Naquele noite, antes de vir a maldita tentação de parar em algum bar para beber, ansioso para abraçá-los, como um desesperado e evitando os olhares para as esquinas, corri pulando poças de lamas que já se formavam nas ruas esburacadas. Era uma noite chuvosa e fria. Os pingos da chuva fustigavam meu guarda chuva com uma violência arrebatadora. Eu estava ensopado e louco para chegar em casa.
E enfim cheguei. Nada melhor que o cheiro da nossa casa, não é mesmo? O cheiro da nossa mulher. Do sabonete do bebê. Estava exatamente tudo como eu supus. Minha esposa na cozinha, com o seu avental, o aroma da comida se emanando com aquele bendito tempero delicioso, as crianças assistindo algo na TV, e o nosso bebê, deitado no berço, com aquele cheirinho de criança cativando o meu olfato.
— Tudo bem amor? — perguntei beijando sua cerviz. Ela meneou a cabeça, sem dizer palavra. Então a abracei mais forte e, de seus olhos, uma lágrima escorreu. — Está tudo bem! — eu disse limpando aquela solitária lágrima. — Não serei mais aquele monstro de outrora. Veja; estou sóbrio. Sorri. Não bebi nada. Aliás: nunca mais provei nada. Absolutamente nada. Está bem?
Seu choro se amenizou, mas vieram ininterruptos soluços. Cedi a ela um copo d'agua, e então passou. Depois, fui até o quarto do nosso bebê. Ah, que lugar maravilhoso preparamos para ele. Por minha sorte, ele acabava de acordar. "Já está acordado, seu safadinho ", eu disse sorrindo. Ele me sorriu de volta. Ah, nunca esquecerei àquele sorriso! O sorriso da mais pura ingenuidade e segurança, pois sabe que estou ali para lhe defender de tudo e de todos. Ergui-o em meu peito e cantei uma canção de ninar, apaziguando um sublime choro, comum para o tipo de bebê. Seu choro aos poucos foi cessando, e, então, pela primeira vez, ele abriu os seus olhinhos e sorriu novamente para mim. Que sorriso lindo, meu Deus. Não havia nenhum dentinho, mas era lindo. Tão puro. Tão brando. Não há nada mais belo no mundo do que o sorriso de uma criança. Não contive minha emoção; chorei. Chorei muito segurando-o em meu colo. Seus olhos, no entanto, brilhavam, como de emoção. Mas uma emoção diferente, que não consigo narrar.
Minha esposa surgiu na porta com as duas crianças, com um semblante de saudade, e disse:
— Está pronto?
— Se estou pronto? — perguntei confuso.
— Sim.
— Acho que sim. Mas para quê, especificamente?
— Toda noite, prestes em chegar à sua casa, você reza por nós. Suplica nossa visita.
— Visita? — pergunto afoito.
— Sim. Visita. — diz ela, novamente com olhos a lagrimar.
Aproximei dela e, ao por as costas de minhas mãos para enxugar suas lágrimas, lhe vi aos poucos se desvanecer, sumir de minha visão, como um espectro. Meu filho, que também estava em meus braços, também se dissipava, como barro, e eu, desesperado, me perguntava por que aquilo.
Entao fechei meus olhos e não os vi mais. O quarto do meu bebê não passava de um quarto abandonado, onde se jogava entulhos como roupa velha e móveis inutilizados. Estremeci. O que estava acontecendo? Fui até a cozinha e encontrei apenas moscas e garrafas de uísques sobre a mesa. O meu desespero só se agravava. “Onde vocês estão? Amor! Filho!”.
Só depois que ao me debruçar no sofá, me espreguiçando, foi que acordei do sonhou do qual tinha quase todos os dias. E foi assim que me veio a triste lembrança de que o meu filho nem sequer havia nascido, pois morreu no ventre da minha esposa, naquele maldito dia em que, endemoninhado, pus fogo na casa, causando um desgraçado incêndio, matando a minha amada mulher, seus queridos filhos e meu bebê, minha vida. A minha razão.
Fim
Autoria: Jim Patrik
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ESPECTROFOBIA (Contos de Terror)
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