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Tudo se apagou não por um desmaio e sim por um completo ataque de pânico, por uma sensação de vazio incompreensível, uma falta de ar que te desespera e uma dor que te faz chorar.

Eu não podia perder o amor da minha vida no dia do nosso casamento e muito menos nunca. O que eu seria sem, Alicia? O que eu diria para as minhas filhas? Como eu viveria sem poder vê-la sorrir?

Só fui me encontrar quando vi de longe Sarah sentada na cadeira da recepção com as pernas batendo de nervoso no chão. Corri até ela que levantou e me abraçou forte.

Foi aí que eu não conseguia parar de chorar. Ela só me dizia "tá tudo bem" com a voz trêmula também e fazendo carinho nas minhas costas.

— Diz o que aconteceu, Patrick! — Matheus disse com a voz grossa.

Se eu fosse o cara de antes, eu viraria um soco na cara dele no mesmo segundo. No momento do desespero o cara quer falar assim comigo e ainda me apressar? Mas como eu entendia a dor dele, me desvinculei de Sarah e me virei pra eles recuperando a voz.

— Respira antes, calma, respira e fala. — Sarah disse ainda acarinhando minhas costas.

— Não, eu quero saber, me diz o que aconteceu com ela?! — ele apertou forte meus braços me chacoalhando.

Eu conseguia enxergar a mesma dor que eu sentia nos olhos dele marejados.

— Matheus, para! — Eduarda puxou ele.

— Não! — ele puxou o braço de volta com força. — Fala Patrick.

— Ela... ela... eles estão com ela, ela apagou... apagou depois que Scar... Scar, ela nasceu. — disse gaguejando sem prestar atenção em nada.

Ele levou a mão na cabeça igualzinho eu fazia e foi pra janela da sala de espera. Eu conhecia aquele semblante e sabia que ele queria gritar pro mundo assim como eu.

Eduarda foi atrás dele chorando e Phelipe sentou com Jade a consolando que parecia em choque.

— Você precisa se acalmar, você precisa. — Sarah veio pra minha frente. — Patrick, olha pra mim! — ela segurou meu rosto. — Se acalma e tenha força.

— Mas ela apagou Sarah, como você quer que eu me acalme? — disse com medo.

— Mas eles estão fazendo o trabalho deles e se Deus quiser em breve ela estará conosco. Por enquanto agradeça que sua filha está viva e bem. — ela disse e eu assenti tentando absorver alguma coisa pelo menos.

— Gente?! — Sarah chamou nossa atenção aumentando o tom de voz.

Eduarda abraçou Matheus trazendo ele pra perto e olhamos pra ela. Todos estávamos com os olhos vermelhos, inclusive o Phelipe que não era disso.

— Ela precisa da nossa força e juntos somos mais fortes. Nós não dizíamos pra ela que ela sairia dessa e que nada de ruim aconteceria? — nós assentimos. — Então, não faz sentido irmos contra os nossos próprios conselhos na hora que Alicia mais precisa, não é?

— Independente do que acontecer precisamos ter o conforto de que acreditamos nela até o último segundo. — Jade disse.

— Não fale como se ela não fosse aguentar! — Matheus a repreendeu com raiva. — Ela vai sair dessa, não vai Eduarda? — ele perguntou atordoado.

— Eu... eu.. — ela gaguejou nervosa.

— Matheus, o que a Jade está tentando dizer é que estamos fazendo exatamente o que Alicia sempre pediu, tendo força e não surtando. É óbvio que nossa fé diz que ela vai sair dessa, ela dizer isso não significa o contrário. — Phelipe falou.

— Além disso, sorriso no rosto porque a filha deles nasceu saudável e feliz! — Sarah era a mais calma de longe.

Eu sorri pra ela e balancei a cabeça em agradecimento.

Peguei a força e tranquilidade que Sarah trouxe, comecei a mentalizar minha filha com aquele choro estridente indicando estar bem, pensando na Tina em casa e imaginando Alicia muito feliz recebendo as filhas no colo.

