Tonya havia me ligado aparentemente um milhão de vezes no dia anterior e eu não a atendera num primeiro momento, porque eu não estava nenhum pouco estável.
Por isso que eu estava a telefonando somente agora:
- Nossa, obrigada por finalmente me atender.
- Diga.
- Quanta empolgação! - em qualquer outro dia, eu acharia rotineiro, mas hoje eu não estava a fim de protestos e outras coisas.
Eu não estava nem a fim de a ligar. Eu só queria ficar quieta. Na minha. De preferência, debaixo das cobertas onde ninguém pudesse me ver:
- Norman me ligou ontem. Depois do shopping. - mas aquilo me chamou de volta à terra. Completamente.
Norman.
Eu o evitara na minha cabeça até então:
- Você não acha que foi meio bundona com ele, Olivia?
Eu quase engasguei com a minha própria saliva ao ouvir aquilo:
- Como é que é?
- É isso mesmo que você ouviu. - a voz dela nem tremeu. - Não há uma forma legal de falar para alguém que ele está fazendo coisa errada então é por isso que estou indo direto ao ponto. Você foi horrível com ele.
- Tonya, eu...
- Eu não sei o que deu em você pra agir desse jeito, mas não foi nada justo com ele.
Ouvi o que ela estava dizendo. Eu realmente parei e me permiti prestar atenção na bronca.
No fim das contas, eu sabia que ela não estava errada. Era justamente por isso que eu estava evitando pensar nele ou no episódio que acontecera no shopping.
Estava tudo tão bem. Nós estávamos tão bem. Eu estava me divertindo tanto.
- Você tem razão.
- O quê?
- Você está certa. Eu agi errado. - admiti mais uma vez.
- Sério? Fácil assim? - ela me pareceu chateada por um único momento. - Eu estava pronta para uma hora de discurso. Geralmente é o que acontece antes de eu perder a calma e bater no Joshua. - senti um leve dar de ombros. - Você quer conversar comigo sobre isso?
- Não. - respondi quase que automaticamente.
- Tudo bem. Então vá conversar com quem você deve.
- Quem?
- O Norman né, Olivia.
- Eu não sei se ele vai estar afim...
- Sua covarde! Você nem tentou. Fale com ele primeiro. - orientou. De uma forma conturbada, mas orientou.
- Vou tentar. - achei que ela me diria meia duzia de palavras que não devem ser proferidas, mas ela não o fez, ao invés disso, o tom dela se acalmou ligeiramente:
- Olivia, - ela me esperou responder, para ter certeza de que eu não dispersara. - Se houver alguma coisa sobre a qual for difícil de falar, tenta.
Não entendi direito o que ela quis dizer, pois não havia nada pra falar. Eu não entendia porque de um tempo pra cá, todo mundo achava que eu precisava falar sobre algo escondido:
- Ok.
- Você vem na festa do Joshua?
- Não estou afim. Desculpe.
- Se você não está, o Norman vai estar menos ainda. Menos duas pessoas na lista. - não foi nem pra me fazer sentir culpa; ela só estava pensando em voz alta.
- Desculpe. - mas naquele ponto era mais educação do que eu me importar de fato.
- Tudo bem, esquece. Beijo. - desliguei.
Meu pai havia ido trabalhar e eu ficara com a tarefa de fazer almoço, mas naquele dia, eu simplesmente não consegui. Pedi algo pelo ifood e aquilo pareceu ser o suficiente para o Ian. Que ficou muito feliz.
Eu passei a maior parte da manhã e da tarde no meu quarto, tentando fazer algo útil, mas estava difícil manter a concentração.
Toda vez que eu pegava um livro pra ler, por exemplo, a cara chata e ruiva da Tonya ficava aparecendo e me falando um monte de coisa:
- Acho que vou enlouquecer. - fui até o banheiro e lavei o rosto.
Me encarei no espelho e a primeira imagem que passou na minha cabeça foi o rosto de Norman.
Eu havia errado. E não só isso, eu havia o desapontado. Eu não duvidava que ele nem quisesse mais falar comigo. Entretanto, meu erro só pioraria se eu o mantesse daquele jeito, eu precisava pelo menos tentar fazer alguma coisa.
Peguei meu celular e procurei o endereço dele; ele havia me dito onde morava um dia desses dias.
Quando achei, fui até o quarto de Ian:
- Olá.
- Oi, Liv! - ele estava desenhando alguma coisa.
- Eu preciso dar uma saidinha. É rapidinho. Você fica bem, ou quer que eu chame a Estela? - ela era nossa vizinha que tinha um menino com quem Ian brincava. Às vezes, ela passava uma olhada no Ian.
- Não precisa. Eu fico bem. Estou desenhando. - tentei espiar o que era.
- É a Maya?
- Como você sabe? - ele parecia impressionado.
- Naquele dia que fui falar com a diretora da sua escola, eu a vi. Nós conversamos.
- Ah, entendi. - ele voltou a pintar o desenho.
- Vou lá. Seja um bom garoto.
- Liv, - parei na porta, esperando para o que ele ia dizer. - Você está bem? Você esteve tão quietinha desde a barata.
Senti uma ponta de infelicidade dentro de mim:
- Estou. - usei o sorriso comum que eu sempre dava. - Fique tranquilo. - voltei lá e dei um beijo no alto da sua cabeça.
- Eu amo você. - ouvir ele dizer aquilo foi uma chuva cristalina que precisava muito cair sobre mim.
Voltei até ele novamente e o dei o abraço mais apertado da minha vida:
- Eu também amo você, Ian. - meu olho encheu e eu me esforcei para não deixar nada sair. - Muito mesmo.
Eu não o soltei rápido. E ele parecia também não estar incomodado com aquilo, então nós só ficamos lá por um tempo, até eu saber que seria seguro o olhar, sem desabar na frente dele:
- Logo eu estarei de volta. - Ian só assentiu dessa vez, sem me interromper.
Peguei a direção da porta. A casa de Norman não era tão longe da minha.
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EAT ME
RandomComo é desenvolver uma doença que não pode ser vista fisicamente? Como é saber que está doente e ao mesmo tempo não ter ciência disso? Como é achar que isso está sendo algo bom quando está destruindo o seu corpo? E o seu psicológico? Como é estar t...