Uma Alucinante Noite de Natal (Continuação)

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Fez uma noite fria àquele dia. Os pingos da chuva começaram a fustigar o guarda-chuva, que eu também havia comprado na loja, com uma violência arrebatadora.

Foi quando eu decidi pegar um atalho por uma viela que eu nunca havia pisado antes. Confesso que sentia medo de atravessá-la. Muitos me diziam histórias absurdas sobre a ruazinha. Geralmente eram assaltos, pessoas pulando em cima de você querendo sabe lá o quê. Mas, eu tinha que me apressar. O relógio estava para bater a meia-noite.

"Não se preocupem, crianças, o bom velhinho está chegando", e segui descendo a viela, ignorando qualquer fato que diziam a respeito dela.

Segui em passos acelerados, porém trôpegos, pois o frio intenso começara a congelar os meus calcanhares. De vez em quando eu olhava para trás para ter certeza de que não tinha ninguém atrás de mim. Eu estava só, ufa. Porém pressentia estar sendo espreitado por alguém, as frestas de luzes advindas dos postes a metros de distancia me apontavam intrusos. Eles estavam solapados naquele sombrio lugar onde ratos se locomoviam hereticamente, cães uivavam lamentavelmente.

Foi quando eu vi, saindo de um barraco de papelão, algo que deduzi ser uma mulher. Sim, tratava-se de uma velhaca, suja, com as vestes surradas, trazendo nas espáduas uma corcunda horrenda, mas tão horrenda que me afastei, amedrontado. Mas ela continuava a me seguir, trazendo-me uns olhos de gratidão, não sei por qual razão. Então estendeu-me a mão, pedindo-me algo.

— Afaste-se! — disse me recuando. — Não tenho nada. Afaste-se! A senhora está imunda.

As mãos da idosa tremiam de frio, ou de fome, não sei ao certo; mas, o que eu tinha a ver com aquilo?

— Eu não tenho nada, senhora. Sinto muito. — e tentei atravessá-la, mas a impertinente anciã voltou a me importunar com uma voz metálica pedindo-me alguma coisa quente. Desta vez não a respondi e segui o meu trajeto.

"Eu não devia ter pego esta viela. Por que não escutei os conselhos dos amigos? Que homem tolo que eu sou".

Aquela ruazinha parecia não ter fim. E o ocaso ainda estava um pouco distante, era o que eu podia deduzir. Mas continuei o meu trajeto, afinal não podia voltar quase no meio do caminho.

Só que agora, em minha direção, para o meu estremecimento, vinha um homem, um rapazola de aproximados vinte e poucos anos de idade, com uma aparência rústica e ignorante. "E agora?" Indaguei-me. "Pronto! Serei assaltado". Até tentei em vão acelerar os passos, mas o homem pediu para que eu parasse, coisa que obedeci. Provavelmente trazia uma arma.

— Boa noite, papai Noel! — ele me cumprimenta. Um pouco mais e ele anunciava o assalto. Só era questão de tempo. — Este é o primeiro natal que recebemos a sua visita. Ficamos bastante lisonjeados por isto, Papai Noel. O senhor me podia fazer uma coisa?

— O quê? — perguntei estremecido.

— Minha filha queria muito um dia conhecer o senhor. Nunca recebeu a visita do bom velhinho. Por favor, venha até em casa!

"Pelos diabos!", eu pensei.

— Eu estou muito atrasado.

Provavelmente aquele sujeito me levaria para algum lugar e lá fazer a limpeza em mim. Eu estava muito aflito, afinal o larápio podia ter um repente, nunca se sabe o que pode vir desses sujeitos. Meu pai dizia que a maioria usava droga para ter coragem de fazer o mal, e eu admitia tal fato.

— O senhor ainda tem muito trabalho pela frente. A noite só está começando, não é?! Perdooe-me por tomar o seu tempo, muitas crianças estão esperando pelo senhor. Mas direi a minha filha que o senhor mandou lembranças.

— Faça isso! Agora com licença.

Ufa! Graças a Deus eu estava bem. Coloquei a mão no bolso verificando se minha carteira ainda estava por lá. Por sorte, muita sorte mesmo, ainda estava. Esses ladrões são tão rápidos que devemos nos certificar. Fiz o certo em enfrentar o bandidozinho, intimidando-o. Se não fosse por isso, provavelmente me assaltaria.

Agora faltava bem pouco para chegar à rua principal e me escafeder daquele lugarzinho sombrio que era aquela viela. E eu já estava alcançando o ocaso, faltava pouco, bem pouco, até novamente eu ser acudido, desta vez, por dois trombadinhas, um moleque de aproximadamente doze anos e uma garotinha, acho que devia ter uns oito, se não menos.

— Papai Noel, Papai Noel! — vieram gritando na minha direção.

— O que vocês querem? — perguntei endiabrado.

— Papai Noel, por favor, abrimos mãos de presentes este ano, nós só pedimos por favor o seu guarda chuva para proteger a nossa mamãe que se encontra enferma e deitada sobre um jornal.

— Ora; e para que serve os toldos senão para os proteger da chuva e do sol quente?

— Os toldos estão todos furados e a chuva é a nossa maior inimiga. Nos ajude, Papai Noel!

— E pegar essa chuva toda? Vocês não têm pena do bom velhinho? Não vêem que ele é um senhor de idade e que trabalha tanto na noite de Natal?

— Puxa! É verdade. — disse a garotinha. Sua face brilhava, não sei se eram das gotas da chuva ou se eram lágrimas. Lágrimas de crocodilo, isso sim. Humpf!

— Agora deixem este bom velhinho seguir o seu caminho, os pequeninos me esperam. Oh, oh, oh, oh.

E comecei a tossir, a me sentir estranho.

"Cof, cof, cof. Droga".

— Papai Noel, o senhor está bem?

Eu estava. Só queria aqueles pivetes longe de mim. Só isso.

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