NOVENTA E TRÊS - DONATELLO

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O cheiro da comida invade o ambiente, mas meu apetite é apenas um reflexo da obrigação de estar sentado à mesa. Estela, minha doce menina, está ao meu lado, os olhos brilhando enquanto fala algo sobre a escola, suas mãos pequenas gesticulando com entusiasmo. É o único alívio naquele cenário sufocante. 

O toque do celular no bolso da minha calça quebra o desconfortável silêncio. Estela para de falar por um instante, me observando enquanto atendo. O nome de Davide, meu irmão, pisca na tela. Suspiro, levantando-me da mesa, e saio para a varanda, já imaginando sobre o que ele vai falar. Algo dentro de mim se acende ao pensar na possibilidade do assunto ser exatamente o que estou esperando.

— Dário já pegou Antonella — a voz de Davide é direta, cortante. Não há saudação, nem rodeios, apenas o que precisa ser dito. — E Valentina será entregue na sua casa antes do final do dia.

Um sorriso lento se forma em meus lábios, e por um momento, esqueço completamente de Laureta e da vida entediante que mantemos por conveniência. A informação de Davide acende algo em mim que estava adormecido, algo escuro, profundo. Antonella já está nas mãos certas, e agora Valentina virá para as minhas. Tudo está se encaixando como deveria.

— Ótimo — respondo, minha voz controlada, mas carregada de satisfação. — Estarei aqui esperando por ela.

Davide não precisa dizer mais nada. Ambos sabemos o que isso significa. O jogo está em andamento, e Valentina é minha peça, algo que será moldado sob meu comando. A antecipação de sua chegada já me faz pensar nas possibilidades, no controle absoluto que exercerei sobre ela.

Desligo o telefone e volto para dentro, encontrando Estela ainda na mesa, sua inocência tão alheia ao mundo que eu verdadeiramente habito. Laureta mal levanta os olhos quando me aproximo, e o desprezo em seu olhar é recíproco. Ela sabe o que a vida ao meu lado representa, mas não ousa dizer nada. Sabe seu lugar, assim como Valentina logo saberá o dela.

Ela levanta uma sobrancelha, mas não pergunta. Ela nunca pergunta. E mesmo que fizesse, não teria coragem de lidar com a resposta. Volto meu olhar para Estela, sorrindo para minha menina, a única coisa que ainda me mantém humano nessa casa.

— Tudo bem, papai? — ela pergunta com sua voz suave, e eu sorrio.

— Está tudo ótimo, querida. Tudo está exatamente como deveria estar.

Eu me aproximo de Estela, meu coração se suavizando diante da sua presença. Seu sorriso ilumina o ambiente, dissipando a escuridão que costumo carregar comigo. Quando me abaixo e a puxo para o meu colo, ela se ajeita naturalmente, como se fosse o lugar certo, como se sempre pertencesse ali. Minha mão acaricia seus cabelos finos, o cheiro adocicado de sua pele me inebria, e, por um momento, todo o peso do mundo ao redor desaparece.

— Vamos dividir um sorvete? — pergunto, vendo seus olhos brilharem com a ideia.

— Sim, papai! — ela responde, empolgada, enquanto eu chamo a empregada para trazer a taça que já sei que ela adora. Chocolate com creme, sempre o favorito dela.

Quando o sorvete chega, a taça gelada entre nós dois parece ser o centro do nosso pequeno universo. Estela pega a colher com suas mãos pequenas e delicadas, suas risadas suaves me atingem de uma forma que nada mais no mundo consegue. Ela leva uma colherada à boca e ri, um som que me aquece de uma maneira que nem sei explicar. Adoça algo dentro de mim que é difícil de tocar, difícil de reconhecer.

— Gosta, meu anjo? — pergunto, sentindo a maciez do corpo dela contra o meu. Sua confiança em mim, sua inocência, me enchem de um sentimento tão puro que chega a doer.

— É o melhor sorvete de todos! — responde, lambendo os lábios com uma satisfação que só as crianças sabem expressar.

Eu sorrio, observando-a. O contraste entre a leveza de estar com ela e a brutalidade do mundo que me cerca é avassalador. Estela é meu refúgio, a única coisa que me faz sentir algo que não seja o constante jogo de poder, o constante desejo de controle que domina o restante da minha vida.

Resgatada pelo mafioso - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora