Capítulo 20

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Um ano antes...

Beatrice Murray decidiu, em uma das raras ocasiões, fazer uma pausa em seu trabalho no orfanato de Westfield para comer um lanche no Larry's, uma lanchonete muito frequentada pelos jovens que estudavam em uma escola próxima dali. Não estava sendo um mês fácil para Beatrice. As dívidas do orfanato vinham aumentando e como se tratava de um estabelecimento que não recebia verba do governo, ela tinha que arrecadar doações para manter a casa que agora abrigava quase trinta crianças. Entretanto, Westfield estava enfrentando uma grave crise financeira. A inflação mundial havia subido exponencialmente e os preços dos alimentos e insumos em geral tiveram um grande aumento de preço nos últimos dias. Como consequência, as famílias não se sentiam seguras em fazer doações com a mesma frequência de antes.

Além de trabalhar no orfanato, Beatrice também era artista plástica. Ela desenvolvia logomarcas e artes para campanhas publicitárias de grandes empresas. Ela não recebia exatamente um salário, o seu faturamento advinha dos trabalhos que ela realizava durante a noite, quando todos os órfãos já estavam dormindo. A inflação e a crise na cidade também prejudicaram Beatrice, pois a maioria dos empresários achou mais prudente não investir tanto em publicidade direta, pelo menos por enquanto. Em algumas vezes, Beatrice usava o seu próprio salário para comprar alimentos para os órfãos e em algumas ocasiões, o dinheiro que sobrava era suficiente para ela fazer um lanche, pois o cardápio do Larry's era convidativo e não era caro.

Por alguns instantes, Beatrice procurou acalmar sua mente e seu coração naqueles momentos de pausa. Ela precisava se concentrar para pensar em soluções para a manutenção do orfanato. Por mais que o seu problema fosse imenso, vinte e oito crianças dependiam de seus cuidados. Entretanto, o que era para ser um horário de almoço comum acabou de tornando um momento que para ela seria inesquecível, de todas as maneiras. Mesmo estando com seu fone de ouvido, ela pôde perceber um barulho de confusão ao seu redor. Voltando a sua atenção para o ambiente, ela viu o dono da lanchonete gritando por ajuda. Um garoto, de aproximadamente onze anos de idade, pegou diversos ingredientes da lanchonete, além de alguns refrigerantes e saiu correndo. Beatrice não se lembrava de tê-lo visto quando entrou e não fazia muito tempo que ela estava ali, o que significava que a ação foi muito rápida. Não era a primeira vez que o garoto fazia aquilo. Pela janela da lanchonete, ela viu que o garoto não tinha ido muito longe. Mal tinha pisado na calçada do estabelecimento em direção à rua quando um guarda que fazia segurança para a lanchonete o apanhou. Seria uma situação comum, como tantas outras em Westfield, não fosse pelo fato que ocorreu em seguida. Mesmo com o menino rendido e preso em seu poder, o guarda começou a desferir socos e chutes na criança. Eram tantos golpes que o garoto deitou na calçada de tanta dor. Um dispositivo de impulso apoderou-se da mente de Beatrice e ela imediatamente correu para o local.

Abrindo a porta com força, ela gritou o guarda:

- Ei! Já chega!

O homem pareceu não ter ouvido o apelo de Beatrice e continuou a agredir o garoto. Enfurecida, ela insistiu:

- Ei, seu covarde! Tô falando com você!

Ela saiu correndo sem pensar em qualquer consequência e agarrou o braço do segurança. A reação do homem foi instintiva e imediata. Com a força de apenas um braço, ele se livrou de Beatrice, lançando-a ao chão. Vendo que se tratava de uma cliente da lanchonete, o homem mudou de postura e estendeu a mão para Beatrice, ao que ela o rejeitou, dando-lhe um tapa com as costas da mão.

- O que pensa que está fazendo? Não vê que ele é uma criança?

- Um bandido, é isso o que ele é! Há dias ele vem rondando a loja esperando a oportunidade certa para roubar! É por causa de tipos como ele que a cidade está do jeito que está! Mas hoje, não! Ele vai ter o que merece!

Ao dizer isso, o guarda desferiu um violento chute nas costelas do menino, que ainda estava caído ao chão. Beatrice não suportou mais ver aquela cena e se levantou em toda a sua ira, agarrando o homem pelo pescoço. Porém, sua força e sua estatura não poderiam combater um militar de um metro e noventa e cinco de altura. O olhar do homem se transformou em um espelho de ódio e vingança. Ele exclamou a Beatrice:

- Você deve ser cúmplice desse rato! Com certeza estão juntos nisso!

