Houve um momento de silêncio, que predominou no grupo reunido no hospital de Westfield. Annchi ainda segurava o comunicador e olhava para seus companheiros, um a um. Obviamente, o olhar de todos trazia uma grande quantidade de dúvidas. Estavam falando através de um walkie-talkie encontrado em um carro abandonado com um homem que sofria de gagueira e que dizia ser, ele mesmo, o criador do Eurídice, o antivírus que supostamente traria a cura para a humanidade. Eles poderiam duvidar facilmente, claro. A questão é que o tal Bill Hurley conhecia muito a respeito da Organização Ômega, sobre a disseminação do Orpheu e, o mais importante, parecia conhecer cada pessoa que ali estava. Alex sabia que poderia ser um erro terrível subestimar aquele homem. Ele delicadamente pegou o comunicador da mão de Annchi e apertou o botão lateral para começar a falar.
- Muito bem, Bill... você tem a nossa atenção! Diga-nos.. Por onde devemos começar?
"P-posso ter a sua atenção, mas ainda n-não s-sinto a sua confiança! P-preciso que acreditem no que eu digo antes de começarmos qualquer coisa... Porque d-desse momento em diante, vou precisar que vocês sigam as minhas instruções para que isso possa dar certo! Senhor Solomon, p-por favor... Poderia realizar um ensaio com uma amostra de sangue da senhorita Murray?"
- A decisão é somente sua, Beatrice! - exclamou Solomon, olhando para a jovem. Beatrice correu os olhos pelo grupo e se voltou então para Solomon.
- Por mim, está tudo bem! Não tenho nada a perder e, se o que Bill está dizendo for verdade, temos uma chance e tanto de virar o jogo.
Alex se dirigiu a Tracey.
- O que pensa sobre isso, Tracey?
A jovem se aproximou da irmã e lhe passou o braço ao redor do pescoço.
- Apoio minha irmã sobre qualquer decisão que ela tomar! E se por um acaso esse tal de Bill estiver mentindo, estarei aqui para lhe dar uma lição!
Alex sorriu, satisfeito.
- Bem, então acho que temos uma decisão!
O comunicador emitiu uma breve estática e, em seguida, Bill voltou a falar:
"Isso é ótimo, sobreviventes! Mas re-receio não termos muito tempo! O doutor Delta não sabe que temos a chave para o antivírus e... é uma questão de te-tempo até que ele possa d-desconfiar!"
- Sendo assim, me acompanhe, Beatrice! - disse Solomon, conduzindo a jovem para a sala de medicações - Para nossa sorte, os recursos para exames de sangue ainda estavam intactos.
O grupo então seguiu corredor adentro para a sala de medicações e, sem se demorar, Solomon preparou a seringa e coletou uma amostra do sangue de Beatrice.
- Vai levar cerca de uma hora até termos um resultado concreto! - explicou Solomon - Enquanto isso, vocês podem fazer uma refeição e descansar um pouco.
O grupo então pôde enfim ter um breve suspiro de alívio. Se dirigiram ao refeitório para tentar saborear um jantar que chegasse próximo de ser decente. Annchi decidiu não acompanhá-los.
- Se não se importam, vou tomar um ar. Preciso respirar um pouco de oxigênio, embora não esteja como antes!
Ninguém do grupo se opôs. Annchi estava sofrendo uma pressão terrível, era compreensível que desejasse ficar um pouco sozinha. Não tivera um momento de paz desde que tudo aquilo começou. Alex olhou para ela com muita compreensão e disse:
- Não vá desarmada! Se vir alguma coisa estranha, qualquer coisa... por favor, corra para dentro!
- Pode deixar, policial! - ela respondeu, dando um raro sorriso - Tomem cuidado vocês também!
