Capítulo 3

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A garota logo foi dispensada. Fiquei quietinha na cozinha ouvindo ela praticamente implorando para que ele ligasse para ela de volta. Ele foi tão frio com ela que me deu uma tremedeira.
Havia muita coisa para fazer hoje. Limpar todos os vidros. Ia dar um trabalhão. Não podia perder mais tempo. Peguei o balde, o limpa vidros, pano, rodo e fui para o andar de cima. Comecei pelo quarto de visitas. Lindo de morrer. Havia também um quarto de criança. Muitos brinquedos. Queria ter metade desses brinquedos para minha bebê. Ela ia se divertir tanto. É difícil não ficar fascinada com tanta coisa. Muita tecnologia. Tudo em excesso. Televisões, celulares, carros na garagem, comida na geladeira, até produtos de limpeza. Dava tranquilo para alimentar uma família de 20 pessoas. E a casa só para ele.
As sacadas dos quartos principais eram realmente um luxo. Eu larguei por um minuto a limpeza e fui espiar sobre a mureta de granito.
Dava para ver toda cidade. O jordim maravilhoso, a explosão de cores proporcionada pelas flores. Ficaria o dia todo sentada ali, deitada com os braços sobre o granito, prestando atenção na cidade. De noite devia ser maravilhoso.
- Posso saber o que você tanto olha? - a voz fria me pegou no flagra. Parece que essa gente rica tem sensores de movimento na gente. É só parar por alguns segundos ou dar uma espiada na novela que eles estão ali. Prontos para dar o bote.
Fiz tão rápido para me recompor que quase cai no chão.
- Me desculpa. Mil desculpas. Aí que vergonha. - eu corri para pegar o limpa-vidros e os panos.
- Não precisa sair correndo. - a mão dele pegou no meu braço. Meus olhos se levantaram e deram de cara com os seus. Um abismo tão bonito e misterioso. Um rosto esculpido pelos anjos. - Deixe essas coisas por aí por um minuto. - Ele soltou a minha mão. E caminhou a passos lentos até a beirada da sacada.
O vento quente da manhã soprava forte. Era brisa de chuva. Na linguagem do meu pai: nordestão. Parecia carregar o sabor do mar. O sol brilhando lá no alto. O céu azul. Um dia lindo.
- Acho melhor terminar de limpar os vidros. - Eu estava sem jeito. Muito estranho ficar perto de um homem tão poderoso. Me sentia quase nada.
- Eu já mandei você deixar as coisas aí. - ele nem se quer virou para olhar minha reação. Apenas desfrutava do horizonte. - Sou eu que pago teu salário. Então venha aqui. É uma ordem.
Eu limpei as mãos no avental e fui até ele. Fiquei parada do lado dele com as mãos atrás das costas. Cabeça baixa.
- Está brincando de soldadinho? - ele me olhava de canto. Um sorriso debochado na boca.
- O que você quer de mim? - fui direta. Estava nervosa e quando fico assim fico ríspida.
- Sua companhia. Posso tê-la? - ele era tão cordial agora. Parecia mudar tão rápido de humor.
- Ok. Mas eu tenho pouco tempo.
- Está bem, moça-mais-sem-tempo-do-mundo. - ele deu um risinho.
- Você é todo sarcástico, né? - me exaltei. Estava ficando furiosa com esse tipo de deboche. - Aposto que nunca limpou um banheiro para saber o quão difícil é o trabalho dos outros. Aposto que acha que o seu trabalho é o mais difícil do mundo. Enquanto caga dinheiro e trata as pessoas como importantes e irrelevantes. - não sei o que deu em mim. Comecei a despejar toda minha fúria. - Por que você não dá bom dia para os funcionários?
- Não sei. Vai ver eu sou mesmo um idiota. - ele parecia tão triste agora. - Um desses idiotas que fica se lamentando pelos cantos. Rico demais. Exigente demais. Hipócrita demais.
- Também não precisa se martirizar. Você não é a pior pessoa do mundo. Eu só estou um pouco estressada. Me desculpa. Foi mal.
- Não tem problema. - ele parecia não se importar com o que eu tinha dito. Parecia estar acostumado a ouvir essas coisas. Talvez até já aceitasse para si mesmo que era um idiota. - Me conte porquê você está estressada.
- Até parece que vou contar minhas angústias para o meu patrão.
- Ora. Você até me viu batendo punheta. Acho que já somos íntimos suficientes para você me contar o que sente.
Ele me pegou de jeito. Me deixou vermelha de vergonha. Meu Deus! E se ele soubesse que eu bati uma siririca vendo ele e a garota? Engoli minha saliva. Me faltava ar para respirar. Minhas bochechas queimavam de vergonha.
- Eu não vi nada. - menti na lata.
