Capítulo 11

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Alex Stevens possuía habilidade de muitos anos na corporação no que dizia respeito à arte de manobrar viaturas em alta velocidade, fosse para perseguir algum criminoso ou até mesmo para prestar socorro a um companheiro ferido. Normalmente, as viaturas tinham o mesmo porte da Dodge Ram que estava pilotando naquele momento, sem contar o mesmo senso de direção e estabilidade. Por essa razão, o policial conseguiu, em poucos minutos, reposicionar o veículo de volta à estrada, mesmo em meio ao horrível e imenso mar de sangue que se espalhava pela avenida principal. Finalmente conseguindo respirar com naturalidade, ele virou-se para a doutora no banco do carona.

- Annchi, está tudo bem?

- Está sim... Minha perna está doendo bem menos... Valeu!

- Bem, eu... não perguntei sobre a perna.

Annchi percebeu então que deixara transparecer e muito um momento de humanidade e sensibilidade que não aflorava há muito tempo. Desde que começou a trabalhar na Organização Ômega, sua vida passou a ser uma grande massa de razão e frieza. O seu avô Lao Zhang era a última pessoa que poderia representar algum tipo de sentimento para ela. Desde que ele partira desse mundo, sua vida se tornou um universo de estudo de dados, fórmulas e, acima de tudo, uma luta constante contra a depressão na juventude. Embora tenha conseguido finalmente viajar para os Estados Unidos e construir uma carreira brilhante como uma das virologistas mais geniais e disciplinadas das quais se poderia ter notícia, a tristeza e a solidão nunca a abandonaram. Annchi nunca teve amigos que lhe fossem leais. Quem quer que chegasse perto, demonstrava algum tipo de interesse, seja para usar a sua convivência para ganhar notoriedade ou até roubar projetos ou protótipos.

Mas não era assim com Alex Stevens. Ele não fazia a ideia de quem ela era. Sequer conhecia a área de virologia. Ele a viu em situação de perigo e decidiu ajudá-la. Sem perguntas, sem condições, sem esperar algo em troca. Ele a salvou. Simples assim. E foi exatamente por isso que por alguns momentos ela abandonou a cientista em seu interior e deu lugar à jovem Annchi Zhang, que naquele instante estava assustada e ainda compadecida pela família que nunca conseguiu realizar a tão sonhada viagem para Milão.

- Eu... Vivi por todos esse anos para cumprir uma promessa que fiz a mim mesma. Durante cada dia em minha carreira eu me dediquei à pesquisa de soluções, medicamentos que pudessem curar ou ao menos diminuir a dor e o sofrimento das pessoas.

- Bom, eu conheço um pouco da Organização Ômega - respondeu Alex, olhando para a estrada enquanto dirigia - É esse o seu príncipal campo de pesquisa, não é? O desenvolvimento de novos medicamentos acessíveis, vacinas para toda e qualquer espécie de epidemia, pesquisas biológicas e tratamentos virais. Não é isso?

- Era para ser assim e sempre foi até a ascensão da insanidade do doutor Brandon Davis. Ele é de longe o cientista mais brilhante da Ômega, porém sua ganância vem na mesma medida. Por anos ele auxiliou e orientou o desenvolvimento de vacinas contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e, acredite ou não, ele descobriu não uma vacina, mas a cura para o vírus.

- Ele descobriu a cura para a AIDS? - replicou Alex na tentativa de compreender a história - E por que nunca ninguém soube disso?

- Como você bem disse, está em uma das principais missões e valores da Ômega o desenvolvimento de soluções eficazes e acima de tudo acessíveis ao público. O doutor Davis descobriu um modo de compor a cura e comercializá-la a um baixo custo para todo o país e talvez para o restante do mundo. Porém, quando o projeto chegou às mãos do Conselho Farmacêutico foi barrado imediatamente, sob a alegação de que os efeitos colaterais poderiam ser catastróficos em um paciente que não possuía nenhuma imunidade. Mas é claro que isso não era verdade. Nessa época, foram realizados mais de quatro mil testagens, sendo duzentas delas testadas em pacientes voluntários humanos e, como era de se esperar, o sucesso foi absoluto.