Annchi caminhou até o estacionamento do hospital. Tudo estava deserto. Não havia sinal de Carnívoros pelos arredores. O vento era suave, mas cortava como uma fraca lâmina. O ar era extremamente pesado e até mesmo o céu parecia mais escuro do que o normal. O Orpheu era muito mais terrível do que se podia imaginar. Ele não somente afetava os seres humanos em si, mas tinha o poder de mudar todo o cenário do meio ambiente. Parecia que o próprio mal assombrava a cidade, causando um rastro de destruição por onde quer que passasse. O mal que arrancava a paz do coração de quem tivesse um. O mal que engolia todo resquício de esperança e transformava a vida em um pesadelo sem fim. Annchi olhava para aquela cidade que um dia era repleta de pessoas, de todas as idades, classes sociais e expectativas. O progresso estava presente em cada metro quadrado daquelas ruas, a tecnologia evoluía a cada dia e as pessoas viviam um mundo acelerado, competitivo e sem fronteiras. Ninguém podia imaginar que Westfield se transformaria em uma cidade fantasma. Ninguém podia imaginar que a Terra se tornaria um imenso deserto, povoado por cadáveres errantes. Annchi não poderia imaginar que a ganância da Ômega poderia chegar tão longe.
Ela ainda estava refletindo sobre os últimos dias quando ouviu passos na grama. Não vinham de fora do portão, mas sim do lado de dentro, nas imediações do estacionamento. Ela rapidamente sacou e destravou a Ruger, apontando na direção de onde vinham os passos. Uma figura saiu de trás de uma pilastra. Estava aparentemente desarmada, toda vestida de preto e usava uma toca ninja, escondendo o rosto. A pessoa se aproximava lentamente, sem medo e sem pressa. Por algum motivo, o coração de Annchi começou a pulsar descontroladamente. Suas duas mãos tremiam enquanto seguravam firmemente a Ruger na direção da silhueta.
- Quem é você? Como entrou aqui?
O estranho continuava se aproximando. Parecia não temer a morte. Ele caminhava a passos curtos na direção de Annchi, sem se assustar com o revólver apontado diretamente para a sua fronte.
- Estou avisando... Se der mais um passo, vou atirar! Se identifique, caso contrário, não hesitarei em puxar o gatilho!
O estranho finalmente parou. Ficou em pé e olhava fixamente para Annchi. Foi então que, finalmente, as palavras saíram de sua boca.
- É muito bom ver que você está preparada para o pior pesadelo que o mundo já viveu! Você tem medo, mas não deixa que ele o domine!
Essa voz... não, não pode ser!
- Venho te observando há muito tempo... Você superou muitas dificuldades, provações que pessoas comuns não suportariam enfrentar! Encontrou pessoas de bom coração, dispostas a dar a vida por você. Embora o mundo tenha se fechado em uma cortina de trevas, sua alma encontrou um pouco de luz!
Por que não consigo responder? Por que não consigo enfrentar essa pessoa? Eu não posso estar ouvindo essa voz... Isso é... Isso é... impossível! Pare de me torturar! Isso não tem a menor graça... não, isso não chega a ser humano!
- Não posso mais me esconder nas sombras! Você chegou até esse lugar e está prestes a dar um passo extremamente importante! Saiba que muitos perigos aguardam você e aqueles que estão lhe acompanhando! E nesse momento eu... nesse momento... não posso mais deixar você sozinha! Nunca mais!
O estranho levou a mão à toca ninja e lentamente a retirou, revelando seu rosto. Annchi Zhang perdeu todas as forças. A Ruger caiu da sua mão. Ela ficou trêmula e já não conseguia mais reagir. A virologista Annchi Zhang naquele momento deu lugar à pequena Annchi. Seu coração palpitava freneticamente. Seus olhos marejaram em lágrimas e ela custou acreditar no que estava vendo. Em sua frente, o que era lembrança se tornava realidade. O rosto que ela agora via despertava um turbilhão de sentimentos. E o misto de sensações era tão intenso que a única palavra que ela conseguiu emitir, com muita dificuldade, depois de intermináveis segundos de silêncio foi:
- Mãe...?
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CODINOME: DELTA
HorreurWestfield é uma grande e importante metrópole. Regida quase que completamente pelo capitalismo, abriga diversas empresas e oferece oportunidades a muitas pessoas, o que a torna uma cidade convidativa e perfeita para se viver. Porém, tudo muda radica...