pApAi bObO (3 continuação)

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Aconteceu que as crianças haviam se tornado violentas, resmungonas. Vários canais de televisão abordavam o tema Violência Juvenil com a participação de psicólogos, pediatras e professores pedagógicos.

"Eu aposto na boa e velha palmada", disse um dos pediatras aumentando ainda mais a calorosa discussão.

Enzo também já vinha mostrando alteração de humor em casa. Chorava como um desesperado quando o pai mudava de canal para assistir outro programa. O menino desferia socos no peito do pai e este puxava suas orelhas, mas a criança continuava imperativa.

— O que está acontecendo com Enzo, meu Deus? — dizia sua mãe.

Um famoso jornalista sugeriu que o responsável desta violência toda no país estava vindo de um canal de televisão, especificamente do canal 07, o programa do pApAi bObO.

Naquele ínterim, pApAi bObO já era o maior fenômeno da televisão, tendo milhões de fãs pelo o país inteiro. Bonecos, músicas e uma variedade de bugigangas preenchiam as prateleiras das lojas. Todas as crianças queriam ser amigos do pApAi bObO.

O mesmo jornalista desafiou pApAi bObO para um debate em um determinado canal de televisão. pApAi bObO aceitou.

— O que você tem a dizer sobre esses ocorridos em escolas, creches, até mesmo nas casas de crianças fora do controle, completamente subversivas?

— Eu sou apenas um animador de televisão, meu caro. — disse pApAi bObO.

— Um animador um tanto que diferente, você não acha?

— Tenho meu jeitinho, minha peculiaridade de trabalhar, e acho isso autêntico. Não há nada no meu programa que possa destruir a reputação de uma pessoa, ainda mais de uma criança.

— Não é o que vimos. Temos várias testemunhas, pais insatisfeitos com o conteúdo do seu programa. Reproduzem os mesmos jogos em praças e colégios e sempre saem machucadas. pApAi bObO, você é um grande perigo para este país.

pApAi bObO manteve a calma e disse:

— Na verdade o senhor está frustrado por eu representar melhor a função de paternidade, digamos assim. Eu me considero o pai de muitas crianças deste país.

— O quê?! Mas que blasfema! — interpelou o jornalista.

— Me deixe continuar. Me diga, senhor, qual a atenção que os pais dão aos seus filhos nestes dias tão corridos como de hoje? Nenhuma, por isso eles vêm me procurar. O palhaço aqui não abandona às crianças negando ser o pai, fugindo como um covarde, abandonando nas ruas, ou simplesmente saindo de casa para nunca mais voltar.

O apresentador deu a entrevista como encerrada, e o palhaço saiu do programa com o peito estufado, afinal havia ganho aquele debate.

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