Uma nova Cinderela (parte 19)

16.8K 883 41
                                    

No caminho para casa passei na padaria e peguei a torta e os docinhos que já tinha encomendado semana passada. Hoje faz 5 anos que meu anjinho veio ao mundo. 5 anos! Parece tão pouco e muito. Eu queria chegar logo em casa e abraça-lá. Não consigo mais viver sem ela. Ela é minha vida. Quando segurei no colo pela primeira vez eu chorei tanto. Lágrimas quentes escorreram silenciosas pelas minhas bochechas e molharam a fronha verde do travesseiro do hospital. Ela toda vermelhinha, toda mole. Tão indefesa. Seus bracinhos gordinhos balançando contra o ar. Os dedinhos se fechando. Os olhos grandes. A boquinha minúscula. Tão pequena. Tão leve. E tão minha. Naquele momento eu sussurrei que até o final dos meus dias eu estaria sempre ali. Sempre seria sua mãe e ela a minha filha.
Marcus não entendia. Eu via nos seus olhos o espanto. O medo. Ele sentia carinho. Se prontificava a ajudar em tudo. Mas era diferente. Não era tão forte. Não sei explicar.
Larissa foi uma bebê chorona. Uma criança travessa. Que se batia em tudo. Tropeçava em tudo. Às vezes cansativa. Mas depois de me esgotar ao vê-la dormindo, como um anjinho, todo sofrimento e tristeza sumiam de mim. Não há prazer maior do que ver seu filho ou filha dormindo tranquilo.
Toquei a campainha de casa. Precisava de ajuda para abrir a porta. Eu tinha as mãos cheias de comidas.
- Já estou indo. - minha mãe gritou lá dentro.
- Está pesado. Anda logo!
10 segundos depois a porta se abria. Minha mãe em seus 50 anos já pegou a torta das minhas mãos e fugiu para a cozinha.
- Feche a porta. - ela gostava de liderar, falava como um chefe de fábrica.
- O pai já foi buscar a nenê?
- Sim. Já devem estar chegando.
Meus olhos percorreram a cozinha. Cheia de balões cor-de-rosa, fitas, laços, papel crepom.
- Ficou lindo. Ela vai amar.
- Que bom que você gostou. Ela queria temática unicórnio. Olha esses chapéuzinhos. É unicórnio para todos os lados.
Comecei a colocar os docinhos sobre a mesa. O tulê rosa da toalha chegava a me dar vertigem.
- É muito rosa. - comentei. Sabe quando a gente não sabe o que dizer e sai falando sobre o que vem a frente só para ter o prazer de falar? Pois bem. Era assim.
- Ela contou para toda vizinhança que vai fazer cinco anos.
- Você não sabe o trabalho que deu para convencê-la a não convidar ninguém. Ela me pediu umas cinquenta vezes se não podia mesmo. Eu tive que repetir que a festa esse ano seria na casa do pai dela. Mas ela não gostou muito.
- Você deveria ter insistido com Marcus. Eu sei que ele é o pai dela. Mas é que aniversário é tão especial.
- Você disse a mesma coisa do natal, da páscoa, até dos finados, mãe.
- Pois bem. Vamos esperá-los. O Marcus vem que horas buscá-la?
- Ele disse que vem às 7.
A porta da sala abriu.
- Chegaram. - minha mãe estava muito animada. - Vem cá dar um abraço na vovó!
Meu Deus! E saber que 5 anos atrás ela e o meu pai gritavam comigo perguntando se eu estava doida. Às vezes o errado acaba nos levando ao lugar certo.
- Ela contou para a vizinhança toda que está de aniversário. - a voz do meu pai é inconfundível. Grossa. Um pouco arranhada. E calma. - Não é Larissa?
- Cadê a mãe? - Larissa gritou.
- Estou aqui mal educada. - fiz um bico na cara. Adoro repreendê-la. Me enche de alegria fazer o papel de mãe.
