Capítulo 10

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Lavamos os nossos cabelos. E depois nos secamos. Em silêncio. Havia tanta alegria em seu espírito. Não precisávamos externar nossos sentimentos em palavras. Ele me olhava lá dentro de mim. E eu conseguia olhar dentro dele. Conversávamos com olhos. Duas almas dilaceradas pelos traumas da vida. Duas almas com experiências de vida diferentes. Mas que mesmo com dores profundas, sabiam aproveitar os momentos de paz e alegria. Queríamos nos amar. E ao pensar na palavra amor senti doer meu coração. Que tantas vezes procurou desesperadamente pelo amor por aí. Em bancos de carros pós festas. Ou em estranhos na rua. Será que agora seria amor? Será que daria certo? Eu não sabia. Mas eu queria curtir o momento. Como um conto de fadas com data marcada para acabar. Queria ser a Cinderela e ele meu príncipe. Mesmo que lá no fundo eu sabia que seria difícil continuar esse relacionamento. Ele um homem lindo, culto, gostoso, podre de rico e pirocudo. E eu. O que sou eu? Por um instante me perguntei se eu não era apenas uma distração. Como um joguinho de celular instalado por algumas horas para preencher o tédio. O que ele acharia se soubesse que me faltam dois dentes molares? Se visse as minhas estrias que parecem listras de zebra? Tinha medo de contar essas coisas para ele. Tinha medo de perdê-lo por não falar. E perdê-lo por ter falado. Meu coração batia forte toda vez que ele me tocava. Toda vez que ele falava. Toda vez que eu pensava nele.
Fiquei sentada na cama admirando Eros se vestir. Meus olhos percorreram pelo cômodo. Tanto luxo. Inacreditável. Havia um abismo sobre nós. Queria saber como ele reagiria ao entrar no meu quarto e ver algo tão simplório. Uma televisão pequena. Uns livros de romance do tempo das cavernas. Um note desbotado de tão velho. Um colchão que já deveria ter sido queimado. Um tijolo no lugar do pé da cama que quebrou quando brincando com minha bebê, se jogamos em cima da cama.
- Você está lindo. - Eros arrumava a gravata na frente do espelho.
- Obrigado.
Eu estava de roupão. Esperando ele ir embora.
- Prometa para mim que não vai pegar atestado amanhã. Não sei o que eu faria sem você.
- Ué? Porquê não posso faltar amanhã.
- Quero te ver. Você quer me ver também?
Não conseguia olhar nos seus olhos. Me bateu uma vergonha.
- Quero também. - sussurrei.
Eros se sentou do meu lado na cama. Eu com as mãos enfiadas no meio das pernas. Com toalha na cabeça e roupão branco, tão macio.
- Amanhã você vai conhecer sua futura sogra.
- Meu deus! - meu coração parecia saltar para fora da boca. - Não sei se isto é o melhor para nós.
Eros parou por alguns segundos. Uma tensão dominou o quarto.
- Prometa para mim que vai ser sincero? - Eros tentava decifrar em que ponto eu queria chegar. - Eu só quero saber se você não estiver mais afim. Não quero ser um peso para você.
- Você não é um peso para mim, Tatiana.
- Eu só quero que tenhamos uma relação adulta. Baseada na sinceridade.
- Ok. Eu prometo te dizer se não quiser mais ficar com você. - Eros parecia incomodado em ter que falar isso. - Nos vemos amanhã? Podemos assistir um filme juntinhos lá em cima na sala de cinema.
- Tá bom. Mas depois eu vou fazer o meu serviço. Não posso passar o dia inteiro vadiando.
- Está bem. Está bem. - Eros me deu um beijo. - Até amanhã. Então. - Eros se afastou, pegou seu celular e sua pasta e caminhou até a porta do quarto.
Me levantei da cama e fiquei de braços cruzados lhe observando se afastar.
Por um milésimo de segundo quase disse "Te amo". Me senti uma tola.
- Se cuida. - gaguejei.
- Você também.
E então ele se foi. Ouvi seus passos descendo a escada. A porta da frente batendo e depois o portão eletrônico abrindo e o motor do carro.
Voltei a colocar o uniforme e continuei minhas tarefas domésticas. De tarde o tempo fechou. Deu um trabalhão fechar todas as janelas.
Depois de terminar tudo que tinha para fazer, sentei na mesa e liguei a televisão da cozinha. Olhei o celular e lá estava uma mensagem dele.

"Olha como você me deixa."

E uma foto do seu pauzão duro.

"Vou ter que passar a noite batendo punheta em sua homenagem.
Amanhã estarei lhe esperando assim. De pau duro na sala do cinema. É so entrar e cair de boca. Kkkkk. Quero te chular todinha denovo. Cair de boca no seu capô de fusca."

"Até já sei qual filme vamos assistir amanhã."

Meu Deus! Esse homem vai foder comigo e com o meu coração

"E qual filme será em minha homenagem?"

Esperei ele responder. Demorou nem um minuto.

"Herbie. O fusca."

Filha da mãe. Aposto que devia estar se matando de rir agora.

"Vai te foder!"

Ele apenas respondeu:

"Ahahahahhahahaahhahaha"

Mas era muita cara de pau. Iria me chamar de capô de fusca pelo resto da minha vida. Quando me encontrasse na rua iria gritar do outra lado "como está o seu capô?". Era bem a cara dele fazer uma coisa dessas.

"Quero te dizer uma coisa. Já que você pediu para que fossêmos sinceros um com o outro."

Senti um frio na barriga.

"Eu sinto algo muito forte por você. Não é que eu antes de te conhecer, eu fosse a pessoa mais infeliz do mundo. É só que agora eu me sinto muito, mas muito mais feliz. Não sei se vai durar. Mas eu desejo, do fundo do meu coração, chupar esse capôzinho de fusca até o último dia da minha vida."

ErosOnde histórias criam vida. Descubra agora