- Tem certeza? Eu acho que você viu demais. - ele sorria consigo mesmo. Estava adorando me ver naquele constragimento todo. - Vamos fazer assim. Você me conta o que te aflige e eu te conto o que você quiser. Até mesmo quantos centímetros mede meu pênis.
Eu não acreditava no que saia da boca dele. Ficava sem palavras.
- Está bem. É a creche da minha filha. A pública esta fechada e a particular está quase um salário mínimo. Prometi ajudar meu pai pagar o empréstimo que fez para pagar sua cirurgia e agora se tiver que pagar creche particular, não sei o que fazer. Vou ter que optar entre um e outro.
- Eu pago.
Fícamos em silêncio.
- Como é? - eu não entendi direito o que ele disse.
- Eu pago a creche da sua filha. Só me entregar o recibo da creche que eu ressarço o valor.
Eu fiquei pasma.
- Tem certeza? Não vai te fazer falta?
Ele deu uma gargalhada.
- Claro que não!
- Aí! Muito obrigada! Não sei como te agradecer. Espera. Você não vai querer favores sexuais em troca?
- Não, Tatiana. Talvez no futuro. - ele deu uma risadinha maléfica.
- Sério? - eu fiquei apavorada.
- Claro que não. Você leva tudo ao pé da letra mesmo.
- Vai saber, né! Tanta gente doida por aí. Duvida quem é doido.
Lá longe o caminhão do corpo de bombeiros voava com as sirenes tocando.
- Agora você pode me perguntar o que quiser. Até mesmo quantos centímetros tem meu pênis. Uma só pergunta. Então pensa bem. - ele fixou seus olhos dentro dos meus.
- Não quero saber o tamanho do seu pênis. - quanta arrogância, meu pai! - Quero saber... - tentei raciocinar do melhor jeito o que eu queria saber. - Quero saber se você já amou alguém?
Eros ficou surpreso com a pergunta. O peguei desprecavido.
- Hummm. Já. Uma vez. - seus olhos brilhavam. Pareciam que ele recordava algo muito maravilhoso. - Mas ficou no passado.
- Se tem uma coisa que a minha mãe diz é que enquanto temos tempo dá pra correr atrás dos nossos sonhos. Então você é novo, bonito e podre de rico. Vá atrás dela e diga que a ama.
- Não posso.
- Por que não?
- Porque ela está morta.
Nossa! Senti o impacto. Não sabia onde por a minha cara.
- Não precisa se sentir mal. Já faz muito tempo. Ela era minha esposa. Nós fomos muito felizes. E então num acidente de carro, um caminhão invadiu a pista e acertou o carro dela. Minha filha tinha apenas 4 anos. Dói muito ainda sabe. - lágrimas escorreram pelo seu rosto. Não sabia o que fazer. Me deu uma pena dele. - Essa é a minha história.
- Sinto muito mesmo. Deve ser difícil.
- Acho que sempre será. - ele limpou as lágrimas do rosto. Pequenas pedrinhas preciosas que brilhavam ao toque da luz do sol sobre sua pele delicada.
- E você sai com essas garotas por quê?
- Ahhh. Sei lá. Acho que eu procuro o amor. Quero extraí-lo de alguém. Quero forçá-lo a voltar a me habitar. Faz algum tempo que fico procurando a felicidade nos braços dos outros. Às vezes até me sinto feliz com algumas delas. Feliz de verdade. Mas logo depois tudo volta até mim e me sinto tão oco.
Fiquei em silêncio o admirando. Esperando se ele tinha mais algo para dizer.
- É foda! - as palavras fugiram da minha boca.
- Você é direta mesmo. Tem um vocabulário tão sofisticado. Uma delicadeza.
- Foi mal. Me desculpa. É difícil. Digo.
- É foda mesmo. - Eros tambolirava os dedos sobre o granito. - Gostei de você. Além de bonita, fala o que pensa. Gosto disto.
- Queria que a minha mãe gostasse disso também. Ela sempre me ameaça dizendo que vai lavar minha boca com água e sabão. Diz que eu sou muito bocuda.
- Eu gostei de você. Espero que a gente se dê bem. - Eros estendeu a mão me oferecendo para ser apertada. Num acordo informal. Eu estendi a minha.
O celular tocou. O som extremamente alto me assustou um pouco.
- Gostei de conversar com você. Podemos repetir. Embora eu saiba que a pergunta que você queria ter feito era outra. - o celular continuava tocando desenfreadamente. - E a resposta para esta pergunta era 27.
- 27 o quê?
- 27 centímetros. - o descarado atendeu o telefone e saiu andando.
Como pode ser tão convencido? Fiquei lembrando do pau dele enquanto ajuntava o balde, os panos, o limpa-vidros e seguia para o próximo aposento.

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