A Cara do Pai

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       Meu pequeno Andy sempre foi um garotinho imperativo, sempre. Perdi a conta das vezes que fui chamada pela diretora do colégio por ele fazer isso e aquilo. A maioria das vezes, por brigas. Se envolvia com garotos maiores e quase sempre apanhava, mas nunca baixava a cabeça. Acho que nunca vi meu pequeno chorando, nem mesmo quando o pai lhe enchia de cintadas.

Eu não conseguia contar às cicatrizes que meu filho tinha no seu corpinho. Tão jovenzimho e ja carregava no corpo marcas de pessoas adultas. Seu pai lhe batia tanto no meu pequeno, e lhe falava cada coisa para uma criança de oito anos. Mas, mesmo assim, Andy o amava, mais que eu, e eu não conseguia entender o porquê, afinal eu sempre lhe dava amor, afeto, coisa que o pai nunca dava.

Acho que Andy me odiava, e às vezes eu achava que não, pois sempre tentava chamar minha atenção. Tinha dia que o pequeno subia na parede do pequeno corredor de casa, como um macaco, e ficava me chamando: "veja, mãe, olhe onde eu estou". "Desce daí, pequeno, você vai cair", eu dizia. "Mas veja só, mãe, você acha que o papai vai gostar?", ele continuava. "E eu sei lá, menino! Agora desce daí, bora".

Andy tinha tudo o que um garoto precisava para ser alguém na vida. É como dizem, a faca e o queijo na mão. Tinha os melhores materiais para se trabalhar em uma sala de aula. Uma caneta, com um bocado de cores que eu o admoestava para não pintar com ela, pois para isso ele tinha as canetinhas da Faber Castell. Mas mesmo assim não tinha jeito. Sua professora sempre me chamava de canto e perguntava se Andy tinha algum tipo de distúrbio. Eu dizia, "não, mas por quê?". Então ela me dizia que Andy desenhava imagens perturbadoras nas mesinhas da sala de aula. Coisas como demônios cozinhando pessoas vivas num caldeirão, ou mulheres tendo uma espécie de aborto. A própria me mostrou os desenhos antes de serem apagadas pelo pessoal da limpeza. Eu dizia que não entendia, que as canetinhas eram apenas para desenhar, pintar, coisas comuns de crianças.

O que Andy mais adorava de brincar, era com petecas, e se dizia o maioral da rua. Foi jogando peteca que o pequeno adquiriu uma unheira pustulenta que não sarava nunca.

Certo dia, quando chegou da escola, o pequeno correu para suas petecas, mas, para a sua surpresa, elas não estavam mais lá. Procurou por toda a casa. Eu, percebendo aquela bagunça toda, perguntei:

— O que tá fazendo, menino? Que bagunça é essa?

— Minhas petecas. Tu viu elas?

— Lá sei de petecas, pequeno! Para de bagunçar a casa, já!

Então se aquietou no seu quarto e me deixou em paz. Só que mais tarde, quando o pai chegou com os amigos pra beber no quintal, Andy foi novamente procurar suas petecas. Eu estava na porta da cozinha que dava acesso ao quintal, só vendo tudo. Seu pai, vendo aquela arrumação do garoto, disse:

— O que tu tá fazendo aí, moleque?

— Tô procurando minhas petecas, o senhor viu?

O Pai colocou o copo de cerveja sobre a mesa, cruzou os braços, e disse:

— Eu mandei tua mãe jogar fora.

Andy me olhou furiosamente.

— Mas por que, papai?

 — Por quê? Tu ainda me pergunta por que, moleque? — Pessoal, — disse o pai para os amigos, todos já bêbados. — Olha aqui esse moleque, cedo vai comer todas as molecas do bairro, igual como o pai aqui fazia. Não é mesmo, moleque?!". —Andy não dizia nada, e os bêbados gozavam da sua cara. — Olha pra essa cara quadrada dele! Diabo! Não é feio pra porra? Caralho, pra quem será que puxou? Pra mim que não foi. Ele não tem nada de mim, nem o cabelo. Não tem a minha cara.  — Andy baixava a cabeça, sentido. Andy queria tanto ser igual ao pai. — Onde esteve hoje? — continuou o pai.

— Na escola, papai.

— Pare com a tua mentira barata, moleque dos infernos! Me diz a verdade, eu quero saber onde tu esteve hoje!

— Já lhe disse, na aula.

Então seu pai levantou-se sorrateiramente e ficou circulando a mesa, rindo, a cerveja caindo toda no chão. Eu o conhecia bem. Estava descontrolado.

 — Hoje fui até a tua escola pra saber como andavam as coisas por lá, e, pra minha surpresa, tua professora disse que tu já tinha ido embora. Disseste a ela que tava reclamando de um mal estar e que não tava se sentido bem pra continuar assistindo a aula. Então ela te liberou mais cedo. Só que duas esquinas à frente, te vi, seu filho da puta, jogando peteca com uns cafajestes igual tu. Cheguei a afrouxar meu cinto pra ti surrar ali mesmo na rua, mas a rua tava muito movimentada, então desisti, mas liguei pra tua mãe e disse pra que ela pegasse todas essas tuas imundícies e jogassem no lixo. Não! Nem adianta correr pro lixeiro porque o caminhão já passou. Agora, já que tamo em casa, vamos acertar as coisas.

Então o pai tirou o cinto da bermuda, um cinto novo que havia comprado justamente para torturar o filho. Então o pegou pelos cabelos e começou a surrá-lo ali mesmo na frente dos amigos que afastaram as cadeiras assustados com o repente do amigo. "Pega leve com o garoto", dizia um deles, mas o pai não parava de batê-lo. Andy conseguiu escapar da surra quando o pai, já cansado e tonto da bebedeira, se desequilibrou e caiu. Andy correu e, passando por mim, que continuava na porta, a me lamentar, disse: "Eu te odeio!". Nossa! Aquilo me doeu tanto, mas tanto que passei a noite inteira chorando. Aquela frase, dita com tanto ódio por Andy, não saía da minha cabeça.

Acho que umas três e meia da manhã, quando ainda permanecia acordada, meu esposo roncando como cotidianamente, me levantei e fui ver como Andy estava. Abri a porta sorrateiramente e meu menino estava ali, em sua cama, dormindo, porém gemendo e com solavancos pelo corpo. Provavelmente tendo pesadelos. Me aproximei, pus a mão em sua tez e Andy ardia em febre. Então fui até à cozinha, peguei um pano úmido e voltei colocando em sua testa, e fiquei sentada ali até umas seis e pouco da manhã. 

                          CONTINUA ...

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