Só ouvi seus pés batendo no chão enquanto corria. Parecia que iria destruir a casa.
Me virei para ver a sua reação. Seus olhinhos brilhando ao ver os balões. Encantada. Fascinada.
- Aí que maraaaaa!
Larissa copiou um professor na escola. Ela ficou viciada no "maraaaaa"
Eu e meus pais não contivemos nossas gargalhadas.
- Maraaaaa? - meu pai imitou. - Meu Deus! Onde ela aprendeu isso?
- Na escola. Não é nada demais, pai.
- Tem que ver ela falando "inhaí". - minha mãe tinha que contar.
- Eu ti amu mãe. - Larissa se prendeu nas minhas pernas. Peguei ela no colo. Fícamos abraçadinhas. - Agora cadê meu presente?
- Você não tem jeito mesmo, né? - peguei a sacola e alcancei o pacote.
- Não rasga o pa... - minha mãe não teve nem chance. Voou papel pra todo lado.
- Eu precisava disso mãe. - Larissa olhava fascinada para a boneca inspirada na youtuber preferida dela.
- Agora vá tomar banho. Que seu pai já está vindo te buscar. Quero acender as velinhas e cantar parabéns antes que ele te leve.
- Eba! Quero refrigerante.
- Depois. Vamos.
É difícil mas é divertido dar banho na Larissa. Uma vez ela pegou o sabonete líquido íntimo para passar na cabeça. Minha mãe disse que ela estava com cheiro de buceta fresca. Rímos horrores. Larissa chorou. Ela quer mostrar que é capaz de fazer as coisas sozinhas. E às vezes gosta de derramar os frascos de perfume na privada. Também gosta de tatuar as bonecas com caneta. E se pintar com batom. Ainda não chegou na fase de cortar a franja. Graças a Deus!
- Vem. Olha esse vestidinho lindo.
Larissa pulava. Dava gritinhos.
Pentiei os cabelos compridos dela. Ela sempre reclama por causa dos nós. Coloquei os sapatinhos cor de rosa.
- Pronto! Está rosa dos pés à cabeça.
- Eu queroooo refriiiii mãaaaaae.
- Já vai.
Larissa batia as mãozinhas nas paredes. Saltava de um lado para o outro.
- Cadê o paiiii? - ela idolatrava o pai. Isso me dava medo. Se ela soubesse como ele era de verdade. - O paiiii já vem?
- Sim. Agora vamos assoprar a velinha do bolo. Vem pai!
Meu pai se levantou do sofá e veio até a cozinha.
Minha mãe já estava pronta com o celular na mão. Filmando tudo. A mulher deveria ser câmeraman na outra vida. Nunca vi alguém que gostava de tirar foto de tudo. 100 mil fotos das flores do jardim.
- Sobe na cadeira. - minha mãe acenava para Larissa dar à volta na mesa.
Acendi com o isqueiro a velinha cor de rosa. Faíscas voando para todo lado.
- Pará-bens pra... vô...cê! - minha mãe puxou o coro. - Nessa data querida. - Nós quatro batíamos palmas. - Muitas felicidades, muitos anos de vida.
Larissa já lavava a mesa de saliva de tanto assoprar o bolo. Havia fúria nos olhos. Ela queria apagar a velinha de todo jeito.
Batemos palmas. E cortei o bolo.
- E pra quem vai o primeiro pedaço?
Larissa olhava para o bolo. Colocava o dedinho no glaçê.
- Pra quem vai o primeiro pedaço de bolo, Larissa? - minha mãe insistia. - O primeiro pedaço de bolo vai para uma pessoa especial. Então pra quem você quer dar o primeiro pedaço?
Larissa começou a girar o dedinho indicador no ar.
- Então.... o primeiro pedaço de bolo... - ela estava frenética - vai para o vô.
Minha mãe e eu puxamos um coro fingindo tristeza por não termos sido escolhidas.
- Ahhhhhhhhhhhhhhh.
Meu pai, sentado na cadeira ao lado do fogão e da pia, deu um sorrisinho de vitória.


ErosOnde histórias criam vida. Descubra agora