Capítulo 23

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A noite chegava mais uma vez. Em poucos minutos, as trevas prevalecerão sobre Westfield, dificultando a visão dos vivos e facilitando a caça para os mortos. Os Carnívoros não se importavam com a falta de luz ou de visão. A fome passou a guiá-los. Cada forma de vida representava momentos de prazer temporário. Eles não possuíam mais paladar. Mesmo aqueles que em vida tinham um refinado gosto alimentar abandonaram tal luxo e passaram a procurar por carne incansavelmente. Não sentiam mais dor, não sentiam mais frio e tampouco tristeza ou solidão. Eles sentiam fome, somente fome. Mesmo que devorassem a população de uma grande metrópole, ainda assim não iriam estar satisfeitos. Estavam condenados a não mais sentir o alívio da morte. Condenados a não ter mais sentimentos, a não ser mais capazes de tomar qualquer decisão. Estavam vivos, porém inconscientes e famintos. E assim estariam por toda a eternidade.

Ela sabia muito bem disso. Testemunhou os efeitos do vírus Orpheu em toda a sua magnitude. Caçar os Carnívoros se tornou um hobby macabro e não seria exagero dizer que se tornou também o seu estilo de vida. Ela previa os movimentos das criaturas. Sabia quais deles estavam infectados com a variante e quais eram apenas pedaços de carne ambulantes e inúteis. Ela conseguiu munição suficiente para sobreviver por tempo indeterminado. Sua pistola 762 era a sua única companhia e a sua garantia de sobrevivência. Ela não se arrependeu da aliança que fez com o doutor Delta e da sua cooperação para o seu plano ambicioso e ridículo. Na verdade, o biomédico era naquele momento uma pessoa extremamente importante e da qual ela precisava ganhar a confiança. Ele poderia ser um desequilibrado, mas era assustadoramente inteligente. E, acima de tudo, era uma peça chave para um plano muito maior. Ela tinha um objetivo, algo que a fazia querer persistir em viver. E cada passo que dava precisava de estratégia, precisava de cautela.

Ela condenou a si mesma por ter aceitado a tarefa asquerosa de capturar um bando de filhotes de javali e levar para o laboratório subterrâneo para sabe-se-lá qual finalidade. Precisou de alguns minutos para respirar e fingir que nada aconteceu depois de concluído o trabalho. Carregou a sua 762 e mergulhou noite adentro no centro da cidade. Ela precisava procurar por mais munição e gasolina para os veículos dos seus novos patrões. Mas não era só isso. Ela tinha algo que era extremamente importante àquela época. Informação e contatos. No passado, trabalhou em diversos países e atuou na defesa dos mais renomados governantes. Tais dados interessavam muito o doutor Delta e ele a mantinha segura e escondida. Pelo menos naqueles dias, trabalhar para a Organização Ômega era a alternativa mais interessante.

Ela tinha pouco tempo antes de alguma horda se juntar e sua munição ficar comprometida. Então, ela começou a correr, sem se preocupar com o barulho das suas passadas. Alguns Carnívoros infectados com a variante avançavam feito loucos em sua direção, ao que ela os derrubava com disparos precisos de sua 762. Ela também utilizava uma faca de combate em situações de luta isolada, contra uma ou duas criaturas. Ela saiu enfim da proteção dos quarteirões e adentrou à estrada principal, onde uma horda começava a se formar. Rapidamente, ela contou cerca de trinta mortos-vivos aglomerados, andando de um lado para outro, letárgicos. Precisou correr agachada, próximo a alguns veículos abandonados. O que ela não contava, porém, era com a presença de dois cachorros infectados que estavam ao final do corredor de veículos. O faro dos animais era extremamente apurado e imediatamente eles se deram conta da presença da mulher. Sem hesitar, ela correram simultaneamente em ataque. Ela rolou para trás de um veículo e preparou a sua pistola. Assim que o primeiro cachorro apareceu em sua frente, ela disparou contra o seu focinho, o nocauteando instantaneamente, com os seus miolos expostos e destruídos. Entretanto, o segundo cão havia corrido por cima do veículo e surgiu por cima da mulher, avançando feroz sobre a sua cabeça. Rapidamente e com toda a força que pôde, ela segurou o animal pelo abdômen e pelo pescoço. Seus braços tremiam enquanto o monstro sacudiu a cabeça para se livrar dos braços dela. Em um movimento habilidoso, ela encolheu seu joelho e golpeou o ventre da criatura fazendo com que ela perdesse as forças. Ato contínuo, ela o lançou com tudo ao chão e chutou violentamente a cabeça da criatura, fazendo com que ela ficasse zonza. Ela viu ali uma oportunidade de economizar munição. Sacou a faca de combate e perfurou o crânio do cachorro, dando fim à sua vida condenada.

