Dei minha aula com peso na consciência de ter me metido e me ferrado, peso por mim, não por ele, porque eu não merecia aquele tratamento.
Ver a filhinha dele me abraçando, me dando amor, me fazia pensar o quão oposto dele ela era. Com certeza era a Sarah nela, mesmo sem conhecer, já sabia que era uma pessoa maravilhosa.
Dei tchau para as meninas com aperto no coração de saber que não as veria mais, mesmo sem elas saberem. Eu tinha me apegado muito.
Guardei as coisas na bolsa, coloquei meu celular no meu bolso, respirei fundo e fechei a sala. Meu andar era o de cima e de lá eu já conseguia enxergar o Patrick sentado no último degrau com a cabeça enterrada no joelho.
Desci as escadas de cabeça erguida sem nem olhar pra ele, sem nem fazer barulho pra não chamar atenção.
— Alicia? — ele me chamou com a voz mansa bem diferente de antes. Olhei pra ele com desprezo sem dizer uma palavra. — Senta aqui rapidinho só pra eu trocar uma ideia com você.
— Não quero, meu assunto com você se encerrou, inclusive peço demissão. — disse decidida e me virei pra sair.
— Não! — ele falou mais alto e se levantou. — Juro que vou tomar só cinco minutos do seu tempo e depois você faz o que quiser.
Por orgulho eu queria negar, mas como eu odiava conflito eu passei por ele voltando pra escada e me sentei. Só ouviria, nem falaria nada.
Senti um suspiro de alívio da parte dele e se sentou de volta ao meu lado.
— Meu pai veio aqui alegando que ele estava nos últimos passos pra tirar a academia de mim, me mostrou um documento e eu simplesmente surtei. — quis arregalar os olhos, mas me mantive na pose. — Ele sempre acabou e acaba até hoje com minha vida. Primeiro foi ver os mal tratos dele com minha mãe, depois foi ver ela ter que forjar a própria morte, meus avós irem embora pra dar amparo à ela, e agora isso. A academia é a única coisa que eu tenho dela, isso aqui é dela, e a única coisa que me mantém bem de algum jeito. Quando ele saiu daqui com um sorriso vitorioso no rosto, me fodeu de um jeito que eu não consigo te explicar.
— Por que você tá me contando isso? — perguntei séria.
— O ponto é: eu não quis falar com você daquele jeito, eu me vi num pesadelo e tomado de ódio por esse cara, mas eu nunca quis te tratar desse jeito, Alicia, não você. — ele disse pegando na minha mão.
— É aí que tá. — ri sarcástica. — Você não deveria tratar ninguém assim, ninguém. E eu não quero vínculo com alguém como você. — me levantei tirando a mão dele da minha.
— Mas eu tô te pedindo desculpas, Ali. Eu nem sou de fazer isso, mas você é uma mina gente boa, que sempre me tratou bem apesar dos pesares, po, eu tava fragilizado pra caralho. — se levantou também parando na minha frente. — Eu não queria, não planejei, mas agora toda hora que te olho sinto vontade de te beijar, de falar com você, já que tenho tantos problemas e seu jeito me faz esquecer um pouco. — ele disse colocando a mão no meu rosto e tirando o cabelo da minha boca. Respirei fundo engolindo.
Ele não fez cena e colou nossos lábios num selinho. Eu cedi por alguns segundos, mas me afastei. Eu não conseguia resistir a ele, ama precisava.
Ele me olhou sem entender.
— Eu até queria te desculpar, Patrick, como queria, e até desculpo, mas eu escolho me afastar de você. Todas as vezes que presenciei esses seus "surtos" eu me senti mal e confusa por você depois, sempre absorvi, e eu não sou assim. Infelizmente você não me faz bem em nenhum aspecto. Hoje cheguei determinada a deixar de lado meu bloqueio toda vez e entregar logo a minha vontade, mas você me tratou daquele jeito. Já deu pra mim. Posso parecer exagerada pra você, e até pra muitos, mas eu sou assim. — disse sincera e aliviada por ter dito exatamente o que eu queria falar. — Agora vou embora!
