CODINOME: DELTA

Capítulo 38

Pequim - China. Quatorze anos antes...

Em raras ocasiões, a paz reinava por completo na residência de Feng Huang e sua esposa Mia Zhang. Naquele final de inverno, eles aproveitavam o período de descanso proposto pelo chefe do Serviço de Inteligência Chinesa. Feng e Mia eram atuavam como agentes segretos do Governo Chinês e suas atribuições consistiam principalmente em mapear, descobrir e desarticular possíveis eventos terroristas. Com bastante frequência, viajavam aos países investigados e criavam uma rede de relacionamento com os principais mentores das organizações. Ora se disfarçavam de burocratas ansiosos por contratar seus serviços, ora se passavam por fornecedores de armas e, em tentativas mais ousadas, se disfarçavam de turistas para serem capturados de propósito e assim descobrir o modus operandi das organizações. Feng e Mia eram espiões experientes e naturalmente angarivam inimigos a cada missão bem sucedida. Em toda a sua carreira, o casal continuou para a prisão de mais de sessenta terroristas que possuíam uma alta recompensa por sua captura.

Sua carreira era brilhante e sem dúvida alguma era motivo de orgulho e confiança para o Governo Chinês. Entretanto, o peso dessa imensa responsabilidade começara a esgotá-los em um nível que, alguns anos antes, jamais poderia ser cogitado pelo casal, que se conhecera em uma missão de captura em plena guerra do golfo. Mapear perímetros, descobrir identidades falsas e verdadeiras dos criminosos, trabalhar com furtividade e neutralizar snipers e homens-bomba eram tarefas que eles desempenhavam com dedicação e com admirável eficiência. Mas nos últimos anos, o foco do casal passou a não ser mais os campos de batalha, os bunkers, os cassinos clandestinos e arsenais criminosos de armas. Sua principal preocupação estava em sua casa, a qual dividiam com Lao Zhang, pai de Mia. A pequena Annchi Zhang havia acabado de completar nove anos de idade e sentia muita falta dos pais em sua vida.

Mia e Feng jamais deixaram que Annchi suspeitasse da profissão que eles desempenhavam. Não conheciam nenhum dos pais de seus colegas de escola e também não estavam seguros com relação ao quanto a ingenuidade da garota poderia denunciá-los a alguém indesejado. Em algumas ocasiões, Annchi questionava os pais sobre a razão de tanto distanciamento. A resposta que sempre recebia era que o trabalho dos pais era tão importante que exigia que eles viajassem com frequência. De acordo com Mia e Feng, o seu patrão era extremamente rigoroso e não permitia que os filhos dos colaboradores os acompanhassem no trabalho. Dependendo da gravidade da tarefa, eles poderiam passar meses sem ir para casa ou mesmo sem dar notícias, já que não poderiam correr o risco de seus telefones serem rastreados. O amor que Annchi nutria pelos pais era direcionado ao avô, Lao Zhang, que ela estimava mais do que qualquer tesouro com o qual poderia sonhar. Com o avô, Annchi aprendeu a arte da escrita e também dos desenhos. Aprendeu a ler e interpretar cartas, manuscritos chineses antigos e também revistas sobre um assunto qualquer. Aprendera também a entoar canções e a gravar os provérbios do avô em seu coração.

Nas ocasiões em que Mia e Feng conseguiam pegar um período de pausa, o mundo externo deixara de existir. Eles sabiam, sabiam mesmo, que cada momento poderia ser o último, dada sua profissão onde por muitas vezes suas vidas eram arriscadas por causas que eles mesmo desconheciam. E foi por essa razão que aprenderam a vivenciar a infância de Annchi em seu máximo esplendor. Eles ouviam atentamente as histórias da menina sobre a escola e sobre como não permitia de modo algum que qualquer colega de classe mexesse em seu material. Ela aprendeu que o desrespeito a qualquer pessoa começava com o ato de pegar qualquer coisa que não lhe pertencia, mesmo que fosse devolvida dez segundos depois. Também ouviam o quanto os meninos eram estúpidos e brigões e como em cada briga, os dois participantes choravam como bebês depois que os conflitos acabavam. Cada palavra de Annchi, cada sorriso e cada lágrima era uma inspiração ao casal, que com o passar dos dias, viram que o preço estava ficando alto demais. Era doloroso escolher mentir para a filha antes de fechar a porta e se ausentar por dias e dias. Talvez fosse apenas impressão ou um momento de emoção, mas os dois sentiam que a hora de parar estava por chegar.