Foi então que o homem se transformou por completo. Livrando-se facilmente das mãos de Beatrice, ele fechou o seu punho e desferiu um forte soco no rosto da jovem, lançando longe os seus óculos. Beatrice caiu atordoada novamente. O menino, que estava logo atrás do homem, levantou -se subitamente e subiu nas costas do homem, dando-lhe diversos socos na cabeça. Mesmo não conseguindo enxergar perfeitamente, Beatrice sabia que o menino não iria aguentar por muito tempo e logo iria sofrer outra represália do gigante. Foi então que, num lapso de coragem e insanidade, ela se levantou e jogou o seu corpo com toda a força contra o tórax do homem, derrubando ele e o menino ao chão. Entretanto, a atitude custaria muito caro para Beatrice. Sem conseguir enxergar, ela não viu que o homem se levantou e, recuperando o fôlego, se aproximou e a levantou pela gola da blusa. O guarda não conseguiu mais conter a sua fúria e começou a desferir vários golpes no rosto de Beatrice. Mesmo gravemente machucada, ela conseguiu visualizar o menino que estava prestes a vir para cima do gigante novamente. Ela balançou a cabeça em negativa e sussurrou para ele.

- Corre... sai daqui! Leve a comida com você!

O menino ignorou a advertência de Beatrice e se agarrou novamente no guarda pela retaguarda. Juntando toda a raiva e a admiração pela desconhecida que o ajudou, ele mordeu o pescoço do guarda com toda a força, o que ocasionou-lhe uma ferida profunda. O homem lançou novamente o garoto e Beatrice ao chão. Entretanto, quando estava prestes a aplicar outro castigo nos dois jovens, uma viatura da polícia chegou e dois agentes saíram do veículo armados, gritando:

- Ei, pode parar já com isso! Mãos na cabeça!

O homem, com uma fúria indescritível em seus olhos, obedeceu e, como se fosse uma fera prestes a ser rendida, colocou lentamente as mãos entrelaçadas sobre a cabeça. O dono da lanchonete saiu às pressas para ver o que estava acontecendo e o motivo de tanta gritaria.

- Por todos os deuses! Mas o que está fazendo, Frank? - indagou, se dirigindo ao guarda gigante.

- Me... desculpe, chefe! Eu só queria... dar uma lição nesses dois ladrões!

- Um completo desequilibrado, é isso o que você é! Olha o que você fez com a garota!

Frank finalmente teve coragem de olhar para Beatrice, caída ao chão. Seu rosto, estava ferido, seus olhos inchados e seu nariz parcialmente quebrado. No entanto, ela ainda conseguiu esboçar um sorriso quando viu o garoto correr ao seu encontro.

- Por que fez aquilo? Você quase morreu por minha causa! Por favor, aguente! - o menino olhou para trás - Senhor policial, leve minha amiga ao hospital, por favor!

- Do que foi que... me chamou? - Beatrice quis ouvir as últimas palavras ditas pelo garoto uma vez mais. A dor e os ferimentos já não importavam.

- Ninguém nunca me ajudou! Você enfrentou esse gorila pra me salvar e nem sabe o meu nome!

- Sou Beatrice... você agora me conhece! Como é o seu nome?

- Meu nome é Dylan!

- Onde estão os seus pais, Dylan?

- Eu não tenho pais! - Dylan não conseguiu mais segurar a lágrima que lutava para cair de seu olho direito - Eles morreram afogados na praia e eu sou filho único! Eu só peguei toda a comida da lanchonete porque eu não tenho mais dinheiro e ninguém quis me dar de comer! Me desculpa, Beatrice!

- Dylan... Onde moro tem muita gente legal! Meninos e meninas da sua idade... Gostaria de vir morar comigo?

- Está falando sério? - Dylan abriu seu primeiro sorriso depois de meses - Não vai se aborrecer comigo como todas as outras pessoas?

- Eu vou te ajudar e você a mim! - respondeu Beatrice, retribuindo o sorriso - do mesmo jeito que fizemos aqui com o gorila! - ela gargalhou e sentiu uma dor aguda nos olhos.

- Ei, não se esforce tanto! - Dylan a abraçou como se quisesse amenizar a dor da amiga de qualquer maneira que conseguisse - Você não deveria ter feito aquilo! Eu sou um ladrão!

- Você é órfão, Dylan! E proteger e salvar os órfãos faz parte do juramento que fiz para toda a minha vida!

CODINOME: DELTAOnde histórias criam vida. Descubra agora