Fui no banheiro, lavei meu rosto e me tranquei na cabine pra começar a rezar. Eu precisava disso mais do que nunca e quanto mais fazia, mais a esperança subia.

"Afinal, aquilo não quer dizer nada, né? Não tem nenhuma ligação com a doença dela, podia ser só uma complicação do parto." era assim que minha cabeça funcionava.

Lavei minha mão, suspirei pegando o papel pra enxugar e voltei pra onde todo mundo estava.

Encontrei Matheus sentado no chão encostado no canto da parede com a cabeça entre as pernas e um choro muito alto, Eduarda o consolando do lado e chorando baixinho. Jade e Phelipe paralisados com as mãos dadas e...

E o que me fez tombar pro lado, perder as forças do meu copo e me cegar. Sarah balançando a cabeça negativamente pra mim com uma lágrima, uma única lágrima, escorrendo.

















—...Em memória de Alicia Ferraz, amiga, namorada, filha e mãe.

— Obrigado pelas palavras! — levantei a mão. — Eu preciso falar também.

O padre assentiu de lá de cima com um sorriso de lado tristonho e saiu do microfone.

Foi uma surpresa pra todo mundo porque eu jurei de pés juntos que não falaria, que não me pronunciaria, afinal, a dor era grande demais pra conseguir me expressar.

Levantei do meu lugar, caminhei pelo meio da igreja, subi no altar e tomei o lugar do padre.

— Alicia era mais que uma amiga, namorada, mãe e filha. Alicia era um anjo, aliás, ela é um anjo. — sorri pro céu com os olhos marejados. — Alicia me fez enxergar o mundo como não sendo um lugar de injustiça, de dores, de maldade, mas como um lugar de transformação, de mudança, de oportunidade e vida. Alicia não deixava que o mundo lhe ditasse as regras de "a vida é difícil", Alicia o controlava. Ela até o último segundo de sua vida acreditou no poder da cura e eu pensei que se algo de ruim acontecesse a ela, eu nunca mais acreditaria nessa balela de energias positivas, otimismo e felicidade, mas além de me deixar o amor, ela me deixou mais dois complementos. Elas estão ali! — apontei pra Tina pulando no colo de Daniel e Scarlet dormindo no de Phelipe. — E me deixou o aprendizado de transformar a vida mais leve jogando sentimentos bons ao mundo e isso me transformou num melhor pai pra Tina, pra Scarlet e também pra Sophia. Eu não vejo mais como injustiça como antes, eu vejo como transformação, aliás, não foi isso que ela me ensinou? Então eu sei que ela ainda tá viva, só se transformou em luz assim como era em vida carnal. Alicia não me deixou, ela mora no meu coração. Alicia não deixou o mundo, ele que a perdeu. — disse e escutei a igreja ser tomada por palmas.

— Agora, meu amor, eu quero falar algo diretamente a você. — fechei os olhos. — Sabe, eu lembro da primeira vez que escutei o seu nome, eu te ajudei por coincidência do destino e ao subir na moto e dar partida você o gritou. Eu não sei nem dizer o quanto isso ficou na minha cabeça martelando. Alicia, Alicia, Alicia. Então por isso que quando você começou a trabalhar comigo, eu disse pra você que já sabia que seria diferente do que tudo que eu tinha vivido. Você me mudou, você me fez ser um cara melhor, você me fez ser e estar feliz com os momentos da vida e melhor ainda me conectou com o que há de mais belo no mundo: o amor. Eu sinto sua falta, sabe? Sinto falta do seu sorriso, todos sabemos que era o mais lindo do mundo e que contagiava qualquer lugar, mas principalmente sinto falta do seu carinho e de te zoar dizendo "amor, você não fica triste não?" e nós ríamos juntos. Hoje eu sou esse cara, até porque pra eu cumprir sua promessa, eu tenho que ser como você. E eu te prometo, Alicia, suas filhas vão te amar todos os dias de suas vidas e vão ser exatamente como você. E ah, elas já estão no ballet.

Era uma vez, AliOnde histórias criam vida. Descubra agora