuagens, coloquei piercings pelo corpo, usava lentes de contato coloridas e descoloria o cabelo. Fazia tudo isso porque tinha uma mágoa enorme do meu pai, e por ser filho dele eu sempre me pareci muito com ele em questão física. E isso me dava um ódio, porque o que eu menos queria era me parecer com alguém que havia nos causado tanto mal. E nesse interino, meu pai na igreja fazendo votos e orando por nós. Lembro de um dia, havia passado a noite em claro porque não conseguia dormir, estávamos na rua, bebemos bastante, fiz uma tatuagem sem nenhum cuidado, pronto para pegar uma infecção. Nesse dia, eu fui até a porta de uma igreja e chutei ela inteira, joguei a tinta na parede... Olha só de pensar nas coisas que eu fiz por causa da mágoa, fico pensando na misericórdia que Deus teve comigo.
-Eu lembro desse dia. -O obreiro Henrique comentou baixinho. -Tive que ajudar o pastor Samuel com a porta e a parede.
-E aí, minha mãe aceitou o convite do meu pai, foi e começou a ficar bem. Eu fui até algumas vezes com ela, e mesmo ficando bem o orgulho era maior. Continuei naquela vida, com depressão, não saia do quarto, mesmo o obreiro da igreja indo lá, tentando cuidar de mim, eu não deixava, tinha sofrido uma decepção enorme na minha vida amorosa que me fez tomar a pior atitude da minha vida. Sai de casa com uma faca para machucar a minha ex namorada, não sei como, mas hoje vejo que tudo é espiritual, porque quando realmente dei por mim já havia feito a besteira, e a única coisa que consegui fazer foi pegar o carro e fugir dali. Foi quando sofri o acidente, fiquei entre a vida e a morte, tive três paradas cardíacas, até hoje os médicos não sabem como eu sobrevivi, mas ali eu vi que Deus me deu uma nova oportunidade, por isso, hoje eu escolho o Caminho dele, minha vida se transformou, minha família se transformou e eu só tenho a agradecer.
-E hoje você tem o desejo de servir a Deus como pastor?
-Sim, senhor. Consegui perdoar o meu pai, deixei todas aquelas tentativas de não me parecer com ele, pelo contrário, hoje fico feliz quando alguém fala que somos parecidos, porque ele se tornou um exemplo de homem de Deus para mim, que mesmo quando não parecia ter nenhum jeito e mesmo que ele não pudesse fazer nada demais, ele nunca deixou de usar a fé, sempre lutou por mim, a maior guerra não é a que todo mundo vê, é aquela que você enfrenta sozinho com Deus. Quando deixei de lutar contra Deus e passei a lutar com Ele, pude entender isso.
-Ta ligado, pessoal! -O pastor sorriu e abraçou o Renato. -Depois disso, quero que vocês entendam que sempre vai existir uma solução para você, até quando parecer que não. Vamos ficar de pé para fazer a última oração.
Todos os jovens se levantaram e fecharam os olhos. Alguém tocou o meu braço, antes de abrir os olhos, eu já sabia quem era.
-Depois da reunião tem como você esperar? Eu precisava falar com você. -Renato falou sério.
-Eu vou embora junto com todo mundo, se você demorar, não vou te esperar.
Ele mordeu o lábio e concordou saindo.
Quando acabou a reunião o obreiro Henrique pediu para que todos ficassem sentados enquanto ele ligava para saber aonde o motorista do nosso ônibus iria nos esperar.
A obreira Jacqueline aproveitou o momento para ir com outras jovens que queriam ao banheiro.
Permaneci sentada ao lado de Laura, enquanto tirávamos algumas fotos.
-Vamos? -O obreiro perguntou quando já estava todo mundo reunido.
-O ônibus já chegou? -O obreiro Daniel perguntou.
-Já sim, me ajudem a ficar de olho para ninguém se perder.
Olhei para o salão, ainda haviam muitos jovens, mas nenhum sinal dele.
Suspirei, provavelmente ele tinha muitas outras coisas para resolver.
-Vitoria! -Alguem chamou quando eu estava passando pela porta. Olhei para trás, mas não consegui vê-lo. -Vitoria, me espera!
Renato surgiu agachado, tentando passar pelos jovens e correu até mim.
-Vitoria, preciso falar com você!
-Pode falar!
-Vitoria, vamos! O ônibus está nos esperando! -O obreiro Daniel nos apressou.
-Ai meu Deus. -Renato sussurrou assustado. -Tudo bem, lá vai. Olha, eu quero servir a Deus, e isso você já sabe. E eu sei que eu vou precisar de alguém do meu lado, que esteja disposta a servir a Deus acima de tudo. Quando cheguei a igreja eu te tratei mal porque você é muito bonita.
-Voce sabe que isso não faz sentido nenhum...
-Porque eu sabia que se ficasse perto de você eu corria o risco de me apaixonar. E foi o que aconteceu, mas eu não sabia, não sabia se essa vida de pastor era o que você idealizava para si, ajudar outras pessoas sem se importar com mais nada. Por isso, nunca falei isso. Não seria justo. Mas hoje, na oração ao ver você ali.
-Renato, você sabe que até a gente ficar juntos mesmo, possa ser que demore...
-E se for da vontade de Deus e da sua, eu gostaria de te esperar, se você esperar por mim também.
-Vitoria! -Alguem me chamou, mas eu só conseguia sorrir e olhar para Renato. -Vamos embora!
Sim, eu diria sim, várias vezes, quantas vezes fosse necessário. Renato era o que nenhum outro rapaz havia sido. Educado, gentil e conseguia passar uma segurança. A segurança de que independente da situação, ele cuidaria de mim, como Jesus cuidava.
-E aí? -Ele perguntou ansioso quando fiquei em silêncio. -Eu falei rápido demais? É que você tem que ir embora e eu não sei quando vou vê-la novamente, e...
-Sim! -Falei e dei um pulo. -Eu espero por você, Renato.
-Sim! -Ele deu um pulo.
-Vitoria, eu vim te buscar, se não o obreiro é capaz de dar a luz! -Vivian apareceu. -E to falando do obreiro Henrique, tu sabe como ele é!
-Sim! -Falei e não conseguia parar de sorrir. -Tchau, Renato!
-Tchau, Vitória!
Deixei ser puxada pela minha irmã até o ônibus que no meio do caminho sussurrou no meu ouvido:
-Depois você vai me contar, em mocinha!
-Nao tem nada para contar... Ainda.
Nós duas rimos e entramos dentro do ônibus que nos levaria de volta ao caminho de casa.
Enquanto o obreiro Henrique orava pela nossa volta para casa, agradeci.
Agradeci pela vida de cada jovem.
Agradeci pela minha vida.
Agradeci pelo Caminho que o Senhor Jesus havia nos mostrado.

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⏰ Última atualização: Jul 17, 2023 ⏰

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