Capítulo 58

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No interior do hospital de Westfield, o grupo de sobreviventes permanecia aflito e ansioso, especialmente Beatrice Murray, que aguardava o resultado do exame de sangue realizado por Solomon Locke, por orientação do doutor Bill Hurley. De acordo com as expectativas do misterioso cientista do walkie-talkie, Beatrice possui uma condição rara que faz com que ela seja imune ao vírus Orpheu, o que permitiria ao grupo uma grande vantagem na travessia para a biblioteca de Westfield. Solomon trazia a pequena ampola em suas mãos e um mapa contendo esboços de fluxo sanguíneo. Tracey foi a primeira a quebrar o silêncio.

— Senhor Solomon... por favor, responda! Já temos o resultado? Minha irmã realmente é imune a essa coisa?

Solomon viu que as expressões de todos estavam focadas nele e que quase ninguém parecia aguentar esperar mais.

— Bem, eu tomei a liberdade de fazer o exame e repetí-lo por duas vezes. E o resultado que obtive nos diz que Beatrice realmente é imune ao vírus Orpheu.

Todos foram tomados por um súbito espanto, principalmente Beatrice, que não conseguia emitir uma única palavra. Ela sentia que, a partir daquele momento, teria um papel crucial na missão, possuía um fator que a diferenciava dos demais. Kai deu um passo a frente e indagou:

— Como pode ter certeza disso? Eu quero dizer... de repente, Alex e Annchi chegam aqui com um cara falando em um comunicador, dizendo que conhece a todos nós e que Beatrice é a única que não pode ser infectada com o vírus. Acredita mesmo nisso, Solomon?

— Eu também não acreditaria se os resultados não fossem tão claros e conclusivos. Ocorre que a hemoglobina de Beatrice atua em um ritmo extremamente acelerado, o que contribui para a pronta ação dos glóbulos brancos. Simplificando, podemos dizer que a sua imunidade pode ser até dez vezes maior do que a de uma pessoa comum. Bill está certo!

A voz no comunicador voltou a falar:

"Isso é ótimo, sobreviventes! Temos um ponto a nosso favor... A jovem Beatrice será um tesouro p-precioso para nós a partir de agora! P-podemos elaborar uma estratégia para chegar à biblioteca, encontrar o Eurídice e quem sabe... dar um fim a tudo isso!"

Esperem um pouco! — interveio Tracey, com uma expressão severa em seu rosto — Acho que estão se esquecendo de uma coisa.

Ela olhou para Beatrice e colocou as duas mãos no ombro da irmã.

— Bea... o que você acha de tudo isso? Você concorda?

Beatrice, que esteve cabisbaixa, ergueu sua cabeça e olhou nos olhos de Tracey, com uma expressão triste, mas confiante.

— Precisamos fazer isso, Tracey... por todos nós... por nossa família e... pelo Dylan!

O Kraken continuava desacordado em meio aos escombros. A carga de tranquilizantes foi intensa e ele não iria despertar tão cedo. Pelo menos, era o que todos esperavam. Tracey fechou os olhos, deu um suspiro e só então concordou.

— Então, tudo bem... mas saibam de uma coisa! — ela voltou o olhar para o grupo — Só estou concordando com isso porque não há outra maneira, mas que fique claro... Se algo acontecer à minha irmã, não vou perdoar nenhum de vocês. Muito menos você, cara do rádio!

"Temos um acordo, senhorita Murray!" — disse a voz confiante de Bill.

Solomon pegou o comunicador e perguntou pelo alto falante.

— Doutor Hurley... agora que sabemos que Beatrice é imune ao Orpheu... de que maneira exatamente isso irá nos ajudar?

"Há um local específico no hospital que vocês não vasculharam. D-digo isso com certeza, pois se trata de um acesso secreto onde guardei uma das primeiras amostras do Orpheu. Dirijam-se ao s-saguão do andar s-superior e vejam que lá existem dois obeliscos, representando os dois f-fundadores do hospital. Chegando lá, eu lhe d-direi o que f-fazer."

Sem questionar, Solomon e os outros subiram as escadarias no salão principal até chegarem à ala de Unidade de Terapia Intensiva. De fato, havia duas estátuas, uma de frente para a outra, em cantos opostos do salão. Tratava-se dos bustos de Alfred Harris e Leopold Lewis, os dois diplomatas que fundaram o hospital de Westfield há noventa e três anos. Aquelas estátuas estiveram lá durante todo o tempo e aparentemente, ninguém lhes dava a devida atenção. Solomon pegou o comunicador e anunciou.

