Capítulo 10 - Vitor

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Vitor

A arma estava totalmente calibrada, em cima da laje eu tinha uma visão completa do lado esquerdo da principal entrada da viela.

-Então, jovem o negócio é o seguinte. -Falei pro garoto que estava do meu lado, enquanto nós dois olhavamos um homem de meia idade que seguia tranquilamente pela viela. -Muitos tiras vem na nossa quebrada disfarçados de moradores e compradores do produto, mas apenas fazem isso pra analisar o nosso trampo e saber como nós desenvolve... E aí que nós entra parceiro. -Olhei para o homem que ainda andava distraido, certamente não fazia ideia de que nós o vigiava. -Temos que identificar esses vermes e pá! Bala neles!

-Canela e se for e estiver armado?

-Nós entra em combate.

-Tu não tem medo não?

Continuei olhando para o homem que estava parado na ponta da viela falando ao telefone. Fazia tempo que eu não sabia o que era sentir medo, eu já havia perdido tanta coisa, casa, pais e até namorada... Eu não tinha pelo que temer, sentir medo era algo de pessoas fracas, e o tráfico precisava de mim, eu estava ali, pronto para qualquer momento arriscar a minha vida, porque viver era tedioso de mais.

Eu não tinha misericórdia por mim, quem dirá teria por outros.

Antes que eu precisasse responder o garoto, Miúdo veio correndo até mim:

-Canela, os caras do morro do Promorar estão aqui!

Me levantei rapidamente:

-Por onde eles estão invadindo?

-O patamar três.

Fiz a menção de começar a segui-lo, mas o rapaz que estava comigo me chamou:

-Canela, e o carinha aqui?

-Ele não é tira. -Respondi sem rodeios.

-Como tu sabe?

-O cara tá com o nariz branco de pó, véi. Tira não usa esses bagulhos não.

***

-Por favor... -Nascimento implorou tossindo enquanto o sangue escorria de suas narinas. -Deixa eu ir embora.

Limpei minhas mãos e peguei a arma de volta que Zequinha tava segurando.

-Todos os cara foram embora, os que não foram, foram mortos. -Luciano falou se aproximando de nós.

-Então quer dizer que te deixaram na mão? -Olhei para a arma.

-Sério, me deixa ir cara... Se tu me matar eles vão vim atrás de tu.

-Se você não o matar, Canela, ele vai vim atrás de tu.

-Não, por favor... Você não tem misericórdia?

Peguei a arma e dei com o cano em seu rosto abrindo mais um corte em sua testa.

-Você sabe quem sou eu? -Perguntei enquanto o outro gemia de dor. -Eu não deixei os outros vivos, porque eu deixaria você? Tua vida acabou no momento em que você cruzou comigo.

-Você ainda vai pagar por isso. -Ele sussurrou e fechou os olhos.

Apontei a arma em direção a testa e sem hesitar puxei o gatilho.

Mais um corpo inerte no chão e eu não sentia nada em relação aquilo, tentava me lembrar de quando foi a última vez que eu sentia remorso, ou que aquilo voltasse para me atormentar a noite, mas era difícil.

Era fácil entrar no mundo do tráfico, era fácil tirar a vida de outras pessoas, difícil era procurar alguma vida em mim.

Alguns rapazes batiam nas minhas costas e comemoravam pela Vila não ter tido consequências graves por causa da invasão de última hora.

-Sabe, seu nome deveria mudar de Canela pra Matador! -Zequinha sorriu. -Cara, tu é medonho!

Mas eu não me sentia poderoso, nem nada. Na verdade não sentia quase nada. Me despedi dos cara e fui andando pela viela até chegar a casa rosa:

-Pâmela? -Chamei empurrando a porta.

-Oh, Vi! -Lili veio correndo até mim e me abraçou.

Baguncei seus cabelos e sorri:

-Passou o dia bem aqui com a Pâmela?

-Sim! -Minha irmã concordou e seus olhos recaíram sobre a manga da minha camiseta. -Vitor, o que é isso? -Ela me analisou com seus olhos enormes e verdes que havia puxado de seu pai.

Olhei para a manga da minha camiseta e vi algumas gotas de sangue. Liliane só tinha quatorze anos, ela sabia o que eu fazia e tinha uma ideia superficial do tráfico e quando havia combate. Ou eu matava, ou eu morria.

-Não é meu. -Engoli em seco.

-Mas poderia ser. -Ela desviou o olhar.

-Vitor, oi. -Pâmela apareceu sorrindo na pequena sala, me livrando de ter que responder minha irmã.

Liliane se virou e disse que me esperaria do lado de fora enquanto eu agradecia mais uma vez a jovem por ter ficado com ela.

-Valeu por ter ficado com ela novamente, no fim do mês eu acerto contigo.

-Tu sabe que não é problema nenhum eu ficar com ela. -Pâmela se aproximou de mim e seu perfume suave entrou no meu nariz, fazendo me lembrar de quando éramos namorados. -Sabe, hoje a Lili me perguntou porque nós não estávamos mais juntos... Vê, Vitor? Até uma criança sabe dos sentimentos que temos um pelo outro! -Ela olhava para mim, mas eu não a encarava de volta. -Eu não entendo, por que não podemos ficar juntos? Por que as coisas tem que ser assim?

-Tu sabe, Pam. -Respirei fundo. -Não podemos ficar juntos, todo mundo sabia que tu era a minha mina, eles só querem uma coisinha pra tentar me machucar. Não posso me dar o luxo de ter coisas que eu me importo.

-Eu não tenho medo, Vitor.

-Pois deveria, ter medo dessas pessoas e principalmente de mim. -Falei e finalmente olhei para ela. Eu havia acabado de matar um homem sem pensar duas vezes, como alguém poderia achar que eu tinha algum sentimento dentro de mim?

-Eu te conheço, Vitor! -Ela tocou em meu braço e sem pensar muito bem no que eu estava fazendo a empurrei contra a parede do barraco o balançando inteiro.

-Você não me conhece.

-Você não é um monstro. -Sua voz era um fio e seus olhos brilhavam com lágrimas.

Soltei seus ombros e me virei para ir embora. Liliane estava na porta e havia visto tudo, caminhavamos em silêncio e eu não sabia o que dizer.

-Vai ser um dia desses que talvez você não volte para casa. -Ela falou quando chegamos na porta de casa.

Me inclinei para estar com o rosto próximo ao seu. Como ela lembrava a nossa mãe!

-Eu sempre vou voltar para tu. Tu nunca vai precisar vim pelo caminho que eu tô, porque eu sempre vou voltar pra ti.

Liliane me abraçou, eu não sabia como reagir a todas as investidas de carinho entre irmãos, na verdade não sabia reagir nenhuma de nenhuma pessoa.

Mas coloquei meus braços ao seu redor, eu não queria jamais que ela vivesse o mesmo caminho que eu havia escolhido.

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