Final

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Na beira da praia tem uma casa de madeira. Ela não é gigante. Mas é grande o suficiente para dois velhinhos viverem de forma independente. Seus filhos e netos os visitam quase todo final de semana. Ele, dizem, tem alguns anos a mais do que ela. Dizem que foi um homem muito rico, muito bonito, muito importante. Mas que agora isso já não importa.
Nos últimos anos ele ficou dependente da cadeira de rodas. Ele conseguia caminhar, mas com muito esforço e muita dor. Então a comodidade acabou vencendo.
Os vizinhos contam também que toda manhã, antes do nascer do sol, ela leva-o sentado na sua cadeira de rodas até a área aberta na frente da casa. Ela o estaciona ali, senta-se ao seu lado e no meio do breu ambos esperam o sol nascer em silêncio. Ouvindo as ondas do mar se quebrar. Sentindo a brisa do mar tocar seus rostos e os primeiros raios de luz do dia rasgar os céus, colorir as nuvens e esquentar seus corpos.
Alguns dizem que eles eram jovens muito apaixonados e que viveram uma história de amor arrebatadora. E por isso se negam a deixar a sua casa e ir para uma casa de repouso ou azilo, onde poderiam ter melhores cuidados. Outros dizem que isso é apenas mais uma invencionice. Uma bobagem romantizada.
A quem diga que volta e meia, em datas especiais, ele leia um poema que escreveu em homenagem à ela. Que viram ele puxando um papel amarrotado e fino pelo tempo, onde as palavras riscadas à caneta se destacam.
Tirando sua família, poucos sabem os seus nomes. São conhecidos como o casal de velhos. Sempre despertam a curiosidade de quem passa por perto da casa. O jeito como ambos trocam carinhos e afagos. Tão velhos e tão frágeis. Dizem que é muito bonito.
As pessoas comentam. Ele irá fazer 100 anos. E isso é algo realmente impressionante e invejável. Um rapaz aproveitou a oportunidade para perguntar para o velho qual é o segredo de uma vida tão longa. O velhinho balançou a cabeça e sussurrou: - Tati, Tati.
A família deciciu comerar os cem anos no final de semana anterior a data. Todos compareceram. Foi uma bagunça. Netos e bisnetos. Pessoas estranhas conversando e bebendo pela casa. Crianças correndo e gritando. A casa ficou lotada. E cada um que desejava felicidades trocou algumas palavras vagas.
Mas foi numa quarta-feira de lua cheia que ele completou os cem anos. Eles admiraram o pôr do sol e depois ela deu-lhe comida levando do prato com a colher até a sua boca. Logo eles foram-se deitar. Os velhos sempre dormem cedo. Ela pacientemente o ajudou a se trocar. Massageou as suas costas. Os dois de pijamas deitaram-se na cama e se abraçaram. Como num casulo. Ela esfregou seus pés nos dele para se esquentar.
- Eu te amo, Tati. - ele repetia essa frase toda noite.
- Eu te amo, Eros. - ela sempre respondia.
E com as estrelas de testemunhas, os dois ficaram abraçados até que as pálpebras dos seus olhos pesassem e o corpo relaxasse num sono profundo. O corpo dele esfriou primeiro. O dela logo em seguida. Foram encontrados pelos vizinhos no dia seguinte.
Muita gente foi se despedir. Alguns foram de curiosidade. Alguns choraram na lápide. Outros apenas deram um até logo.
E muitos falaram que um sorriso estava engessado no rosto dela. E logo dezenas de hipóteses foram levantadas.
A verdade que talvez ninguém nunca venha a saber é que sorriso no rosto da senhora era a alegria de poder ter dividido a sua vida com um homem que a fez brilhar. Com alguém que soube que amor é muito diferente da dor. Com alguém que lhe escutou. Lhe pediu como você está. Que quis saber o que você pensa e sente. Com alguém que realmente te amou.
Muitas pessoas também nunca saberão que essa senhora prometeu a esse senhor em vossas juventudes que ele morreria em uma cama quentinha só na velhice. Muitas pessoas nunca entenderão muitas coisas. Nem sequer se importarão.
E o último sorriso daquela senhora foi o sorriso do amor. O sorriso do sonho conquistado. O sorriso da batalha vencida.
E assim como as fotografias desbotam, as folhas caem das árvores e os túmulos perdem os nomes dos mortos, a vida passou. E Eros e Tati se perderam como tantas outras histórias de amor.
Talvez seja besteira dizer isso. Mas na noite em que Eros fez cem anos, Enquanto Tati sonhava e Eros partia, ela se viu de vestido azul. Se viu como uma princesa pronta para encontrar o seu príncipe. Ela desceu as escadas. E Eros lhe esperava. Homem jovem. Lindo. Sorriso aberto. Perfumado. Ele estendeu seu braço musculoso oferecendo a mão à sua Cinderela. Para que os dois atravessassem a vida e dançassem pela eternidade e ela em troca apenas sorriu.

Fim.

ErosOnde histórias criam vida. Descubra agora