Capítulo 17 - Vitor

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Vitor

Era véspera de ano novo e os fogos de artifício riscavam o céu da favela.

Era pra ser uma data feliz, a virada do ano de dois mil e sete. Mesmo que a situação financeira não fosse muito boa, cada família se juntava como podia e todos tentavam esquecer suas diferenças e faziam novas metas para o novo ano.

Era assim com a maioria das famílias, menos com a minha.

Aquela virada de ano, iria virar minha vida de cabeça para baixo totalmente.

-Garoto assim que os fogos começarem pra valer, você não vai nem escutar o som da bala atravessando seu crânio. -O homem ria e as minhas costas suavam frio.

Eu não queria morrer, na verdade, eu tinha medo de morrer, o que aconteceria depois?

Minhas pernas tremiam e meu coração batia acelerado. Minha garganta parecia estar se fechando e senti o ar faltando.

Eu estava desesperado.

Foi quando a porta se abriu e meu pai entrou. Tudo aconteceu muito rápido e os homens que estavam me mantendo refém foram ao chão num piscar de olhos.

-E aí, garotão! -Ele sorriu para mim tentando me tranquilizar, eu nunca havia me incomodado com o fato de meu pai mexer com coisas erradas, na verdade, até aquele momento eu não sabia que aquilo era errado.

Afinal, onde eu morava todos viviam assim, então se nenhuma alternativa diferente de realidade nos é apresentada, basicamente acreditamos que a que vivemos é a única.

Meu pai me desamarrou e me abraçou fortemente.

-Vamos para casa.

Me levantei ainda meio estático por conta do medo e então escutei um disparo e um gemido escapando dos lábios do meu pai.

-Isso é para você aprender. -Santista estava jogado no chão, seu rosto pálido e sua camisa cheia de sangue mostravam que aquelas seriam suas últimas palavras. -No tráfico a gente não tem família, o amor é fraqueza, o amor é o que nos destrói.

Meu pai caiu de joelhos no chão e levou a mão sobre o peito e quando a retirou, havia sangue.

-Pai! -Minha voz sumiu.

-Meu fi... -O corpo de meu pai caiu no chão com força e eu me ajoelhei do seu lado com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.

O amor que meu pai tinha por mim o havia matado.

Acordei com o coração martelando contra as minhas costelas e buscando ar para dentro dos meus pulmões. Já se faziam treze anos e mesmo assim a dor que aquela ferida causava era como se tivesse sido feita ontem.

Minha testa estava suada e a fraca luz da lua que entrava pela janela iluminava o quarto. Olhei para o lado onde Lili dormia tranquilamente.

Depois que meu pai havia sido morto eu sabia o quanto era perigoso amar alguém, ainda mais quando você tinha muitos inimigos. O amor poderia ser a salvação, mas na vida que eu levava, era uma arma que poderiam usar contra mim.

Mas era inevitável não amar aquela pessoa que dependia de mim. Ela só tinha a mim e eu só tinha a ela.

-Sabe que é muito estranho vigiar sua irmã quando ela está dormindo? -Ela falou com os olhos fechados e abrindo um sorriso.

Sorri de volta. Menina esperta!

-Foi mal...

Ela abriu os olhos:

-Não está conseguindo dormir de novo? Está tendo pesadelos, quer conversar sobre?

-Não. -Minha voz soou fria e distante. Eu a amava, mas não deveria amar.

-Tu não tem que me afastar toda vez, Vitor.

-Não estou te afastando.

Ah, estou sim.

-Beleza, vou esquentar um leite pra nós tomar com umas bolachas. -Ela falou se levantando.

-Por quê?

-Além de ser uma das únicas coisas que eu sei fazer, que é ferver leite e digamos de passagem eu sou quase Master Chef nisso... Eu sei que o papai fazia isso para te acalmar quando você não conseguia dormir.

Não respondi, Lili já estava se dirigindo a cozinha. Eu era péssimo em demonstrar emoções. Sentei me a mesa e esperei pacientemente enquanto ela arrumava as coisas.

Por mais que eu tentasse afasta-la, Lili era parte de mim. Não apenas o laço que tínhamos de sangue, mas era inevitável expulsa-la de um lugar que era seu por direito, o meu coração.

Ela se sentou e me entregou um copo enorme cheio de leite e as bolachas, nós comemos em silêncio e olhei para minha irmã.

Quando nosso pai morreu, Liliane só tinha apenas nove anos e mesmo que eu só fosse quatro anos mais velho que ela, eu a tratava como se ela fosse uma criança.

-Como está a escola? -Um assunto super normal às três horas da manhã.

-Está tudo bem, ainda não tive motivos suficientes para largar os estudos.

-E não vai ter, já basta um de nós não ter terminado de estudar. -Ri amargamente.

-Fica tranquilo, eu vou continuar por nós dois. -O olhar de Lili era intenso. -Eu vou conseguir tirar a gente daqui. -Ela pegou a minha mão. -E você não vai mais precisar fingir que não é meu irmão, ou que não sente nada pelos outros. Você vai poder ser uma pessoa normal.

Sorri de volta, mas eu sabia que não era bem assim que as coisas funcionavam. Quando nós estávamos quebrados, nada fazia com que voltássemos como éramos antes.

Infelizmente eu estava quebrado de mais para tentar um novo caminho.

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