Um dia, quando eu voltava da feira, numa manhã escaldante, prestes a atravessar uma rua, vi uma correria e gritaria atípica. “Pega ele”, gritavam as pessoas. “Não deixem esse filho da puta fugir”. Foi quando, bem na esquina, praticamente em minha direção, um garoto franzino, com os olhos esbugalhados de medo e terror, corria feito louco de uma multidão que o tentava pegar. “Para esse moleque aí!”, gritava o povo. Fiquei estática. Em pânico. Era o menino que havia pulado o quintal de casa para pegar aquela pipa que quebrei. O garoto passou como uma bala do meu lado. “Por que você não agarrou ele, seu otário?”, disse um grandalhão para um rapaz que estava ao meu lado. No meio da multidão, vi Andy, ainda com a farda do colégio, jogando sua mochila no chão, aquela sobrecarga, para ficar mais leve e correr também atrás do garoto.
— Andy, pare aí mesmo! — eu gritei. Mas o pequeno não me ouviu e continuou a perseguir o rapazinho.
Logo dobrando a esquina de casa, porém, um homem já havia apanhado o menino. E este homem era justamente um dos amigos do meu marido, com uma arma na mão e um sorriso doentio na face. Meu esposo também estava acompanhado dele. A multidão segurava o garoto e logo alguém trouxe uma corda para amarrá-lo no poste. Foi quando começou a tortura.
Era incrível a violência daquela multidão. Socos e pontapés não bastavam. Pedras voavam em sua direção e acertavam sua cabeça fazendo espirrar sangue por todos os lados. Quem discordava do ato insidioso era insultado pelos os agressores com discursos típicos de ódio. "Ele é ladrão", "arrombador de casa", gritavam. "Meu Deus", eu pensei. Eu contribuí com aquilo! Havia divulgado a todos que aquela pobre criatura era um ladrão.
"E quando foi que lhe roubei alguma coisa, senhora?", só me veio a frase daquele menino na minha cabeça.
"Eu também sou um monstro! Sou um monstro também, meu Deus!".
Eu me sentia culpada por aquele ato iníquo.
"Me jogue no inferno, meu Deus! Me deixe arder nas profundezas do inferno!"
Em meio a tanta animosidade e arrogância, mulheres e crianças vedavam os seus olhos e se afastavam da atrocidade. Andy, que havia corrido até ali para acertá-lo também, parou ao ver a situação do pobre infeliz. Percebi a respiração ofegante do meu menino. Sim, ele estava com medo. Impactado com a violência. Andy estava traumatizado, assim como eu, com tanta brutalidade.
Seu pai, ao ver meu menino parado, chocado com tudo, disse:
— Ei, moleque. Essa é a tua chance de virar homem. Mete o pau nesse fodido! — e lhe deu um espesso pedaço de pau. Andy meneou a cabeça, mas continuou parado.
A chuva, naquele momento, começava a desabar e lavava a face ensanguentada do garoto. Naquele momento, eram visíveis os profundos cortes em seu corpo e rosto.
Às nuvens espessas enegreciam o céu, tornando-o funesto. Parece que Deus repudiava tal ato. Os pingos caíam em minha face e doíam. Parecia fritura de óleo. "É Deus me castigando, é o fogo do inferno", pensei.
— Ei, moleque! — continuou meu esposo, agarrando Andy. — Vai! Acerta o filho da puta!
Então Andy pegou o pedaço de pau das mãos do pai, olhou para o menino e mirou a arma branca em sua face.
"Não faça isso, Andy! Não seja como ele! Pelo amor de Deus, não seja como seu pai!".
Andy continuava com a arma na mão.
— Bora, acerta ele! — gritou o pai. A multidão também gritava para que Andy matasse o menino. Mas, meu abençoado menino não fez aquilo. Soltou o pedaço de pau, e, pela primeira vez, vi seu beiço se retrair. Meu Andy estava para chorar. Então seu pai o puxou forte pelo braço, afastando Andy de todo mundo. Não queria ver o filho chorando no meio da multidão. Aquilo seria uma humilhação para ele.
— Está bem, está bem, gente. Agora já chega! — disse o amigo do meu esposo, aquele da arma na mão. — Vamos acabar logo com isso. Então o homem acertou em cheio a cabeça do garoto com sua pistola. A multidão comemorou aquela crueldade como um gol de copa do mundo. Agora, satisfeitos, se afastavam cada um indo para o rumo de suas casas, como se nada tivesse acontecido.
— Você me envergonha! — vi meu esposo falar a Andy com a feição ainda em estado de choque.
Eu continuei parada ali naquele local, vendo aquela sujidade. O sofrimento do garoto enfim havia acabado.
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ESPECTROFOBIA (Contos de Terror)
TerrorSe você gosta de explorar o desconhecido; fantasmas, demônios, lendas urbanas, vampiros, aqui é o lugar certo. Seja bem vindo às mais assustadoras histórias de horror. Atenção! Plágio é crime. Todos os contos estão autenticados.