CODINOME: DELTA

Capítulo 32

Dylan...

O que fizeram com você?

Dilaceraram a sua alma.

Roubaram a sua infância.

Transformaram você em um agente do medo. Você, que não causava medo algum a ninguém.

Ainda é você, Dylan?

Você ainda tem medo?

Beatrice Murray não conseguia reagir a estímulo algum, depois de ouvir as palavras cruéis da doutora Kassandra Winslet. Ela mencionou o nome de Dylan de uma maneira tão trivial, tão fria e tão maldosa. Em momento algum ela teve empatia pelo menino que ele era, e tampouco pelo que ele poderia estar sentindo, se é que ainda sentisse algo. Ela não conseguia ouvir Alex e Sahyd gritando para que ela saísse do caminho do monstro, pois ele estava prestes a esmagá-la com dois dos quatro braços. Ela tentava olhar nos olhos da criatura e enxergar Dylan, mas nada parecia ter sobrado dele, a não ser resquícios distantes de lembranças de sua vida tão curta. A criatura sacudiu a cabeça com força, aparentemente se livrando do seu lado humano e sem hesitar, instou os seus braços para baixo, com o claro objetivo de abater sua presa. Ainda assim, Beatrice não se movia, incapaz de aceitar a realidade que estava prestes a esmagá-la. Seu único ato de reflexo foi fechar os olhos, enquanto os braços gigantes vinham ao seu encontro. Em uma questão de milésimo de segundos, não haveria mais luz. Não haveria mais vida, não haveria mais o fim.

No entanto, o que Beatrice sentiu foi algo diferente do que ela estava esperando. Seu braço esquerdo foi puxado com força para longe do monstro e naquele exato momento, ela não conseguia abrir os olhos, pois um vento forte soprava diretamente em seu rosto. O ronco do motor de uma motocicleta forte e potente alardeava próximo aos seus ouvidos. Ainda sem conseguir abrir os olhos, ela sentiu ser puxada para cima e antes que pudesse perceber, estava sentado na garupa da motocicleta. Quando conseguiu visualizar o piloto, notou que não era de fato um estranho, mas alguém que ela vira anteriormente e que por sinal, representava uma ameaça para ela e para o grupo. Seus cabelos longos, agora amarrados em um coque e a espada guardada no suporte em suas costas revelaram a Beatrice quem era a pessoa que a salvou em uma ocasião totalmente inesperada.

- Kai? É você?

- Agora estamos quites, pirralha! - exclamou Kai, olhando de soslaio para trás - Já não te devo mais favor algum, você me ouviu?

- Obrigada...

- No que você estava pensando? Aquela coisa estava prestes a te trucidar! O que foi, perdeu a vontade de viver?

- É que... antes de ser esse monstro ele era... alguém que eu conhecia!

- É, ultimamente estamos perdendo muita gente que conhecemos - respondeu Kai, voltando a olhar para a estrada - É terrível, mas não podemos nos distrair!

- E como você nos encontrou?

- Eu estava seguindo aquele maluco da picape com o som. Precisava dar um jeito de pará-lo, ou ele atrairia legiões de mortos para cá!

- Aquilo foi proposital. Parece que é uma das cientistas da Ômega e foi ela quem transformou o Dylan naquilo!

- Então os canalhas resolveram sair da toca! E para aonde será que ela foi?

- Não tenho certeza, mas eu a ouvi dizendo que ia para o hospital de Westfield. Todo o meu pessoal está lá, inclusive a doutora Annchi, que está com a perna ferida.

- E quanto ao seu amigo policial? Pensei tê-lo visto por aqui!

Em seu momento de confusão, Beatrice acabou se esquecendo de Alex e Sahyd. Ela virou-se, ainda na moto e se deparou com seus companheiros atirando contra a horda de Carnívoros que já havia chegado ao local. Os dois homens mantinham formação de combate, de costas um para o outro e atirando contra os crânios das criaturas. Em poucos instantes, cerca de cem zumbis se aproximaram, ajuntando-se em rebanho e cercaram suas presas, deixando-as acuadas, mas não indefesas. Kai virou-se para Beatrice.