— Espera. — ele segurou meu braço e eu olhei pra ele nervosa já. — Você pode se afastar de mim, mas não sai daqui. Eu sei que você precisa do emprego e não quero apelar, mas a minha filha adora você e o ballet, não faz isso.
— Só porque eu preciso mesmo e porque eu amo o que eu faço, minhas alunas e até a sua filha. — ele assentiu satisfeito. — Agora posso? — olhei pro meu braço que ele ainda segurava.
Ele soltou e eu passei por ele. Eu tava torcendo pra que ninguém demais tivesse visto isso, por onde eu vi só pessoas que com certeza não conheciam o Daniel e se conheciam, sem contato nenhum.
Ao contrário do que eu imaginava, eu até sai bem e leve. Precisava falar tudo que eu tinha pra falar pra ele mesmo e acabou que não me demiti.
Tava realmente com o c* na mão de largar meu emprego, pelo dinheiro e pelo carinho, mas pelo menos ele insistiu e quebrou meu orgulho.
Cheguei em casa e as meninas estavam comendo pipoca assistindo algo na tv, Jade mais naquele caderninho dela do que assistindo, dei um oizinho pra elas e fui tomar um banho de tão cansada que eu tava.
Coloquei um pijama bem confortável e me joguei no meio delas enchendo minha boca de pipoca.
— Cadê o José? — disse com a boca cheia.
— Já veio, já transamos, já foi embora. — ela contou e eu arregalei os olhos.
— Como foi? — perguntei animada e curiosa.
— Foi bom, mas a gente quer falar de você agora! — ela disse desligando a tv e se sentando na minha direção. — Pare de escrever aí, chata.
Jade assentiu rindo de distraída e se virou pra mim também. Franzi as sobrancelhas completamente sem entender.
— Que história é essa que o Patrick gritou com você na frente de geral da academia? — ela cruzou os braços.
— Aí meu Deus, José é maria fifi?— ri de nervoso. Elas permanceram sérias pra mim querendo respostas. — Nada demais, fui tentar acalmar ele que tava surtando e ele reagiu dessa forma.
— Nada demais? — Jade disse com um bico.
— Ele conversou comigo, eu entendo ele, mas já cortei laços e tá tudo bem. — falei pegando mais pipoca.
— Como assim, dona Alicia? Desde quando vocês criaram laços? — Duda perguntou curiosa.
— Nós nos beijamos na resenha, ok? E no dia seguinte, e hoje também... — abri o bico.
Elas quase pularam do sofá com o olho arregalado do tamanho do mundo e de boca aberta.
— E HOJE TAMBÉM? what fuck, Alicia Ferraz? — Duda se fez confusa e indignada.
— Para, Duda! Você mesmo deve saber do temperamento dele, conhece a mais tempo do que eu, eu entendi o que aconteceu, o problema, mas já decidi me afastar, até falei isso pra ele, burra eu seria se continuasse. — falei.
— Decidiu se afastar beijando ele? — Jade debochou.
— Isso foi antes, tá? — me fiz. — Aí gente, não posso negar, a atração que eu sinto por ele é bizarra, mas e daí? Já passou, next.
— Meu Deus Alicia, você é única. — Duda gargalhou alto. — Mas não aceite ele falando assim com você nunca mais, ok?
Eu assenti. — qual é a boa de amanhã?
— Resenha na casa do José, levar o que for consumir, só os mais íntimos.
— Patrick vai estar lá? — ela assentiu. — Vou levar Daniel então.
— Só arruma merda. — Jade falou e nós começamos a rir.
Queria mais era viver e dane-se o resto. Pelo menos eu estava bem e tinha deixado ele no seu devido lugar.

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Era uma vez, Ali
Fanfictionautora: juwebs_ Quando Tina, a filha mais velha de um casal, completa 10 anos de idade, seu pai conta a história do grande amor da sua vida... e uma história de amor nunca foi tão difícil de ser contada: uma mulher sonhadora, dois amores, alguns ami...