Capítulo 63

672 46 0
                                    

Engraçado, esse cara tinha o poder de me irritar até mesmo quando não tentava.

Virei-me e o encarei de cara feia, o que o fez rir. Alfonso era muito folgado, diariamente aparecia para almoçar com Miguel. Disse que precisava desse envolvimento na vida do menino, já que eu o escondi por quase quatro anos. Sempre dava um jeitinho de jogar isso na minha cara.

— Se eu quiser, vou. E daí? Cadê o Miguel?

— Foi fazer xixi. — Assenti e continuei a coar o café, assim que terminei fui virada subitamente e encarava os olhos azuis mais escuros que vi na vida. Aqueles que eu conhecia bem, havia muito desejo em seu olhar e algo mais que não quis identificar. — Por que está me tratando assim, Anahí? Foi você que escondeu o menino de mim, eu tinha o direito de saber dele e agora quero recuperar o tempo perdido.

— Você pode recuperar o que quiser, desde que mantenha suas mãos longe de mim. Me solta, Alfonso.

Tentei desvencilhar meu braço, mas foi em vão, e o filho da puta só sorria. Até que uma vozinha o fez dar um pulo.

— Você vai namora a mamãe?

Arregalei os olhos e suspirei pesadamente. De onde esse menino tinha tirado isso?

Fiz uma careta para o Alfonso, que teve a decência de parecer envergonhado. Olhei para o

Miguel e sorri.

— Vem, meu filho. Já vou colocar o café na mesa.

Ele se aproximou e o peguei no colo dando seu beijo de bom-dia, o coloquei na cadeira alta aproximando-a da mesa. Miguel já foi logo estendendo as mãozinhas e pegando biscoitos e pães.

Meu filho comia muito bem, graças a Deus. Na verdade, eu não tinha nenhuma reclamação dele. Fui abençoada com um menino que só me trazia alegrias.

Alfonso se sentou ao lado do Miguel e coloquei a garrafa de café à sua frente sem olhar em seus olhos. Meu coração estava estranho, um frio se instalou em minha barriga desde o minuto que o vi na porta da minha casa naquela manhã. E isso não era bom! Definitivamente péssimo, claro.

Sentei-me e terminei o desjejum em silêncio, porém Miguel não teve problema de bater papo com o Alfonso. Era até engraçadinho, ele tentava parecer mais esperto do que era, falando coisas difíceis e acabava soando engraçado. Quando terminei, me levantei e fui lavar a louça. Meu filho arrastou o pai para o quarto, dizendo que iria mostrar os livrinhos de história para ele.

Tentei me distrair pela sala juntando alguns brinquedos espalhados, mas foi impossível não espiar o que eles faziam. Quando cheguei próximo ao quarto, escutei a voz grossa de Alfonso soando carinhosamente.

— Eu a conheci numa festa e achei sua mamãe a mulher mais linda do salão. Aquele sorriso iluminou todo o lugar como um raio de sol, seus olhos azuis tão clarinhos assim como os seus, me prenderam e não soltaram mais. Eu nunca me esqueci do seu olhar, aí eu fui um bobão e esqueci de todo o resto, então a mamãe ficou com muita raiva.

— Hum, então você deve pedi dicupa.

— Sim, provavelmente eu deva mesmo. Mas eu acho que não vai adiantar Miguel, sua mamãe ficou muito magoada.

— Mas se for de vedadi vai aceita. Mamãe me ensinou que quando é de vedadi a gente tem que aceita.

Engoli em seco e aguardei a resposta do Alfonso. Até aquele minuto não sabia que realmente esperava um pedido de desculpas, ou uma explicação plausível daquela velha história: “eu estava bêbado e não me lembrei”.

— Você tem razão, acho que vou tentar. Quem sabe não dá certo. Eu fui um bobo total de perder uma mulher tão linda.

— Foi sim!

Escutei suas risadas e logo me afastei com o coração na garganta, parecia que tinha milhares de borboletas em meu estômago, estava me sentindo muito mal, achei que iria vomitar.

Quando percebi estava debruçada na janela em busca de ar. E logo senti uma presença atrás de mim, nem sabia que tinha lágrimas escorrendo pelo meu rosto e tive a certeza quando um soluço escapou dos meus lábios.

Mais de quatro anos de solidão e arrependimentos acumulados saíam em forma de um choro desesperado. Braços fortes me envolveram e acalentaram. Permiti aquele conforto momentâneo e fechei os olhos sabendo que logo estaria sozinha novamente.

Alfonso alisou meus cabelos enquanto deixava toda mágoa se esvair e quando percebi ele entoava palavras desconexas em meu ouvido que só consegui distinguir depois que meu surto passou.

— Me desculpa, me desculpa. Perdoa a minha idiotice, por favor. Não chore, linda.

Fui me acalmando devagar e as batidas do meu coração foram se estabilizando.

Então percebi o que estava fazendo, agarrada ao homem chorando feito uma criança. Tentei me afastar, mas Alfonso não deixou. Segurou-me forte enquanto eu me debatia enlouquecidamente. Vencida pelo cansaço e respirando fortemente, olhei em seus olhos azuis e vi muito arrependimento. Engoli em seco e esperei, não sei dizer o quê, mas aguardei.

Percebendo que eu não fugiria mais, ele soltou meus braços e acariciou meu rosto com as costas das mãos fazendo-me fechar os olhos apreciando o carinho. Algo que eu não tinha muito.

Seus lábios quentes roçaram nos meus e me deixei levar. Dei passagem para um beijo saudoso e cheio de sentimentos que eu guardei a sete-chaves dentro de mim. Você pode pensar que é algo clichê e sem noção se apaixonar por alguém logo na primeira transa. Sim, não é algo que se vê em todas as situações. Só que para mim foi tão inevitável e resultou num presente tão especial que eu amei o Alfonso por todo o tempo que passamos separados pelo simples fato de ter me dado um filho tão lindo.

E agora o desejo de uma mulher por um homem reacendia dentro de mim e tornava aquele beijo totalmente libertador. Rendi-me ao desejo de pertencer a ele. E fui até as nuvens com o coração leve. 

Quando nos separamos, uma vozinha no fundo nos fez ofegar, novamente.

— Ah, mas você tá namorano minha mamãe sim!

Alfonso sorriu e se virou, abaixou-se e chamou Miguel com o dedo, que correu para os braços do pai.

— Eu só posso namorar a sua mãe se ela me quiser, Miguelzinho.

Meu filho olhou pra cima com os olhinhos brilhantes e sorriu.

— Ela vai querê e a gente vai virá família, né, mamãe?

Meu coração vacilou e prendi meu olhar nos do homem que virou minha vida de cabeça para baixo. Engoli em seco e apenas sorri para o Miguel, não podia prometer algo que não sabia ao certo.

A vida nos prega peças que nem imaginamos ser possíveis e aprendi a duras penas não criar expectativas, pois nem com minha família eu pude contar.

Um homem não seria tão confiável assim. Seria?

<•>

Pecaminoso Onde histórias criam vida. Descubra agora