Capítulo 57

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Annchi Zhang esperava realmente encontrar sua mãe. Dizer o que sentia, como foram tortuosos os anos em que passou sem sei apoio, sem o seu conselho. Esperava dizer que não precisou dela para crescer e aprender sobre o mundo cruel onde vivia. O rancor não mais a castigava tanto quanto antes, mas havia ainda a mágoa, o sentimento de abandono que, infelizmente, ela ainda não havia superado. Contudo, Annchi jamais imaginou que, literalmente da noite para o dia, estaria lutando ao lado de sua mãe, dando cobertura a ela, travando uma guerra contra os mortos-vivos. Naquele momento, não havia espaço para conflitos ou acerto de contas pessoais. As criaturas dilacerariam suas carnes na menor hesitação. Estavam de costas uma para a outra, abatendo as criaturas que vinham uma após a outra. Mia Zhang entregou à Annchi uma pistola automática que havia trazido escondido em seu tornozelo, sob a calça de couro preta que, convenientemente, era da mesma cor da arma.

Mia não se surpreendeu com a rapidez da filha em atirar. Apenas olhou enquanto três criaturas tombavam quase ao mesmo tempo, ao que ela questionou:

— Onde aprendeu a atirar? Tenho certeza de que não foi na faculdade!

— Temos todo tipo de professor na Ômega!— Annchi respondeu, ainda atirando — Achei que já soubesse disso, já que está trabalhando secretamente para eles!

— Sei que é difícil de acreditar, mas não é o que está pensando! Tenho um propósito maior, preciso saber o que está sendo articulado de fato. E como vamos fazer para reverter a situação.

Reverter? Não acha que é tarde demais para dizer isso! O planeta inteiro está infectado.

— Sim, eu sei... mas há um modo, uma única alternativa! E estamos cada vez mais perto.

— Se está se referindo ao Eurídice, saiba que já estamos em busca dele. Beatrice descobriu a trilha correta para seguirmos.

— Não estou falando de reversão de partículas, Annchi! — os olhos das duas se encontraram — Estou me referindo à cura global! A verdade é que o doutor Bill Hurley e eu estamos envolvidos em uma solução definitiva para erradicar os efeitos do Orpheu de uma vez por todas!

— Doutor Bill Hurley? — questionou Annchi, espantada enquanto explodia a cabeça de uma morta-viva — Aquele cara no comunicador... vocês se conhecem?

— Ele era um virologista da Ômega, assim como você! Ninguém o conhecia, pois ele atuava secretamente no desenvolvimento de armas virais. Inicialmente, o projeto do Orpheu era a criação de um medicamento que restabelecia células mortas para que pudessem voltar a atuar normalmente nos pacientes. Eu soube desse projeto e vim até os Estados Unidos para procurar o doutor Hurley e apresentar o seu avô para que pudesse ser um paciente experimental. Se tudo desse certo, seu avô poderia até mesmo ficar curado do Alzheimer.

— E como o Orpheu se tornou esse vírus maldito?

— A equipe do doutor Davis é uma quadrilha de criminosos! — respondeu Mia, ainda concentrada em atirar na horda de Carnívoros — Ele viu no fato de reanimação celular uma oportunidade para criar uma arma de guerra e vender pelo preço que quisesse aos governos mundiais. Mas, como você deve imaginar, a cura de uma doença não é tão lucrativa quanto um instrumento de poder, fácil de ser manipulado. A equipe de Brandon invadiu o laboratório do doutor Hurley e praticamente o torturaram para que ele entregasse o mapa de criação do Orpheu. Bill se manteve firme e não entregou o projeto, mesmo com a ameaça de morte iminente. O problema foi que um dos cientistas percorreu toda a sala, destruiu tudo o que pertencia a Bill e encontrou o mapa de criação. Eles deixaram Bill à beira de morte, o abandonaram em seu laboratório e fugiram com o projeto Orpheu. A única coisa que Brandon precisou fazer foi potencializar o agente de modo que ele matasse o paciente para depois reanimar suas células.

— Assim nascendo os mortos-vivos.. — comentou Annchi, com profundo pesar.

