REMORSOS

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Uma agradável noite vinha, e com ela uma vontade imensa de chegar em casa e abraçar a minha família. Minha adorável esposa, naquele horário, já deveria estar preparando a janta, provavelmente uma sopa de legumes, coisa que eu adorava, e o nosso bebê, ah, meu bebê, minha razão, a coisa mais importante que eu tinha em minha vida com certeza já deveria estar dormindo em seu berço adornado de brinquedos.

Eu estava adorando a sensação de ser pai. É algo jubiloso, que não se pode definir. Uma criança muda nossa vida, nao de uma hora para outra não é.

Confesso, no entanto, que odeio moleques atrevidos, e os filhos de minha mulher (logicamente com outro homem) que deviam ter seus oito ou sete anos, eram do tipo que acabei de falar. Moleques mal educados, cheios de não me toque. Sabiam que eu não era o pai de verdadeiro, e, sabendo disso, se aproveitavam da minha inexperiência e, até mesmo, soltavam a verdade quando eu os proibia de fazer algo.

"Você não é nosso pai", diziam as pestes.

Por isso eu era um tanto que irascível com os pequenos. Pegava-os pelas orelhas, com meus dedos grandes e grossos de tanto quebrar madeira, e os colocava de joelhos no milho até o homem lá de baixo dizer chega. Os joelhos das crianças ficavam com uma inchação preocupante e sua cor, era a de um azul marinho muito escuro. Pediam-me aos prantos para que eu tivesse compaixão, porém em vão. Neste ponto eu era um homem demasiado rude. Só quando o homem lá debaixo susurrava no meu ouvido: já chega! Eu os tirava do castigo. Horas depois, chegando à noite, o inchaço virava uma espécie de pústula, cheio de pus, e minha mulher espremia aquele carnegão podre que voava feito um jato.

– Me perdoe, meu bem. Eles mereceram. Disseram mais uma vez aquilo.

Ela não dizia nada, e pegava mais algodão para espremer os joelhos dos moleques.

Admito que eu tinha uma mania pertinente: a bebida. Confesso que eu estava me atrofiando nestes ópios das esquinas. O cheiro da bebida me assediava, me paquerava, assim como uma meretriz. Então, enfeitiçado, ela me convencia e me levava para lugares inescrupulosos, e acordava no dia seguinte sem saber onde estava e fedendo chorume.

Minha mulher, asseguradamente, posso dizer, era uma santa. Uma mulher resignada. Uma verdadeira mulher submissa ao homem. Ela nunca reclamava das minhas bebidas. Porém eu virava o belzebu quando chegava naquela casa e a encontrava trancafiada no quarto com medo de mim, como se eu fosse um troglodita, um monstro. Porra! Era eu. Seu esposo!

— Abra a porta agora, sua cretina! — disse certa vez, dando murros na ombreira. — Abra a droga da porta e não me faça perder a paciência com você.

— Você está inconsciente, meu bem! Por favor, vá tomar um banho gelado que eu lhe prepararei um bom chá de ervas. Você está assustando as crianças e o nosso bebê.

Mas eu odiava desobediências, odiava quando ela se trancava no quarto. Bati mais forte na porta e bravejava impropérios caluniando-a, até mesmo lhe chamando de mulher da rua, coisa que ela nunca foi, confesso. Arrependo-me de tal feito, pois minha esposa sequer ficava de cochicho nas portas de vizinhos.

— Vou falar pela última vez, mulher: abra a porra da porta!

— Não, meu bem. Por favor, vá embora, me deixe em paz.

— Nos deixe em paz! — também diziam os diabinhos.

— SUA CADELA! SAIA JÁ DAÍ. ESTOU PERDENDO A PORRA DA PACIÊNCIA!

Meu filho, que ainda estava em seu ventre, deveria estar escutando aquela nossa briga. Mas a vagabunda não colaborava.

Então rodeei a casa inteira a procura de um objeto para quebrar aquela porta. Primeiramente, encontrei uma marreta, e comecei a golpear a porta. A porta, no entanto, era de uma madeira bem firme e não cedia. Cheguei a ver as feições de todos lá dentro. Então ri. Ri e fui procurar outra coisa mais pesada, foi quando encontrei o botijão de gás que inclusive estava cheio. O cheiro ocupou a casa inteira, deixando o ar insuportavelmente, difícil de respirar.

— Vamos, mulher! Abra a porta! Não me faça cometer uma loucura.

Mas ela continuava se recusando a abrir. Foi quando desferi uma enorme pancada e a porta apenas rachou-se e eu pude ver mais uma vez o rosto de todos e daquela vadia, preocupada como se eu fosse matá-la.

— Agora abra a porta e vamos para o quarto.

— Por Deus! Vá dormir. Você está sujo, embriagado. Parece até que está possuído por uma entidade. Respeite nosso filho que estar para nascer. Preze por ele, respeite as crianças.

Quanto mais ela falava, mais eu ficava endiabrado. O cheiro do gás estava me deixando tonto e chegou uma hora que eu desmaiei. Acordei no dia seguinte deitado em minha cama com ela me dando aquela saborosa sopa com legumes e carne. Pedi perdão a ela e ela assentiu. A partir de então, sempre evitava beber feito um doente. Mas tinha vez que eu não resistia.

Continua

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Continua...

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