Alex voltou-se por um momento para olhar nos olhos de Annchi.

- Todos os duzentos foram curados da AIDS?

- Foram sim. Uma pequena porcentagem apresentou efeitos colaterais, como uma leve dor de cabeça e uma relativa alteração nos batimentos cardíacos, mas nada que interferisse no modo de vida dos pacientes. Alex, todos eles voltaram a ter vidas normais, sem medo de manter relações com os cônjuges ou de se ferir perto de alguém.

- E onde estavam essas duzentas pessoas quando o projeto foi negado? Nenhuma delas aceitou ser testemunha ocular da cura?

Nesse momento, Annchi engoliu seco, como se suas próximas palavras causassem náuseas a ela mesma.

- O Conselho Farmacêutico é uma grande máfia, Alex! O que você acha que seria mais rentável às pessoas de maior interesse? Vender a nível global um antígeno pelo mesmo valor de uma aspirina ou continuar faturando bilhões de dólares com coquetéis caríssimos que apenas fariam com que os sintomas diminuíssem até a hora de tomar a próxima dose?

- Céus...

- O Governo, junto com o Conselho Farmacêutico, rastreou cada um dos duzentos pacientes e alguns foram coagidos a ficar em silêncio, outros tiveram suas famílias ameaçadas e alguns simplesmente desapareceram. O Governo destruiu toda e qualquer evidência do antígeno contra a Imunodeficiência e, como você sabe, nunca se ouviu falar de algo assim.

As mãos de Alex seguraram com força ao volante do Dodge Ram. Ele se recusava a aceitar o que estava ouvindo.

- Então ao longo de toda a história, tivemos chances de curar doenças que julgamos ser incuráveis. Tivemos chances de poder salvar vidas facilmente. Só não... quisemos fazê-lo, pois seria mais barato e os ricos não iam ficar ainda mais ricos.

Annchi suspirou profundamente.

- Eu não poderia explicar de um modo mais simples.

- Mas então o que fez com que o doutor Davis acordasse um dia de manhã e resolvesse criar o Orpheu?

- Obviamente o doutor Davis ficou extremamente frustrado com todas as declinações das autoridades, pois ele foi quem deixou de ganhar rios de dinheiro com os projetos. Embora ele tenha um prestígio muito grande com o Governo e o Conselho Farmacêutico, o dinheiro sempre falou mais alto e nessas circunstâncias, ele sempre era visto como um cientista louco que precisava ser mantido por perto, caso contrário, destruiria um planeta inteiro.

- Ironicamente, é exatamente isso o que ele está fazendo no momento! - comentou Alex.

- O Orpheu foi criado de maneira totalmente secreta. Ninguém, a não ser os cientistas da equipe do doutor Davis sabia da existência do projeto. Eles sempre esconderam o trabalho até mesmo das auditorias semestrais do Conselho Farmacêutico. Era um projeto que ele definitivamente não queria perder.

- Mas isso não faz o menor sentido! Olhe à nossa volta, todos morreram! Estamos na avenida principal e não vimos ninguém vivo em quilômetros! Como ele espera ficar rico em um mundo... sem vida?

- Isso não entra na questão, Alex!

- O que disse?

- O doutor Brandon Davis criou o Orpheu para fins militares. Seu público-alvo sãos os principais governantes dos países que possuem exércitos em atividade. Volto a dizer... O principal objetivo da criação do Orpheu é formar exércitos inteiros de mortos-vivos.

- Soldados que não morrem com tiros ou explosões. Simples capacetes de guerra protegerão seu único ponto fraco. E a nação que tiver um exército como esse com toda a certeza dominará o mundo! Então, finalmente o doutor Davis desenvolveu um projeto que irá agradar todos, aos ricos e poderosos - Alex concluiu, suando frio - É um projeto que não será negado, e ele... poderá vendê-lo pelo preço que quiser!

CODINOME: DELTAOnde histórias criam vida. Descubra agora