Quando o carro de Eros se foi, Shirley me pediu para ajudá-la no quarto. Ela queria escolher uma roupa para usarno encontro. Mas eu sabia que havia alguma segunda intenção.
- Qual casaco você prefere? O branco ou o preto? - Shirley puxava as roupas e as jogava sobre a cama. - Tenho um encontro com umas antigas amigas daqui à pouco.
- Os dois são lindos. Eu prefiro o preto.
- Acho que vou com o branco. - Shirley abria as portas do closet. Apenas observando o que tinha a disposição. - Tenho poucas opções. Você não sabe o nome da namorada secreta do Eros?
Fiquei constrangida com a pergunta.
- Não, senhora.
- Tem certeza? - ela se virou e me encarou. Seus olhos estáticos tentando desvendar o que se passava dentro da minha cabeça.
- Sim.
- Ontem de noite insinuei que ele deveria dar uma chance para Sharon. Ele foi tão ríspido. E eu sou a mãe dele. Acredita? - Shirley analisava os sapatos. - E eu fiquei pensando. O que o impedia de ter alguém. Então eu entendi. Ele já tem alguém. Não adiantou nada fazer Sharon ir pedir ajuda para ele só de lingerie. E eu também não encontrei nenhuma pista no quarto dele. Então só há uma conclusão. Ele tem vergonha da namorada. - Shirley calçou um escarpin preto de sola vermelha. - Será que ele tem vergonha dela?
- Acredito que se alguém ama alguém não teria vergonha do seu amor. - engoli em seco. - Talvez ele, ou ela, queira esperar um pouco para oficializar o relacionamento.
- E quem esperaria para fazer isto? Eros é rico. Eu oficializaria em dois segundos.
- Alguém, talvez, que não coloque o dinheiro acima de tudo. Ou que tenha receio em ser criticada.
- E existe esse tipo de gente?
- Talvez. - eu estava desconfortada com a conversa. - Eu posso voltar ao meu trabalho?
- Podeee. - ela arrastou o "e" com nojo e tédio. - Estou pensando em seriamente voltar para minha casa. - Shirley sentou na beirada da cama.
Ergui minhas sobrancelhas demonstrando surpresa.
- Estou cansada. Eu sei que não sou fácil. Mas Eros não dá margem para mim. Eu só queria participar da vida dele. Sabe quantas vezes eu tentei me reaproximar. Ele era tão maravilhoso quando rapaz. Era meu garoto. Eu faria qualquer coisa por ele. Foram os anos mais felisez da minha vida. Até que ela surgiu.
- Ela quem, senhora?
- A falecida. Ela era nossa empregada. Assim como você. Ela entrou na nossa casa e tudo começou a ruir. Eros tinha seus vinte e poucos anos e era tão inteligente. Tão maravilhoso. Ahhh. Mas ele se apaixonou por ela. Eu acreditei que como primeiro amor duraria pouco tempo. Os jovens tem vontade de viver a vida. Até que eu percebi que ele estava mudando. Ele questionava o que eu falava. O que eu mandava. Era ela. Eu sempre soube.
Fiquei tão interessada na história que quase sentei ao lada de Shirley na cama.
"Ela era bonita. Linda. Não posso negar. Mas ela era muito atrevida. Respondona. Contratei ela como uma forma de ajudá-la. E ela se transformou na nossa ruína."
'Eros a encontrava escondido pelos cantos. Tinham um casinho. No começo eu não levei a sério. Quando percebi já era tarde.'
'Eu ofereci dinheiro para que ela fosse embora. Mas ela se negou. Mandei ela embora. E Eros surtou. Me disse coisas horríveis. Até hoje escuto seus gritos quando me concentro.'
'Então eles fugiram. Às vezes ainda sinto os lençóis da sua cama desarrumados como na manhã que percebi que ele não voltaria.'
'Ele inventou em ser pintor. Trabalhou e pagou aluguel. Os dois foram morar juntos num barraquinho.'
'Fícamos dois anos sem se ver. E um certo dia ao passar pelo centro da cidade, caminhando pelo calçadão eu o vi de longe. Todo de laranja. Meu filho. Eros. Tinha virado gari.'
'Eu fiquei tão chocada que não sabia o que dizer. Me aproximei dele e tentei lhe dar dinheiro. Mas ele não aceitou. Eu só queria o meu menino de volta.'
'Mas ele disse que nunca mais queria me ver. Que eu era para esquecê-lo.'
'Aquela noite eu chorei como nunca. Chorei muito mais do que quando perdi minha mãe. Não há nada mais triste para uma mãe do que perder um filho em vida.'
'Mas ele era tão teimoso. Custava ele largá-la e voltar para casa. Ele estava pronto para assumir a empresa. Era só ele dizer sim.'
'Então eu resolvi ter mais um filho. Erick nasceu com a obrigação de fazer eu e meu marido esquecer de Eros.'
'Mas quando perdemos um filho é como se perdêssemos todos.'
'Logo também chegou a fofoca de que eles estavam esperando um filho.'
'Você não imagina a dor que é descobrir que sua neta nasceu e você não sabia.'
'Meu marido estava destruído por dentro. Ele não aguentava mais. Só me restava ir lá pedir para ela. Para que ela nos perdoasse.'
'Foi o dia mais triste e lindo da minha vida.'
'Eu entrei dentro da casa dele e ela apenas disse "oi". Então ele apareceu com ela no colo'.
'"Esta é a sua neta, Shirley" ele me disse com lágrimas nos olhos. E ele me entregou a menina.'
'Não havia o que dizer. Apenas ele tocou a minha mão e eu olhei dentro dos seus olhos. Era assim que dizíamos "eu te amo". Sem palavras, com a respiração cortada e lágrimas. Muitas lágrimas.'
'Eros assumiu a empresa e logo que voltaram para essa casa a tragédia aconteceu.'
'Eros tem feridas que lhe atravessam a alma. Dores que ele carregará para sempre.'
'Ele acabou se entregando para a depressão. Mas ainda assim lutou.'
'Eu só queria que ele voltasse a viver. Eros viveu muito tempo preso dentro de si. Se torturando. Revivendo. Enterrando seus amores.'
'Achei que ele ficaria feliz em encontrar Sharon. Mas me enganei.'
'Eu sei que sou difícil. Mas já está mais que na hora de Eros seguir em frente. O tempo está passando e a vida se perdendo. Você me entende, Tati? Eu só não quero que ele viva procurando a falecida em outras. Tentando ressucitá-la.'
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Eros
RomantizmDepois de um casamento fracassado e uma gravidez não planejada, agora Tatiana aceita qualquer emprego para sustentar a sua filha. Ela é só mais alguém no mundo tentando neste momento sobreviver e seguir em frente. Depois de ser traída pelo pai de su...