Continuação (HARUM, final)

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Numa sexta feira, Samuel M tivera uma surpresa ao chegar na loja e encontrá-la vazia. Não seria aquele dia um feriado? Não. E nem se fosse, a Harum não concedia folga aos seus funcionários, somente aos domingos. Samuel M investigou todos os compartimentos, até mesmo os do segundo andar, mas não encontrara ninguém. As luzes começaram a ceder, piscando sinteticamente até vir uma voz feminina do autofalante.

Samuel M, dirija-se à sala da gerência. Samuel M, dirija-se ao escritório dos gerentes.

S

amuel M dirigiu-se mais uma vez para o terceiro andar do edifício. Esperava encontrar o senhor Fin na poltrona de seu escritório, mas o que encontrou foi uma porta semiaberta que dava acesso à uma declive escadaria. Desceu com passos trôpegos, afinal a escuridão predominava lá embaixo. No térreo, encontrou uma porta e, ao abri-la, encontrou diversas pessoas alinhadas em fileiras perfeitamente uniformizados. Logo pôde perceber que eram os funcionários da Harum, todos conhecidos seu. Estavam com os olhos atentos para a imagem bizarra à frente. Aos primeiros olhares, Samuel M acreditou se tratar de uma formidável escultura reverenciando o senhor Emilio Harum, mas, logo pôde perceber o seu abismai, o seu aspecto horrificado, tangível, revelando ser o próprio Harum em sua forma mais horrenda.

Diante da colossal imagem, o corpo mumificado de Harum, três indivíduos, cobertos por uma manta negra, ajoelhados de forma humilhante, suplicavam piedade. Cada um trazia consigo a sua identificação. A Inveja, Trapaça e a Ganância.

Todos ali presentes, como que hipnotizados, em harmonia, assistiam o espetáculo.

— Senhor M. — disse uma voz. Samuel M não pôde discernir de quem se tratava, pois a escuridão era vigente. — Parabéns! Estás admitido. Bem-vindo efetivamente à Harum.

A sombra caminhou para o claro do salão revelando o homúnculo senhor Fin, sorridente, usando uma túnica vermelha. Mais quatro senhores se puseram à claridade, também de túnicas vermelhas, pessoas nada desconhecidas para Samuel M. Reconheceu-os das revistas que andava lendo. Homens altos, intimidantes, influentes. Tratavam-se de gerentes e herdeiros da Harum.

— Tirem os mantos. — ordenou um dos homens, o mais alto de todos, revelando então a identidade dos três sujeitos prostrados, o jovem Jonatan Moses, o publicitário George Alvim e o antagonista de Samuel M, Frédéric Carlton, todos com a cabeça baixa, como prisioneiros a passar pela guilhotina. — Estão vendo estes homens, senhores?! Estes homens são a energia inequívoca do sistema que nos mantém vivos, pois trazem consigo os três pilares que mantém erguido o deus Harum. O deus Harum saúda o sangue de vós, cavalheiros; tragam a espada.

Samuel M, perplexo com tudo aquilo, recuava os passos alcançando a porta que logo fora cerrada por um desconhecido.

— Samuel M. Impeça-os. — suplicou Frédéric Carlton. — Por favor, acorde deste vislumbre. Não és mau como estes homens.

Desconcertado, Samuel gritou:

—O que estão fazendo?

— Senhor M. — surgiu a jovem Dulce, à sua frente. Tão linda, tão manipuladora. — Contemple o deus Harum. Ele é o nosso benfeitor, nosso deus, o ser a quem devemos todo o nosso respeito e admiração.

— Não, Samuel! Não ouça ela. Solte-nos. Chame a polícia. — gritou George Alvim.

— Samuel, não a escute. Ó, meu amigo, eu bem que devia me afastar dela assim como George disse. Agora eu vejo o quão iníquo e leviano eu fui. Também confesso que sou um homem mau. Uma pessoa invejosa, falsa. Eu confesso, meu amigo. Perdoe-me. — continuou Frédéric.

— Cala-te, senhor da inveja! — gritou Eduardo Fin, com a afiada espada nas mãos. — Inveja és o teu nome. A cobiça hedionda, nojenta. — e decepou a cabeça de Frédéric Carlton, a Inveja. Em seguida a do jovem senhor Moses, a Ganância, por pedir aumento, e de George Alvim, a Trapaça, por furtar ideias.

O sangue dos jovens foi absorvido por uma espécie de ducto conduzindo de forma ininteligível para a matéria embalsamada, aterrorizadora, do deus Harum.

"Exaltem o deus Harum", gritou em uníssono os cinco eclesiásticos. "Contemplem-no, contemplem-no, subalternos".

E os devotos contemplavam.

"Salve deus Harum, nosso benfeitor, nosso pai e companheiro. Salve deus Harum, nosso benfeitor, nosso pai e companheiro".

— Vamos, senhor M. — disse a senhorita Dulce. — Repita conosco. Você consegue.

— Não sei. Eu não sei. — disse Samuel M, hesitante, suando frio.

— Contemple-o, Samuel. Você consegue sim.

E Samuel M se entregou. Encantado. Maravilhado pela soberania do deus Harum, agora vivo, regozijado pela veneração.

"Salve deus Harum, nosso benfeitor, nosso pai e companheiro". 

Fim

Autoria: Jim Patrik

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