O Homem lá Fora

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Eu sempre tive receio da sexta-feira treze, pela profusão de acontecimentos envoltos a ela, seja do imaginário popular à fatos funestos decorridos na história

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Eu sempre tive receio da sexta-feira treze, pela profusão de acontecimentos envoltos a ela, seja do imaginário popular à fatos funestos decorridos na história. Mas, minha aversão atingiu um patamar medonho, assustador, sobrenatural, quando, no ápice de minha juventude, eu e meus irmãos presenciamos algo maligno, diabólico, numa sexta-feira treze nada condescendente.

Morávamos em um casebre à beira do rio, um pouco longe das povoações, circundada por nossas plantações e currais de onde tiravámos nosso sustento. A tarde vinha típica lá fora, com a surra da chuva fustigando forte a janela de madeira da casa. As goteiras, fruto das telhas esburacadas vistas em quase todos os cantos da abóbada, enchiam os baldes com uma velocidade surpresa, sem contar o transbordar do piso, quando a saibra drenava a umidade trazendo para debaixo de casa aquele lodo barrento, viscoso, deixando a casa idêntica a um pântano. Nosso cãozinho, o Pintado, chorava lá fora, apesar de estar bem agasalhado em sua casinha de pinho. Mas, o que o Pintado odiava mesmo, era os estrondos do trovão como se Zeus vociferasse palavrões a seus súditos. Pintado, coitado, tão ingênuo, pensava que era com ele.

A mesa, com resquícios de feijão, arroz e farinha de mandioca, servia de arena para o nosso costumeiro jogo de dominó, quando passávamos a tarde inteira disputando quem era o melhor, para, depois, o campeão enfrentar o papai, o melhor jogador da casa, imbatível, até mesmo entre os nossos tios, assíduos jogadores, bem como nossos primos a quem há muito tempo nós não víamos.

Que eu me lembre bem, estávamos esperando por nossos pais que haviam ido à cidade para trazer nossa nova aquisição, a Amora, uma vaca gorda e de olhar triste a quem muito nos foi útil. Como a cidade ficava a cerca de cinquenta quilômetros ao leste, e as depressões e solavancos eram comuns na estrada, nossos pais tardariam a chegar; segundo a previsão destes, ao crepúsculo, ou, talvez, mais tarde, ao anoitecer.

Meus irmãos mais novos, apesar de muito miúdos, às vezes me venciam no jogo, e eu, envergonhado, alegava sono e cansaço. O menor, Joel, tinha sete, e o do meio, Jair, nove. Eram crianças para lá de espertas e já faziam muitas coisas que gente grande já fazia como ordenhar a vaca, lavrar e colher.

Eu estáva num momento decisivo quando, ameaçado pelo o meu irmão do meio, fui advertido por Joel que apontou o seu indicador para a janela semiaberta dizendo: "Jeremias, está vindo alguém lá longe". Surpreso e aliviado eu disse que seria o papai voltando da cidade. "Mas e a mamãe?", ele continuou. Eu estava mais concentrado no jogo que outra coisa, por isso não dei ouvidos ao caçula que continuava a fitar lá fora com os olhares vasculhadores.

Para o meu infortúnio, perdi a partida e tive que aguentar o Jair que, como bom zombeteiro que era, impregnou-me a paciência quase me tirando do sério. Foi quando mais uma vez o pequeno Joel chamou-me a atenção do homem que vinha à distância, na estradazinha, banhado pela torrencial chuva que caía lá fora, e foi só então que me acudi de que não se tratava do meu pai que viera na direção de nossa casa, mas sim de um homem, um homem muito sinistro.

O homem usava uma chapeleira do campo, as camisas compridas, branca e uma calça de pano, como a de lavradores. Andava em passos mancos, penso, puxando o pé esquerdo como se tivesse pisado numa planta ardilosa. Porém, apesar dos passos trôpegos, a sua velocidade era comparada a de coelho fugindo de seu predador. Para nos deixar ainda mais aflitos, portava um terçado na mão direita onde o arrastava, riscando o piso como uma criança puxando um carrinho.

A chuva vinha devastadora, e o homem na direção de nossa janela, cada vez mais rápido, cada vez mais próximo.

"Lá vem o homem. O homem lá fora", gritaram os pequenos.

 O homem lá fora", gritaram os pequenos

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