— Estamos no saguão superior, doutor Hurley! Os bustos estão aqui, bem à nossa frente!

"Ótimo, sobreviventes! Vejam que elas estão perfeitamente posicionadas uma de frente para a outra, mas is-isso não é tudo. Se olharem com atenção, verão que mais abaixo, na ba-base das estátuas, existe uma demarcação em cada uma. Poderia verificar para mim, senhor Locke?"

Solomon caminhou até o busto de Alfred Harris e se agachou, constatando que realmente havia uma demarcação retangular na base da estátua. A marca estava alinhada corretamente com a base, de modo que para ser notada, seria preciso uma análise cirúrgica e centrada, como a que Solomon estava fazendo.

— Sim, doutor... eu vejo a marca!

"Excelente, senhor Locke! O próximo passo é mover as estátuas, de modo que elas troquem de lugar. O busto do leste deve ficar e o oeste deve ficar a leste. É assim que deve ser."

Solomon voltou o seu olhar para Alex e o grupo. Será que estariam perdendo tempo? Um enigma a essa altura está longe de ser apropriado. Alex manteve a expressão firme e assentiu com a cabeça. Definitivamente, havia mais motivos para confiar em Bill do que duvidar dele. Verdadeiramente, ele parecia conhecer cada detalhe da situação e naquele momento era o único que poderia guiá-los, pelo menos por enquanto. Alex se dirigiu até o busto do lado oposto e começou a empurrar a estátua, conduzindo-a até onde Solomon estivera, enquanto este fazia o movimento contrário, levando o busto de Alfred Harris para a demarcação onde antes estivera o busto de Leopold Lewis. Alex foi o primeiro a encaixar a estátua no novo lugar e, segundos depois, Solomon também posicionou o outro busto no lado oposto. Assim que as duas estátuas se encontraram posicionadas em suas respectivas demarcações, ouviu-se o som alto de uma trava sendo aberta em algum lugar no saguão. Como o recinto estava silencioso, todos se assustaram com o ruído. Foi então que um leve tremor pôde ser sentido, vindo da parede do saguão. Um instante depois, ocorreu o inacreditável. A estrutura da parede começou a subir lentamente, como se fosse uma porta de correr vertical, revelando um extenso e escuro corredor. Sahyd estava trêmulo e não conseguia acreditar no que via.

— Isso é impossível! Estivemos aqui durante todo esse tempo e nunca percebemos essa passagem.

Bill falou pelo comunicador.

"Originalmente, os fundadores desse hospital, Alfred Harris e Leopold Lewis, construíram esse acesso, digamos, secreto, a fim de desenvolverem recursos medicinais longe dos olhares do Conselho de Medicina. Isso porque havia na época uma grande resistência no que diz respeito a procedimentos cirúrgicos que podiam ser realizados de uma forma simples e eficaz e com um baixo custo, favorecendo as pessoas mais pobres. Com isso, os doutores Alfred e Leopold se consagraram como médicos extremamente conceituados e respeitados em sua área. O hospital de Westfield foi o único capaz de realizar exames e cirurgias a partir de conceitos celulares, o que, para o Conselho de Medicina, é inconcebível."

— Não é inconcebível — corrigiu Solomon — É indubitavelmente eficaz, porém barato. Isso não é interessante para quem deseja enriquecer.

— Acho que a história está se repetindo, não é? — comentou Kai — Seres humanos gananciosos, que só querem enriquecer, mesmo que todos ao seu redor morram sob as circunstâncias mais cruéis.

"Infelizmente, está coberto de razão, senhor Yagami! P-perdemos muitas pessoas, é verdade, mas hoje t-temos a chance de reverter esse quadro. Ao menos podemos resgatar a pouca di-dignidade que ainda resta a quem sobreviveu a t-tudo isso."

Alex se aproximou de Solomon e falou ao comunicador.

— Bill... o que iremos encontrar lá dentro?

"Não há o que temer, senhor Stevens. Entretanto, precisam ser rápidos. A amostra do Orpheu está em um receptáculo que guardei no extremo do corredor. Assim que encontrá-lo, precisam inserir o vírus na senhorita Beatrice. Somente dessa forma, ela poderá andar entre os mortos."

CODINOME: DELTAOnde histórias criam vida. Descubra agora