- Se segura, pirralha! As coisas vão ficar feias!

Sem esperar resposta, Kai Yagami acelerou sua motocicleta e retirou a espada do suporte em suas costas. Ele avançou em direção à horda que ameaçava Alex e Sahyd e iniciou uma série de decapitações em massa. A cada movimento de sua espada, um Carnívoro era abatido. Os cortes eram tão rápidos que os corpos, mesmo sem cabeça, caminhavam três ou quatro passos antes de caírem violentamente ao chão. A moto avançava em círculos, o que dificultava a percepção dos mortos vivos sobre o seu algoz. Finalmente, Alex e Sahyd ganhavam espaço para combater as criaturas, minimizando o risco de serem atacados. Entretanto, um problema muito maior continuava ameaçando o grupo. O gigante corria alucinado na direção de Alex e dos outros.

- Nossas balas são inúteis! - exclamou Sahyd - Deve haver outro jeito de atrasar esse monstro.

Foi então que a motocicleta de Sahyd estacionou perto dos outros rapazes, com uma derrapada ruidosa.

- Você! O que veio fazer aqui? - indagou Alex, de forma agressiva.

- Fiquem calmos, eu vim ajudar! - respondeu Kai - Estamos todos enfrentando a mesma situação. Pelo jeito, só vão desperdiçar munição atirando contra essa coisa. Eu vou tentar me aproximar e atingí-lo diretamente no coração.

- Hei! - interveio Beatrice - Não pode fazer isso... ele ainda está vivo!

Alex replicou com compaixão.

- Beatrice, entendo bem o que está sentindo, mas ele já não é o garoto que você conhece! O vírus já... o tomou por completo!

- Está enganado! Dylan ainda está vivo, eu sei... pensem um pouco! Ele poderia ter me matado minutos atrás, mas ele hesitou. Se afastou quando viu que era eu que estava na frente dele. Eu não sei explicar, mas...Dylan ainda está lá, suplicando por ajuda.

- Não sabemos bem como esse vírus maldito age, Beatrice! - interveio Sahyd - Pode ser muito bem uma reação colateral, o sistema nervoso tendo espasmos. Mas acredite. É terrível, eu sei, mas agora ele é somente um monstro!

- Me deixem tentar! - pediu Beatrice - Quero falar com ele!

- Você enlouqueceu? - ralhou Alex - Ele irá te esmagar facilmente e te devorar! Isso está fora de cogitação! Você com a espada... acha que pode acertá-lo?

- Alex, por favor! - suplicou Beatrice - Eu sei o que vi naquele momento. Ele me reconheceu! Ainda há vida em Dylan. Pode ser um resquício, mas o cerebelo dele ainda deve estar ativo. Ele é diferente dos Carnívoros... está lutando por sua vida.

- Se aceitam minha opinião, acho que devemos deixar que ela tente - comentou Kai, com firmeza em seu olhar.

- Quem você pensa que é para nos dar esse tipo de sugestão? - indagou Alex, irritado - Olhe para o carro virado de ponta cabeça ali na frente! Foi ele quem fez aquilo! O que acha que ele poderá facilmente fazer com todos nós?

- Respondendo a sua primeira pergunta, meu nome é Kai Yagami! Sei que pode parecer um absurdo, mas... no momento em que vivemos, toda esperança, por menor que seja é bem-vinda. Dê uma chance a ela! Eu darei cobertura.

Alex ficou em silêncio por um breve instante. Depois, olhou para Sahyd, que suspirou e assentiu lentamente com a cabeça. Finalmente, ele tomou sua decisão.

- Beatrice, você tem um plano? Me diga que tem!

- Sei o que fazer, Alex. E também sei que é arriscado, mas eu preciso tentar!

- Pois muito bem... Seja o que for, precisamos ser rápidos. Ele já está vindo até nós!