Toda vez que eu olho para as colinas, do alto de minha janela, lembro-me dos dias que subia correndo nela com o meu amigo Josh. "Quem chegar por último é a mulher do padre", gritávamos. E nós corríamos, tão velozes, tão ágeis como toda criança de dez anos. Quando chegávamos ao topo, caíamos na grama, mortos de cansados, e começávamos apelidar um ao outro.
"Nariguda", ele me chamava.
"Ora, seu...perna de saracura", eu revidava.
Josh tinha mesmo perna de saracura. Era o menino mais alto da rua. Talvez por isso sempre me ganhava na corrida. "Eu não tenho culpa de você ser uma nanica", ele dizia. Eu odiava quando ele me chamava de nanica. Eu era mesmo baixinha, achava que nunca ia crescer na vida. Minha mãe dizia que eu não crescia porque eu não saia debaixo da mesa. Ah, mas eu adorava ficar debaixo da mesa, principalmente na hora do almoço que todos se reuniam e eu me metia por debaixo e começava a beliscar a perna de todo mundo. "Sai daí, sua baixinha!". E eu saía dizendo que não era baixinha.
O Josh me dizia que se eu quisesse crescer eu teria que pular corda. Foi por isso que eu consegui uma corda da oficina do tio Osvaldo sem ele ver e toda tarde então pulava corda com os amigos e amigas da rua.
Assim que saíamos do colégio, lá ia eu e O Josh rumo às colinas. Era sempre ao crepúsculo, quando as estrelas começavam a se organizar no céu que nós nos deitávamos na grama. Aquele era o espetáculo mais lindo que nós podíamos contemplar.
— Como as pessoas podem desprezar as estrelas do céu, Pietra? — Josh me perguntava.
— Ah, Josh. Eu não acho que as pessoas às desprezam. Os adultos têm tantas coisas pra fazer que as vezes acabam esquecendo de apreciar as coisas lindas da vida.
— Eu não sei. Você é a unica pessoa que eu conheço que gosta de apreciá-las, assim como eu.
— Tem outras pessoas que também gostam.
— É? Quem?
— Os astrônomos.
— Sua boba. — Josh dizia sorrindo, continuando a fitar o céu. — Sabe, Pietra...
— O quê?
— Eu queria muito ser uma estrela, e ficar olhando o mundo lá de cima. Seria fantástico, não seria?
— Seria sim.
Naquele dia, a constelação estava tão linda que quase não falávamos.
— Josh?
— O quê!
— Pra onde vão as estrelas quando amanhece o dia? — perguntei.
Josh ficou pensativo. Ele sempre tinha uma resposta para tudo, e eu achava que agora tinha pego ele.
— Elas continuam no mesmo lugar.
— No mesmo lugar? E como nós não a vemos de manhã?
— Porque a luz do sol às oculta. Daí não as conseguimos ver.
— Eu nunca havia pensado nisto antes. Você devia ser um astrônomo, Josh.
— É. Pode ser. Vamos, está tarde.
— Vamos.
Acho que depois daquela nossa conversa, Josh pensou seriamente na hipótese de ser um astrônomo. Assim, ele fez o seu telescópio com apenas doze anos de idade. Foi o vencedor, inclusive, da feira de ciência com a sua criação. Ele era mesmo um gênio e eu tinha muito orgulho de ser amigo dele.
Com a sua luneta, podemos assim avistar as estrelas mais de perto. Nossa paixão pelos astros tendeu a crescer, e os nossos olhares começaram a ficar indiferentes. Eu comecei a ter vergonha de certas coisas quando estava perto do Josh, como rir alto, coisa que eu sempre fazia. Sentia, também, certo nervosismo e ansiedade quando marcávamos de nos encontrar na colina. Foi assim que eu descobri que estava apaixonada por ele.
Continua...
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ESPECTROFOBIA (Contos de Terror)
HorrorSe você gosta de explorar o desconhecido; fantasmas, demônios, lendas urbanas, vampiros, aqui é o lugar certo. Seja bem vindo às mais assustadoras histórias de horror. Atenção! Plágio é crime. Todos os contos estão autenticados.