Para Onde Vão As Estrelas (4.Continuação)

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No dia seguinte, na hora do intervalo da aula, Josh me passou os materiais que precisávamos para fazer a lupa. Até que não era tanta coisa assim. Josh disse que o difícil mesmo era a mão de obra. Então nós iríamos precisar de um cano tipo pvc, cola, papelão, um lápis, para fazer os cortes detalhados e lentes.

— O cano eu posso conseguir na loja de materiais de construção do senhor Jorge, o papelão também eu consigo. O que você pode trazer? — perguntou Josh.

— Bom, eu posso conseguir o lápis, a cola...e o que mais que você falou?

— As lentes. E elas serão mais difíceis de nós conseguirmos.

— As lentes a gente pode conseguir na ótica da senhora Meiga. Provavelmente ela deve ter por lá lentes inutilizadas no seu galpão de entulhos. E se a gente fosse até lá pedir para ela?

— Boa ideia, Pietra! Vamos lá assim que acabar as aulas?

— Vamos sim.

E, assim que acabou as aulas, nos encontramos no nosso ponto de encontro, na cantina do colégio. Josh estava comendo uma coxinha e me ofereceu um pedaço, mas eu não estava com fome.

— Então, vamos lá! — eu disse.

A dona Meiga era uma senhora de pouco sorriso. Na verdade eu nunca a vi sorrindo, no máximo era um esticar de lábios na hora de agradecer a venda. Meus pais eram fregueses dela, pois ambos usavam óculos. Eu até cheguei a usar quando era mais pequenina, mas, depois de alguns exames, o oftalmologista disse que não era mais preciso. Eu até que gostava de usá-los, porque eu me sentia mais velha.

Quando batemos na porta da senhora Meiga, logo eu vi que aquele não seria um bom dia. Ao que parecia, ela estava chamando a atenção de um dos seus funcionários e ignoro a razão.

— Bom dia, senhora Meiga. Como tem passado. — eu disse sorridente.

— Mais ou menos. O que deseja?

— Bom, senhora Meiga, nós estamos precisando muito de uma colaboração sua, se fosse possível, é claro.

— Pois diga logo o que é que estou bastante ocupada. — no lado leste da casa os cachorros da senhora latiam sem parar. — Calem a boca, seus pestinhas! — ela gritou.

— É que nós precisávamos muito de duas lentes para o nosso trabalho da escola.

— Trabalho da escola?

— Sim, senhora Meiga. É para fazer um telescópio. — disse Josh.

— Hum, sim. Mas eu sinto muito, não tenho nenhuma. Agora me dão licença.

— Mas, senhora, não tem nenhuma que não lhe sirva mais? Tipo, jogado pelo seu lixo.

— Não sei. Provavelmente não. E eu não vou mexer nisso agora. Os cachorros vão me encher a paciência e eu já disse que estou muito ocupada. Agora me dêem licença.

— Mas, senhora...

— Me dêem licença.

Dizendo isto, ela fechou a porta na nossa cara.

— E agora, Josh?! O que a gente faz? — perguntei depois da gente se afastar da casa da senhora Meiga.

— Agora eu não sei. A senhora Meiga era a única pessoa a quem a gente podia ocorrer.

— De meiga aquela mulher não tem nada. Vou dizer à minha mãe para nunca mais comprar os seus óculos com ela.

— O jeito é a gente esquecer isso.

— E se a gente pulasse o muro do quintal da senhora Meiga pra pegar as lentes? Podíamos fazer isto, não é?

— Você é louca! E os cachorros? Eles nos comem vivos. Você viu só o tamanho deles?

— Vi sim. Parecia mais como leões.

— Sim. Daí seríamos Daniel na cova dos leões. 

— Deus me livre.

— Então será como antes: sem a luneta. Eu não vou deixar de ir à colina por causa dela.

— Nem eu. Poxa, mas estava tão bom com ela.

Josh ficou pensativo, como quase sempre ficava. Sei que ele sofria de dislexia, as vezes eu tinha que lhe chamar umas três ou quatro vezes pra ele acordar quando o professor o chamava para responder algo.

— Josh! Josssshhhh!!! — gritei irritada. — No que você tá pensando, menino?

— Nada não. — ele respondeu.

— Nada?

— Quer dizer... eu estava pensando na nossa luneta e o quanto eu odeio aqueles caras.

— Esquece isso, Josh. Bom, pelo menos você ainda tem a mim.

Josh mergulhou fundo nos meus olhos. Seu sorriso era o sorriso mais puro que eu já pude ver na vida.

— E você é a pessoa mais importante que eu já conheci na minha vida, Pietra.

Agora, não podíamos mais nos controlar. Estávamos perdidamente apaixonados. Até o mais frio do ser humano podia perceber aquilo.

O sol e a chuva vieram para nos contemplar, assim como um tímido arco-íris. Eles foram cúmplices de um dos momentos mais felizes da minha vida.

Josh segurou minhas mãos frias, úmidas, assim como as dele. Estávamos tremendo. Era uma sensação nova que vivenciávamos, diferente das nossas brincadeiras, de nossas brigas, estudos. Aquela sensação era um misto de medo e desejo. Um desejo que já tínhamos há tempos que era o de se descobrir um ao outro. Ir mais ao íntimo, se entregar sem se relutar, sem pensar no que os outros iriam dizer.

Assim, mesmo sentindo o medo de cada  um, fomos nos aproximando, paulatinamente. A rua estava deserta, a chuva, nossa amiga, dispersou às pessoas que julgam o amor dos jovens mesmo já vivenciando ela um dia. Seu rostinho molhado era iluminado pelo débil facho do sol, lhe deixando mais lindo para os meus olhos. Seus lábios se aproximavam e o meu coração só faltava sair pela minha boca. Eu tinha que segurá-lo. Assim, como o toque das pétalas em nossa face, senti o seu beijo. Suas mão apalparam suavemente meu rosto, e eu me sentia cada vez mais estranha. Eu sei o que era. Eu bem sei. Era o amor, crescendo dentro de mim, dilatando meus seios, sufocando-me, afastando de mim qualquer maldade, qualquer coisa ruim que já vivi na vida. Eu me senti livre, como um passarinho voando pela primeira vez na primavera.

Como tudo na vida acaba, fomos advertidos por alguém que eu nem sei quem é pedindo pra gente ir pra casa. Minh'alma, como se tivesse saído do meu corpo, subitamente voltou, então fomos correndo, com as mãos atadas, fugindo da chuva que nos chicoteava devagar.

Corremos, sorrindo, apaixonados, até à bifurcação.

— Eu tenho que ir. — disse a ele.

— Eu também tenho. — ele respondeu. Mas eu não queria soltar sua mão. Eu queria que elas nunca se desatassem na vida.

— Pra gente ir a gente tem que soltar as mãos? — perguntei, toda boba.

— Eu acho que sim. — ele sorriu.

Então o soltei, e senti um vazio enorme.

— A gente se vê hoje na colina? — perguntei.

— Hoje não posso. Tenho que fazer umas coisas.

— Tudo bem.

— Eu tenho um trabalho de geografia pra enteegar e arrumar algumas coisas em casa. Mas amanhã a gente se vê de novo, tá bom?

— Tá. — Josh virou -se de costas e o vi caminhando, se distanciando de mim. — Josh! — chamei. Então corri até ele e lhe dei um beijo de passarinho. — Eu te amo. — e corri para a minha casa.

Continua...

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