Samuel M dirigiu-se então até o terceiro andar da Harum, um lugar escuro e sinistro, que o afligiu. No final do corredor, havia uma porta larga, vermelha, e, suspenso a ela, a estatueta de um indivíduo de olhar penetrante, intimidador. Samuel M arrepiou-se com aquela figura nada atraente. A larga porta encontrava-se semiaberta, então entrou sentando-se na sala de espera onde uma aconchegante poltrona o aguardava. O silêncio cedeu espaço para o ruído vindo de um relógio suspenso na parede cor carmim. Tic, tac, tic, tac... Algumas revistas específicas da loja Harum estavam à sua disposição e percebeu que na sua capa estava a figura do mesmo homem denotado na estatueta suspensa na porta larga de entrada.
Folheando a revista, Samuel M contemplou a história da Harum, bem como fotos antigas, bem conservadas, com grandes personalidades da política, artes e religião. Em uma das páginas, praticamente no âmago da revista, admirou-se com a imagem em baixo relevo de um cidadão a quem o fizera deslocar-se da poltrona, o próprio indivíduo que adornava a porta de entrada, o então desvelado senhor Emilio Harum, fundador da loja. Era incrível o poderio daquele senhor em terrificar o pobre Samuel M. Talvez fossem aquelas felpudas sobrancelhas, o olhar fundo como um poço desativado, os lábios depressivos, tortos. A própria veste, cinzenta, sem vida, mas admirável.
Em choque, ali estava Samuel M. Intrigado com aquela imagem e por ser chamado tão cedo pela gerência da loja. O que de fato queriam com ele? Por um acaso estavam insatisfeitos com o seu rendimento no trabalho? O complexo de inferioridade começava a vir, perturbando Samuel M.
"Eu sou capaz. Eu sou capaz...", dizia quase que inaudível. Levantou-se, caminhou no itinerário de pessoas preocupadas, depois sentou-se novamente quando ouviu gemidos vindos da sala da gerência. O sutil murmúrio logo fora substituído por um ganido estridente, perturbador, como se alguém estivesse sendo submetido à tortura.
Confuso e aterrorizado, Samuel M possibilitou bater à porta a fim de saber se estava tudo bem lá dentro. E os ganidos continuavam, ainda mais altos e amedrontadores. "Eu preciso fazer algo. Não posso ficar aqui parado", pensou Samuel M.
"Ok! Isso não voltará a se repetir", veio por fim uma voz de dentro da saleta.
Logo a porta se abrira e então um simpático rapaz, funcionário da Harum, educado e sorridente, cumprimentava Samuel M como se nada tivesse acontecido ali dentro.
— Bom dia. — o sorriso do jovem quase alcançava as orelhas de tão simpático.
— Bom dia. — cumprimentou Samuel M, bastante perplexo com a situação.
— O senhor Eduardo Fin deseja vê-lo. — continuou o rapaz.
— Ah, sim. Claro. Obrigado! — agradeceu Samuel M adentrando à sala.
O senhor Eduardo Fin não media um metro e cinquenta e cinco de altura, mas causava desconforto e receio a quem vinha a este. Seu bigodezinho, alinhado sistematicamente, chamava atenção com o tamanho do zelo. Na certa o cuidava costumeiramente. Vestia-se tão bem que Samuel M sentiu-se um lixo, mesmo arroupado adequadamente.
Eduardo Fin estava bebericando uma xícara de café pousado na batente da janela quando Samuel M entrara na sala.
— Que clima bom está hoje para poder jogar uma partida de tênis, não é mesmo, meu querido? — disse Eduardo Fin, ainda de costas para o seu interlocutor.
Samuel M, avistando o tempo que fazia lá fora, concordou:
— Está maravilhoso, senhor.
— Maravilhoso. Exatamente. — disse Eduardo Fin direcionando-se a Samuel M que se encontrava ereto com as mãos para frente, como um belo garoto tímido. — Perdão, queira se sentar.
— Obrigado, senhor.
— Senhor Fin. Pode me chamar assim.
— Pois não, senhor Fin.
— Muito bem. Samuel M, não é isto?
— Exatamente, senhor Fin.
— Senhor M, você sabia que em tempos não muitos remotos, havia certo senhor, um poderoso empresário, um paradigma para muitos, que submetia seus funcionários à cirurgias desumanas e esdrúxulas com o intuito de repará-los? — Samuel M recuou o topo da cabeça como alguém sendo ameaçado. — Você deve estar se perguntando: repará-los? Mas, como? Por quê? Bom, para este homem, o sucesso das suas lojas eram justamente os seus funcionários, dificilmente abria mão dos seus melhores, e, quando estes eram acometidos de falhas, como a privação de um sorriso na face, por exemplo, este passava pela a então cirurgia em que acabei de lhe falar. Imagine a cirurgia, senhor M: sua mandíbula sendo praticamente fragmentada para espicharem sua pele com o propósito de obterem um sorriso na face. Devia ser doloroso demais, não é mesmo, senhor M?
Samuel M, que até então mantinha a seriedade e apreensão, soltou um leve sorriso entremeado com o desespero que o reprimia.
— Sim, senhor Fin. Devia ser excruciante. — disse agora o sorridente Samuel M.
— Agora gostei da simpatia no rosto, senhor M. Mas, mudando de assunto, o que você está achando da Harum? Um bom lugar para trabalhar?
— Oh, mais do que isto, senhor Fin. Aqui é como se fosse o meu segundo lar.
— Segundo lar?
— Sim. Como se fosse minha família.
— Isso é bom, senhor M. Muito bom. Saiba que estamos analisando vocês, novatos, por este breve experimento. Infelizmente nem todos serão admitidos, mesmo sendo bons profissionais. Sobre o termo que você usou, família, não é?! — Samuel M assentiu. — Isso é muito bom, eu repito. O respeito e a união são fundamentais, espero que você não tenha dito isto da boca pra fora.
— De forma alguma, senhor Fin. Estou sendo puramente honesto.
— Continue com a sua boa vontade e honestidade, senhor M. Nós valorizamos muito isto. Fique sabendo que o seu trabalho está agradando bastante a gente. Por isso lhe chamei. Continue assim. Agora, está vendo esta revista sobre a mesa? Pegue-a. Leia a biografia do senhor Harum, creio que irá lhe acrescentar um algo a mais. Por hoje é só. Agora queira se retirar, senhor M.
— Obrigado, senhor Fin. Irei ler a revista com muito gosto. Estou muito feliz por estar agradando vocês.
Samuel M saiu da sala do senhor Fin com a felicidade estampada na face. A sala não parecia com um compartimento de tortura, nem maquinários havia para tal, apenas um homúnculo bem vestido com um bigode bem ordenado. No entanto, o referido homem, tinha no semblante algo que Samuel M denominou como intrigante e misterioso. Mas, que se dane, esta era a verdade. Estava agradando a Harum, o que mais podia exigir?
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ESPECTROFOBIA (Contos de Terror)
HororSe você gosta de explorar o desconhecido; fantasmas, demônios, lendas urbanas, vampiros, aqui é o lugar certo. Seja bem vindo às mais assustadoras histórias de horror. Atenção! Plágio é crime. Todos os contos estão autenticados.