Uma nova Cinderela (parte 66)

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Eu demorei para dormir. Mas quando dormi capotei. Acordei no outro dia pelas onze horas.
Ao abrir os olhos e reconhecer as paredes do meu quarto, Eros me veio à cabeça.
Me levantei num impulso e fui até a cozinha. Minha mãe preparava o almoço.
- Oi. Eu sei o que você vai perguntar e a resposta é que está na mesma. Continua na UTI. Seu pai foi lá hoje de manhã cedo. Os pais do Eros e o irmão chegaram de madrugada.
- Eu quero ir para lá. Quero ir para o hospital. Será que me deixam vê-lo?
- Sente-se e coma. Seu pai vai te levar a hora que quiser. Eu sei que é difícil, mas é melhor ter calma.
- Eu não consigo, mãe.
- Eu sei. - ela tentava não mostrar, mas estava bastante abalada. Com olheiras enormes. - Mas pense positivo. Ele está vivo. Lutando pela vida. Talvez demore. Mas o que importa é que ele se recupere. Um dia de manhã você vai atender o telefone. Será do hospital. Eles dirão que ele está acordado e bem. E você irá correndo até ele. Pode apostar.
- E se ligarem para contar que ele está morto?
Minha mãe parou me mexer nas panelas, secou as mãos na toalha e se virou para falar comigo.
- Então você será a mulher mais forte do universo. Passará pelo luto. Sofrerá muito. Mas voltará a viver e até a sorrir. Parece horrível. Mas é assim. E você tem uma filha que precisa de você. A vida é assim. Imprevisível e fatídica.
Cada palavra que saíu da boca da minha mãe me cortou como navalha.
Eu obedeci. Tomei banho. Comi e me arrumei. Peguei a Larissa no colo por uma hora. Ela fez um desenho para eu levar para o Eros. Um monte de rabiscos. Uma artista do abstrato.
Chegamos no hospital perto da uma hora da tarde. Eu reconheci Shirley de longe no corredor. Estavam os três parados. Ela, o pai de Eros e Erick, prestando atenção no que o médico falava.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- A situação dele é muito complicada. Ele não reagiu muito bem aos medicamentos. Mas substituímos e só nos resta esperar. Eu só queria dizer que é melhor vocês se prepararem para o pior.
Aquela última frase proferida pelo médico acabou com toda minha tranquilidade que eu havia construído durante a manhã.
Shirley cumprimentou meu pai. Ela estava destruída. Me abraçou e desatou a chorar.
- Me desculpa. Eu fui horrível com vocês dois. Eu jamais deveria ter falado aquelas coisas. Me desculpa. Se eu pudesse eu nunca teria dito aquelas coisas. - agora Shirley sofria. Talvez as últimas palavras suas dita para o seu filho fossem aquelas agressões verbais. Os adjetivos pejorativos.
O médico disse que poderíamos ir ver o Eros. Shirley foi a primeira. Ela voltou com o rosto lavado de lágrimas, as bochechas coradas, os olhos profundos. O pai de Eros foi o que demorou menos. E por último fui eu. Meu pai perguntou se eu me sentia bem o suficiente para ir vê-lo. Que poderia ser um choque muito grande para mim. E que era melhor eu esperar se não me sentisse preparada. Eu iria de qualquer jeito. Talvez fosse a última vez que eu o visse com vida. Não me perdoaria se não tivesse ido vê-lo.
Ao passar pelas portas com a enfermeira e ver a ala da UTI por dentro refleti o quanto acreditamos que a UTI parece uma sala mágica e na verdade são só mais quatro paredes com camas, aparelhos, bípes e tabelas.
Eu vi a cama dele lá no fundo. Estava enfaixado e entubado. A máquina apitava a cada batimento cardíaco. Ao lado outra máquina tocava ar para o seu pulmão. Sua boca estava machucada pela mangueira de óxigênio. Foi um choque vê-lo todo enfaixado. Não conseguia nem ver o seu rosto.
Lágrimas e lágrimas saíram do meu rosto. Eu só queria que ele acordasse e olhasse para mim. Que fizesse piada da sua piroca e da minha buceta. Eu só queria vê-lo sorrindo. Eu só queria que ele voltasse.
Eu não sabia o que dizer. Me sentia uma idiota ao olhar para ele todo debilitado. A enfermeira se afastou e fingia não prestar atenção em mim. Me dando espaço. Eu só queria beijar os seus doces lábios. Só queria abraça-lo.
- Eros! - ao dizer o nome dele o choro veio de forma convulsante ao ponto de me fazer engasgar nas palavras, tropeçar as sílabas. - Eros. Eu não sei se você está me ouvindo. Eu só queria poder conversar com você mais uma vez. - meus olhos percorriam pelas ataduras. - Eu vou te esperar, meu amor. Eu tenho tantas coisas para te falar. Mas eu não sou muito boa com as palavras como você. Eu só quero dizer que eu te amo. Você é a minha vida. E eu vou estar aqui sempre. Te esperando. Eu prometo que também nunca mais vou reclamar ou brigar com você. Que nunca mais iremos passar uma noite sem dormir juntos. Que todo momento que eu tiver disponível eu irei gastar com você. E... e meus pais também querem te ver bem. Todo mundo que te ama está pensando e torcendo por você. Então. Eu sei que isso parece egoísta. Mas volta. Porque eu já não sei viver sem você. Eu aprendi a te amar e não sei como faz para desaprender.
Passaram-se 15 dias arrastados. Eu toda manhã, tarde e noite ía para o hospital. Eu estava esgotada. Mas imparável. Eu daria o meu máximo pelo Eros. Até o fim
No décimo quinto dia o médico disse que queria conversaer comigo. Ele disse que Eros não estava melhorando e que provavelmente seu quadro seria irreversível.
As palavras dele ficaram gravadas na minha alma. Eu contei para o meu pai no carro. Chorei no colo dele. Ao chegar em casa eu fingi que estava tudo bem. Não queria que minha filha me visse tão mal. Ela ainda precisava de mim.
Eu passei a noite toda deitada acordada na cama. Olhando para o teto no breu. Esperando uma resposta.
Ao raiar do sol eu me levantei e sentei na mesa da cozinha. Fiz um chá e esperei o tempo passar.
Horas depois minha mãe se levantou. De pantufas e pijamas ela caminhou pela cozinha.
- Você não dormiu, né?
- Não.
Ela tentou não demonstrar decepção ou tristeza.
Ao colocar o pão sobre a mesa, as xícaras, os talheres, o leite, o telefone tocou.
Nós duas nos olhamos. Podia ser agora o momento que eu jamais tiraria da minha cabeça. O momento em que contariam que o Eros tinha falecido.

ErosOnde histórias criam vida. Descubra agora