Henrique
-Obrigada por ter vindo! -A mãe de Renato me recebeu em sua casa. -Sei que a minha casa fica meio longe da igreja, mas é que eu não sei o que fazer, já fazem dias que o Nato não sai do quarto, não come, não toma banho e não fala o que está acontecendo... -Ela ia falando enquanto eu a seguia pela enorme casa. -O pior é que nem aqueles amigos que ele tinha no mundo vieram atrás dele para saber o que está acontecendo, nem a namorada veio aqui. Acho que eles brigaram, não sei...
-Então, dona Rosana. Agora podemos ver quem realmente se importa com o bem-estar do seu filho, vamos crer que ele perceba de uma vez que esses não são amigos de verdade.
-Sim, obreiro. Eu espero! O senhor quer um café? Alguma coisa para comer?
-Não, obrigado. Eu só quero ver mesmo o Renato.
-É claro. Venha, vou levá-lo até o quarto dele.
Subimos uma escada enorme e entramos em um corredor, a porta do quarto de Renato era um pouco diferente das demais, estava manchada e arranhada, imaginei que se estava assim do lado de fora, pensava como estava o lado de dentro.
-Filho? -Rosana bateu na porta. -Abre aqui, tenho uma visita para você!
-Já disse que não quero ver ninguém! -A voz de Renato veio até nós abafada.
Rosana olhou para mim e acenei para que ela me desse a oportunidade de falar com Renato.
-Renato, sou eu, o Henrique da igreja. -Falei olhando para a porta. -Deixa eu entrar.
Silêncio, quando achei que realmente Renato não iria abrir a porta, a maçaneta começou a mover e Rosana acenou com a cabeça sinalizando que nos deixaria a sós.
Entrei no quarto, estava escuro e abafado. Apenas com a luz do corredor, pude ver o rapaz voltando para a sua cama e se cobrindo.
-Fecha a porta. -Ele sussurrou.
-Certo... -Fechei e ficamos na escuridão completa.
Aos poucos, minha visão foi se acostumando com o lugar e andei até onde ele estava, ao me apaixonar não pude deixar de sentir o odor de suor e mau cheiro que vinha dele.
-Você quer me contar o que está acontecendo?
-Eu não queria falar com ninguém, sabe? Até agora eu não sei porque deixei você entrar, mas de alguma forma, eu confio em você. -Ele falou e eu podia sentir a tristeza em sua voz. -Minha namorada me traiu com o meu melhor amigo, mas não é só isso, sabe, acho que esse foi o ponto final. Nenhum deles gostam de mim de verdade, eles só ficam ao meu lado porque não tem coisa melhor para fazer. Nenhum deles querem que eu fique bem, sempre que penso que estou melhor, eles me colocam lá embaixo, seja com palavras ou atitudes, por mais que eu tente, não consigo ser igual a eles. Tento fingir que isso não me atinge, mas machuca, porque todos os meus esforços são em vão. Estou cansado de tentar ser alguém que eu não sou apenas para agrada-los, se essa pessoa não consegue agradar, imagine eu mesmo? Ninguém iria querer ser amigo de alguém como eu. Uma pessoa tão amargurada, triste e rancorosa. Não sei ser um bom namorado, um bom amigo, ou um bom filho. Não sou uma boa pessoa, por isso, não sinto vontade de fazer mais nada, sabe? Não quero ver ninguém, não quero falar, só quero dormir e não acordar mais.
Estava escuro, mas pude escutar os suspiros do jovem, dava para imagina-lo chorando.
-Olha, Renato. Isso não é vida que se vive, e acredito que você não quer mais ter que fingir ser alguém que não é, por isso, você sabe que tem uma pessoa que não liga para isso e que te aceita de verdade, não sabe?
-Você vai falar de Jesus, não é?
-Sim. Ele sabe quem você é, e mesmo assim quer ser o seu melhor amigo. Sem nenhuma traição, sem nenhum interesse e sem nenhum fingimento, Ele te ama pelo que você é.
-Eu sou tão cabeça dura...
-Olha, você foi até a igreja, deixou que eu orasse por você, foi fácil?
-Não, porque eu odeio a igreja.
-Mas quem está aqui?
-Você, que é da igreja.
-Pois é, quem mais você criticou em todos esses meses foi a única coisa que veio te ajudar, e que realmente vive experimentou e viu que funciona.
-Você tem razão. -Renato falou depois de algum tempo. -Depois daquele dia em que eu fui, eu fiquei tão bem... Mas ainda não consigo entender como isso pode afastar meu pai da minha família, Henrique! Eu sei que estou mal, e sei no buraco que eu me enfiei, mas parece que eu entrei aqui por causa dele, sempre que penso em tudo isso, eu tenho uma raiva tão grande, mesmo que agora a minha mãe esteja bem, mesmo conhecendo o trabalho da igreja, mesmo entendendo que Jesus quer me ajudar...
-Acho que para você conseguir ajeitar tudo isso, o primeiro passo é você conversar com o seu pai.
-Conversar com o meu pai? -Ele me olhou desacreditado. -Desculpa, Henrique. Você pode me pedir qualquer coisa, menos isso.
-Você não vai sair dessa escuridão se não abrir mão do que está te prendendo aí!
-Você não entende! -Ele gritou. -Tudo bem que a minha mãe está melhor agora, mas só eu sei o que eu sofri com ela durante aqueles dias! As intermináveis noites! O choro incessante! Ela pode até perdoar ele, tentar fingir que nada aconteceu, mas eu não consigo! Eu não consigo perdoa-lo, porque quando eu mais precisei, meu pai não estava aqui!
-Mas Jesus estava... - Tentei argumentar, mas Renato se levantou da cama e foi em direção a porta.
-Foi uma péssima ideia você ter vindo aqui. -Ele abriu sinalizando para eu sair.
-Renato, você precisa me escutar...
-Já escutei, agora me deixa em paz!
-Que paz você vai ter? Enquanto você não perdoar o seu pai, você não vai conseguir seguir em frente! Todas essas coisas vão continuar te consumindo! -Tentei me aproximar para tocar em seu ombro, mas Renato recuou.
-Eu vou encontrar um meio de ter paz, nem que seja morrendo.
-Você sabe que morrer não vai te dar paz, pelo contrário, vai aumentar o seu tormento... -Ele não deixou eu terminar de falar, simplesmente fechou a porta do quarto com força, me deixando no corredor sozinho.
Tirei um pequeno frasco de azeite que eu carregava comigo e ungi a porta do quarto, assim como os filhos de Israel ungiram as ombreiras das portas de suas casas, para que quando o anjo da morte passasse, não tocasse em suas famílias.
Por mais que o mal tentasse, ele não tocaria na alma de Renato, poderia até tocar no corpo, mas eu cria que a alma dele seria salva daquela escuridão.
Porque Jesus é a luz do mundo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O CAMINHO
SpiritualA vida de Henrique virou de cabeça para baixo, quando sua mãe contraiu diversas dívidas para tentar tirar seu irmão, Heitor do mundo do crime e das drogas. Agora ele se depara em morar em uma comunidade do outro lado da Ponte do Silêncio em um barra...