A horda ganhava mais força e Annchi e Mia estava ficando quase sem munição. Havia cerca de vinte ou trinta Carnívoros se aproximando a passos rápidos, sedentos por carne humana. Elas cogitaram correr, mas já estavam cercadas por todos os lados.

— Merda! — praguejou Annchi — Não temos mais saída. Mesmo se tentarmos lutar no corpo a corpo, a quantidade é muito grande e essas coisas não se cansam.

Mia avançou um passo na direção da horda e exclamou:

— Eu vou distrair o bando... você corre para o hospital!

Annchi a encarou, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.

— De jeito nenhum! Ou sairemos daqui juntas ou morreremos juntas!

— Não diga besteiras, Annchi! Tem uma multidão de mortos-vivos se aproximando e daqui a pouco, vão chegar muito mais! Eu vou correr e fazer barulho para os atrair. Isso vai desviar a atenção deles somente para mim. Enquanto isso, você avança com os outros para a biblioteca de Westfield. Bill já está lá, esperando vocês!

— É claro que eu vou... mas você vai comigo! Passei todos esses anos acreditando que eu já tinha te perdido para sempre. Esses nojentos não vão separar a gente de novo!

— Annchi, você...

— É só uma questão de atrairmos os monstros até um lago e jogarmos todos eles dentro. Isso vai nos dar tempo suficiente para nos reunirmos com Alex e os outros e correr para a biblioteca. Só  precisamos manter olhos e ouvidos atentos.

Nesse momento, o disparo vindo de uma arma equipada com silenciador atravessou o ar e o projétil veio direto na cabeça de uma morta-viva de meia idade. Seu crânio explodiu e o corpo foi ao chão com uma violência assustadora, fazendo com que o cadáver ambulante que vinha por detrás tropeçasse, desengonçado. Mal a Criatura deu seu espasmo definitivo, sete novos disparos foram efetuados, derrubando a linha de frente grotesca. Annchi e Mia se viraram na direção de onde vinham as balas e lá estavam o sargento Bruce Anderson e o capitão Frank McCallister, dando cobertura, eliminando uma boa parte da horda. Depois de atingir e derrubar outro morto-vivo, Bruce exclamou:

— Venham para cá! O perímetro está limpo por enquanto!

Não havia tempo para pensar se era prudente confiar nos soldados. Naquele momento, eles salvaram as suas vidas, e isso era um fato. Annchi e Mia correram para perto dos militares, enquanto eles distanciavam a horda com mais disparos.

— Muito obrigada! — agradeceu Annchi, quando finalmente o bando do fundo do bosque perdeu o senso de direção e se deslocou para o lado oposto. Bruce respirou fundo e realocou a arma em seu coldre.

— Não agradeça, doutora Zhang! Vocês nos salvaram primeiro! É uma questão de honra, que nunca vou abandonar... mesmo com toda essa merda!

— Sei que vocês têm ordens de Brandon Davis! — interveio Mia — Deixe-me dizer que não vou permitir que vocês levem minha filha daqui, custe o que custar!

— Acho que as coisas mudaram um pouco de figura! — respondeu Bruce — As coisas estão muito feias, mesmo fora de Westfield. E sinceramente — ele cuspiu no chão — Não estou vendo nenhuma autoridade fazer absolutamente nada! Eles aparecem na televisão fingindo que estão no controle da praga, mas o que eles querem de verdade é tirar vantagem dos mais fracos... como sempre fizeram!

Frank se aproximou um pouco mais do grupo.

— Nós vimos uma mãe correr com sua filha no colo ontem de manhã. Ela estava fugindo dos monstros quando encontrou um carro desses dos executivos da Ômega. Ela... ela entrou na frente do carro e pediu para que aqueles homens levassem a sua filha. Ela sabia que eles não levariam as duas, então ela implorou para que levassem o seu bebê em segurança no carro. E mesmo assim... eles fecharam o vidro e saíram, como se ela fosse uma pedinte de semáforo.

— Então, nós corremos até ela, mas não havia mais tempo. Os monstros devoraram as duas! — completou Bruce, desolado.

Frank enxugou uma lágrima que caía pelo seu rosto e acrescentou.

— Os mortos podem ser perigosos, doutoras... mas alguns vivos... Possuem uma maldade sem limites!

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