Vocês não têm mais poder sobre mim!

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Quarta-feira

Ponto de vista de Kimiko

Há três meses que eu não sei nada sobre meus pais. Três meses de uma liberdade sonhada, ansiada e muito bem-vinda. Só o fato de eu não precisar medir as palavras, ser eu mesma e não precisar temer ser agredida por isso, já eram motivos para uma alegria inominável. Some-se a isso eu morar com meu melhor amigo e ter um namorado atencioso, que constantemente diz que me ama e cuida de mim. Ele continua com suas provocações, nisso ele não mudou nem um pouco mas, apesar da pose de homem durão, ele nunca faz nada sem me perguntar. Depois de ouvir minha história, ele faz praticamente o impossível para que eu me sinta à vontade e segura.

Quanto ao Mateus, ele é o melhor amigo que alguém podia ter. Infelizmente Mateus está passando por um período doloroso em sua vida. Saber que o homem por quem se apaixonou está num relacionamento sério, fez com que sua alegria e bom humor arrefecessem. Eu tenho corrido para casa após o trabalho, esperando ele chegar, para cuidar dele. Mateus não tem comido direito por causa da desilusão amorosa e o trabalho dele é bastante puxado. Mateus é formado em farmácia e trabalha em um laboratório de análises clínicas. Eu tento alegrá-lo, mas ele mais se assemelha a um autômato, andando pela casa com ares de quem não sabe o que vai fazer.

Por ter sido vítima de violência física e psicológica, eu não sou a favor de nenhum tipo de manifestação do gênero, mas vontade não me falta de sacudir o tal Flávio. Eu sei que a culpa não é dele e que Mateus nunca se confessou. E pelo que Mateus diz, nunca houve nada além de cortesia por parte de Flávio. Ele nunca demonstrou nenhum real interesse. De qualquer maneira, dói ver meu amigo-irmão no marasmo, se afogando num mar de desespero.

Há um problema com minha sonhada liberdade. Às vezes eu tenho a sensação de que estou ficando louca. Ao andar na rua, tenho a nítida impressão de estar sendo observada e seguida. E sabendo quem são meus pais, a possibilidade deles terem contratado um detetive particular não é improvável. Nestas horas, eu fico bastante temerosa e insegura. Se meu pai quiser, ele pode simplesmente me sequestrar. Ele passou anos utilizando o abuso físico como arma contra mim. Contratar capangas e me tirar de circulação não deve ser tão difícil. Se ele quiser me pegar, nada posso fazer. 

Só espero que ele não desconte sua fúria em Mateus, que me deu abrigo e proteção. Foi com esse argumento que Ichiro tentou me fazer ir morar com ele. Que meus pais não tentariam nada sabendo que eu estava com um Sato. E ele tem razão. Ichiro não está em nenhum perigo iminente. Além de ser filho de Kenichi Sato, um pilar da comunidade e um homem íntegro, ele também é nissei. O que, para meu pai, é tudo que importa. Mas eu preciso ter este tempo para mim. Morar com Mateus não é esforço nenhum. Ele me deixa ser eu mesma e eu tenho toda a liberdade. Nossa dinâmica como amigos sempre foi assim. Já com Ichiro, como um casal, talvez não me seja permitido agir desta maneira, já que casais se acomodam às necessidades e rotina um do outro. 

Ao chegar, eu entro no apartamento, chamando Mateus. Eu saí mais tarde hoje porque tínhamos trabalho acumulado e tenho certeza de que ele já está em casa.

- Mateus, cheguei!!!!

- Oi Kimi! Eu estava preocupado! Por que demorou? Podia ter me ligado! Eu iria buscar você no trabalho.

Ele está um horror e ainda assim se preocupa comigo. Eu me controlo para não começar a chorar. 

- Eu preciso me virar sozinha, Mateus. Não posso me esconder a vida inteira. Talvez não possa debelar o medo, mas posso enfrentá-lo.

- Você tem razão.

Mateus nunca é assim. O Mateus que conheço diria: Isso aí! Você é uma mulher incrível! Espero que o Sato saiba a sorte que tem! Ele está te tratando bem? Eu soco ele! Você viu aquele dia como eu sou forte, não? Acho até que vou começar a treinar na academia. 

Turbilhão (Livro 4 da Série Akai ito)Onde histórias criam vida. Descubra agora