No entanto, os minutos que perdeu eram preciosos. A horda que havia se formado na avenida principal já estava a menos de vinte metros de distância. A faca de combate não seria suficiente para neutralizar o grupo de monstros e ela não podia se dar ao luxo de gastar tanta munição, mesmo em uma situação como aquela. Para a sua sorte, os monstros eram lentos, o que permitiu que ela saltasse por cima de um dos veículos e aplicasse uma tesoura no monstro mais próximo. Quando ela o derrubou, o restante do grupo ficou atordoado, semelhante a uma queda de peças de dominó. Foi o exato instante que ela precisava. A mulher pisoteou a cabeça do primeiro Carnívoro ao chão e deu um chute violento no rosto decomposto do segundo do bando. Foi quando ela ganhou espaço para manusear a faca de combate, fincando os cérebros de um a um. Ela tinha reflexos monstruosos e as criaturas não tinham tempo para cercá-la. Ela esmurrou uma mulher zumbi que surgiu em sua direita e em seguida agarrou a cabeça de uma criatura mais jovem e a lançou com toda a força no para-brisa de um carro, fazendo com que o crânio do monstro explodisse em sangue. Foi assim que ela ganhou espaço para correr adiante, deixando a horda para trás.

Porém, algo ainda mais incomum chamou a sua atenção. Do outro lado da avenida, uma Dodge Ram avançava em alta velocidade. Parecia seguir em direção ao hospital de Westfield. Ela não via um veículo em movimento há dias e o que mais lhe causou espanto não foi o veículo propriamente dito, mas sim o que vinha atrás da Dodge Ram. Uma horda gigantesca corria atraída pelo ruído do motor. Eram Carnívoros infectados pela poderosa variante. Eles corriam feito loucos e pareciam saber exatamente onde o grupo de vivos estava indo. E também sabiam o que iriam fazer quando os encontrasse. Deixar pessoas à mercê da própria sorte não fazia parte do seu trabalho talvez em um futuro próximo aquele grupo poderia lhe ser útil, além das provisões que eles possuíam.

Ela correu em direção ao outro lado da avenida e avançou até um Honda Civic que estava abandonado na estrada. A porta estava aberta e a chave ainda na ignição. Ela ligou o motor e saiu em disparada na direção da horda de monstros velozes. Mesmo a oitenta quilômetros por hora, ela sabia exatamente o que tinha que fazer e como iria fazer. O barulho do Dodge Ram à frente já podia ser ouvido e a horda virou-se inteira para ver de onde vinha o intenso barulho de motor. Ela alcançou cento e dez por hora. Os Carnívoros avançaram ferozes em direção ao Honda Civic. Ela não conseguia contar quantas criaturas integravam o grupo. Eram violentos e estavam famintos, e isso era tudo o que ela tinha que saber.

Foi então que a distância ficou perfeita. Ela respirou fundo e encarou a horda uma última vez. Em seguida, jogou o volante todo para a esquerda, abriu a porta do motorista e se lançou no asfalto. Seu corpo rolou violentamente, mas ela precisava se recompor para executar o resto da sua estratégia. O Honda Civic capotava em plena avenida. O seu teto batia no chão e o veículo dava cambalhotas inacreditáveis em direção à horda. Foi quando ela se viu centrada no milissegundo que precisava. A parte de baixo do veículo, onde a bomba de combustível estava finalmente em sua mira e mesmo ferida ela apertou o gatilho. A bala foi mais rápida que a queda do Honda Civic e tanto o veículo quanto a horda explodiram em mil pedaços. Porém, inevitavelmente o Dodge Ram que estava a poucos metros de distância também foi afetado pela explosão, sendo lançado metros à frente em um capotamento assustador.

CODINOME: DELTAOnde histórias criam vida. Descubra agora